30 mar, 2021 - 00:17 • Marina Pimentel
A lei-travão é uma lei cega, tem de ser aplicada nos exatos termos previstos na Constituição e, por isso, toda a argumentação jurídica do Presidente da República é improcedente, diz Maria de Oliveira Martins, professora da Direito Constitucional e Finanças Públicas da Universidade Católica.
“Os argumentos jurídicos que o Presidente invoca não são capazes de afastar a lei-travão, não são procedentes. Um primeiro argumento porque a lei-travão dá cumprimento a uma separação rígida de competências orçamentais entre o Governo e a Assembleia da República. Nos termos da Constituição, a divisão de poderes é muito clara: o Governo faz o orçamento e a Assembleia aprova. É esta divisão rígida de competências que não está a ser respeitada”, disse.
Maria Martins diz que é uma ficção constitucional o argumento de Marcelo Rebelo de Sousa, que manda o Governo executar as normas dos apoios sociais urgentes de modo conforme à Constituição.
“Diz o Presidente da República que estes diplomas deveriam ser aplicados na medida em que respeitassem os limites resultantes do Orçamento do Estado vigente. Será que isto é possível? Não é. Estamos no domínio da ficção constitucional”.
A especialista acrescenta que, “uma vez aprovadas, nestas medidas sociais não existe nenhum mecanismo – seja jurídico, seja financeiro, seja económico – que assegure que estes se atêm ao que já está orçamentado. O Presidente da República pode dizer o que quiser, mas não consegue impor esta interpretação”.
O Governo, se não pedir a sua fiscalização sucessiva, vai ter de aplicar a lei de acordo com toda a dimensão e impacto orçamental que ela tenha.
Se o tribunal decretar a inconstitucionalidade das normas com carácter geral, essa inconstitucionalidade pode vigorar desde a sua entrada em vigor.
No entanto, Maria Martins reconhece que os subsídios que, entretanto, foram recebidos pelas pessoas não se lhes pode pedir que os devolvam.
Se o Governo quiser uma decisão em tempo útil tem de pedir ao Tribunal Constitucional (TC) que dê prioridade ao caso e ao presidente do TC que encurte os prazos normais de toma de decisão. Assim sendo, a decisão pode sair em cerca de um mês.