20 jan, 2021 - 07:00 • Susana Madureira Martins
Em junho de 2010, em vésperas do Mundial de futebol, o internacional português Cristiano Ronaldo andava seco de golos e a crise era de tal maneira que não marcava pela seleção há 16 meses. Aos jornalistas acabou por dizer que não estava preocupado e que "os golos são como o ketchup: quando aparecem é tudo de uma vez".
Mal comparado assim foi com o PS e os apoios para as presidenciais. A comissão nacional que ia discutir o tema custou a realizar-se, foi, de resto, adiada duas vezes e, finalmente, em Novembro os dirigentes nacionais aprovaram a deliberação que deu liberdade de voto.
A partir daí, os apoios dos socialistas aos candidatos foram como o ketchup e os golos de Cristiano, tudo de uma vez e sem rodeios. Vamos então aos golos. Perdão, aos apoios.
O episódio na Autoreuropa conta como apoio de António Costa a Marcelo Rebelo de Sousa? Não contando, conta, pelo menos, como um desejo mal escondido do primeiro-ministro e secretário-geral do PS de que a recandidatura e reeleição do Presidente da República se concretizassem. E, assim, tudo aconteceu num insólito 13 de maio de 2020, o ano um da pandemia.
Primeiro-ministro desafia, indiretamente, Marcelo (...)
A deliberação da comissão nacional de Novembro menciona a candidata presidencial Ana Gomes como "distinta militante socialista" e mais nada. O documento diz ainda que o PS "faz uma avaliação positiva do actual mandato do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa".
Ora, Pedro Nuno Santos, ministro das infraestruturas e dirigente nacional, discorda e, logo ali, manifesta apoio a Ana Gomes e critica Marcelo "por causa da crise da geringonça, acusando-o de ser "um factor de instabilidade".
Em Setembro, já tinha dado uma resposta torta a Augusto Santos Silva, em Sines, num evento em que participava como ministro, defendendo que Ana Gomes, como ex-dirigente, não pode "de um momento para o outro" passar a ser vilipendiada porque "não dá jeito" ao partido.
Em finais de Setembro, Augusto Santos Silva tinha dito, na TVI, que a antiga eurodeputada não é "uma boa candidata para ter o apoio do Partido Socialista".
Isto tudo mesmo depois de o secretário-geral do PS e primeiro-ministro António Costa ter pedido aos seus ministros "reserva" sobre as Presidenciais.
Carlos César é um dos odiozinhos de estimação de Ana Gomes. Ou vice-versa, trocando-se "mimos" com frequência. A candidata presidencial já chegou a classificar o presidente do PS como um "aparatchick" e ele não se faz rogado em responder de forma gelada.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do Público, César disse que "só numa situação limite votaria em Ana Gomes, se os candidatos em presença significassem algo de desagradável que não gostasse de ver reflectido na mais alta magistratura da nação".
Hora da Verdade
O presidente do PS alerta o PCP e o Bloco para os (...)
Questionado sobre se ver Marcelo reeleito não seria desagradável, o presidente socialista não podia ser mais claro: "Aprecio a forma como Marcelo Rebelo de Sousa tem desenvolvido o seu mandato, em condições complexas do ponto de vista institucional, agora até somadas com a sua conduta ao longo desta crise sanitária e na sua relação com as outras instituições do poder político.Aprecio a forma como ele tem desempenhado as suas funções". Mais apoio que isto, é difícil.
Fernando Medina, logo na comissão nacional de novembro, fez questão de declarar apoio à recandidatura do actual Presidente da República, com o presidente da câmara de Lisboa e membro do Secretariado Nacional do PS a elogiar a forma como Marcelo Rebelo de Sousa tem exercido o mandato de chefe de Estado.
Muito pouco clara tem sido a posição da líder parlamentar socialista. Ana Catarina Mendes, até agora, não disse quem apoia nestas Presidenciais. O mais próximo que se conseguiu foi em entrevista ao Observador, quando afirmou que prefere votar em Marcelo a fazê-lo num candidato do PCP ou do Bloco de Esquerda. Sobre Ana Gomes, nada.
Amigo de Pedro Nuno Santos, o secretário de estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, segue os passos do ministro das infraestruturas e apoia Ana Gomes.
No anúncio de apoio na rede social Facebook, Duarte Cordeiro opta pelo tom cordial e diplomático que o caracteriza e diz "reconhecer aspectos positivos no mandato do actual Presidente da República, designadamente o seu contributo para a estabilização da vida política nacional e o seu papel no combate a esta pandemia".
Mas, como há sempre um "mas", o líder da distrital do PS/Lisboa, ressalva que entende que "não deve apoiar uma candidatura de direita, com uma visão política da sociedade distinta" da sua.
Assim, diz acreditar que "será uma candidatura progressista, humanista, ambientalista, de defesa da liberdade, pelo combate às desiguladdes e de convergência no combate à extrema direita, à xenofobia, ao reacionarismo e ao conservadorismo" e até fala do "espírito inconformado e lutador" da candidata.
Ana Gomes surgiu na cúpula do PS pela mão de Eduardo Ferro Rodrigues, quando este era secretário-geral do partido, ficando como secretária nacional para as Relações Internacionais em 2003, tendo ambos vivido os difíceis anos do escândalo Casa Pia que atingiu o PS em cheio (episódio longamente contado de viva voz no recente livro "Ana Gomes, a vida e o mundo", do jornalista João Pedro Henriques, pela Palimpsesto).
A candidata presidencial foi buscar o homem de mão de Ferro na altura, Paulo Pedroso, para director nacional da campanha, mas o Presidente da Assembleia da República já terá decidido há muito tempo o apoio a Marcelo.
E foi dos primeiros a fazê-lo publicamente, tendo mesmo dito que votaria no actual chefe de Estado "se as eleições fossem amanhã". Estávamos então em abril de 2019 e isto foi dito em entrevista ao jornal Público.
Logo à cabeça, Manuel Alegre. Na primeira semana de campanha oficial para as presidenciais apareceu numa das videoconferências de Ana Gomes, dizendo-se "amigo" de Marcelo Rebelo de Sousa e a reconhecer que lhe deve "até bastantes atenções, mas a eleição presidencial não é uma coroação, é uma escolha" e o presidente-recandidato não é da "família política" do ex-deputado socialista.
O voto em Marcelo que muitos no PS admitem, para o ex-deputado e histórico do partido está fora de causa, porque não têm "a mesma história, nem a mesma memória" e quem representa a família política socialista, para Alegre, é Ana Gomes.
Alegre não poupou a cúpula socialista dizendo que a "não comparência do Partido Socialista" nestas eleições "criou aqui um vazio e é até uma forma de desvalorizar o regime semipresidencial de que o PS é fundador".
Dois outros históricos socialistas e que já tiveram funções de relevo, quer no governo, quer na direção do partido, ou apareceram na campanha de Ana Gomes ou ainda vão aparecer. São os casos dos ex-ministros José Vera Jardim e de João Cravinho, este último que ao longo dos anos tem sido o rosto do PS na apresentação de propostas de combate à corrupção, tema caro à candidata presidencial.
No arranque do período oficial de campanha eleitoral, a 10 janeiro, a Juventude Socialista (JS), liderada por Miguel Costa Matos - o mais jovem deputado à Assembleia da República e que já pertenceu ao gabinete do primeiro-ministro António Costa, como assessor económico -, emitiu um comunicado a optar por uma neutralidade de esquerda.
A JS aconselha ao voto em Ana Gomes, Marisa Matias (a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda) ou em João Ferreira (que tem o apoio de base do PCP do qual é dirigente nacional), propondo que os jovens socialistas se envolvam nas respectivas campanhas. Marcelo, que como já vimos é apoiado por boa parte da cúpula do PS, fica de fora.
Na primeira semana de campanha oficial, na mesma manhã em que se discutia no parlamento mais um estado de emergência, uma deputada socialista despede-se da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e sobe até às esplanadas da Praça das Flores, em Lisboa.
Trata-se de Isabel Moreira que tem ali encontro marcado com o candidato presidencial João Ferreira, apoiado pelo Partido Comunista Português do qual é, de resto, dirigente nacional.
Isabel, que entrou para o PS com ficha assinada por Mário Soares disse aí aos jornalistas que apoia João Ferreira porque este "tem uma adesão correctíssima àquilo que são os poderes do Presidente da República, não inventando poderes que não existem, não se substituindo ao executivo, não se substituindo aos tribunais, não aderindo a uma visão de uma justiça populista".
Questionada se isto acontece por oposição a Ana Gomes, a candidata socialista que não tem o apoio do partido, Isabel Moreira é sibilina respondendo que "evidentemente" não encontra "noutros candidatos e noutras candidatas essas visões" e que João Ferreira "não faz uma única cedência ao populismo".
Na mesma linha vai o antigo secretário de estado da Administração Interna Ascenso Simões, também ele deputado, católico e conotado com a ala mais à direita do PS. Sobre o apoio a João Ferreira diz que foi "muito pensado e que resulta de uma avaliação do que está em causa" nestas eleições.
Numa publicação na rede social Facebook, Ascenso explicou que João Ferreira "tem uma visão da função presidencial muito semelhante" à siua e que "o voto nesta candidatura é, também, uma apreciação do valor da pluralidade" da democracia "nestes tempos duros".
Tem sido interessante ver como Adalberto Campos Fernandes, desde o início da pandemia, se tem multiplicado em opiniões, sobretudo críticas, em relação à sua sucessora na pasta da saúde, não escondendo o travo amargo por ter sido arredado do governo a contragosto.
Adalberto Campos Fernandes escreve na rede social (...)
Médico de formação, Adalberto tem, contudo, uma posição muito próxima da cúpula do PS no apoio a Marcelo Rebelo de Sousa, tendo mesmo assinado um manifesto em conjunto com o dirigente nacional do partido, o também médico Álvaro Beleza.
O documento é subscrito por cerca de 50 personalidades e defende que "Portugal precisa de renovar e reforçar a confiança" no actual chefe de Estado.
Entre os governantes em funções, de registar a participação do ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, num dos eventos digitais diários de final de tarde da campanha de Ana Gomes e o mesmo já fez o secretário de estado adjunto e da educação, João Costa.
E, sim, há socialistas que apoiam a candidatura de Marisa Matias, a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda que fez questão de publicar uma lista de nomes de apoios onde consta Ana Benavente, a antiga deputada e ex-secretária de estado da Educação no governo de António Guterres. Outro dos nomes que está nessa lista é Manuel Strecht Monteiro, médico e ex-deputado do PS.
Outro dos apoios de Marisa Matias ligado ao mundo socialista é o de Francisco Ramos, o actual coordenador do Plano Nacional de Vacinação, ele que já foi presidente do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa e secretário de Estado de governos do PS por nada mais nada menos do que cinco vezes, com Maria de Belém, Correia de Campos e Ana Jorge.
Seria difícil ter socialistas de topo (ou sem ser de topo) a apoiar Marisa Matias no actual contexto de crise de relação entre o Bloco de Esquerda e o PS e, ainda por cima poucos meses depois do voto contra dos bloquistas no Orçamento do Estado para este ano e que os socialistas têm comparado ao traumatizante chumbo do PEC 4.
Longe vai o ano de 2011 em que foi possível o então secretário-geral socialista, José Sócrates, apoiar Manuel Alegre, naquela que foi uma candidatura presidencial com o apoio em conjunto de PS e Bloco de Esquerda, que andaram na estrada juntos e com as respectivas organizações em diálogo.
À altura o director de campanha de Alegre era o actual secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro que tinha como elo de ligação o agora deputado e dirigente bloquista Jorge Costa.