22 abr, 2021 - 16:59 • Pedro Mesquita , com redação
O novo consenso político em torno da necessidade de criminalizar o enriquecimento ilícito é motivado pela pressão da opinião pública, afirma João Cravinho. À Renascença, o autor de uma primeira proposta em 2006 afirma que, na altura, o grupo parlamentar do PS, por indicação de José Sócrates, “não queria instalar um sistema eficaz de combate à corrupção”.
O antigo ministro e deputado socialista recorda uma proposta que apresentou há 15 anos, que não avançou por falta de vontade política e pressão suficiente dos eleitores.
“Em 2006, apresentei um pacote com várias medidas incluídas. Na versão que apresentei ao grupo parlamentar do PS já incluía o enriquecimento ilícito. Depois, na convicção que se revelou completamente falsa, de que se deixasse a questão do enriquecimento ilícito para uma segunda fase conduziria, necessariamente, a uma dinâmica que levaria a abordar a questão do enriquecimento”, afirma.
João Cravinho afirma que “o grupo parlamentar do PS, com a indicação concreta do secretário-geral José Sócrates, não queria instalar um sistema eficaz de combate à corrupção”.
A sugestão não se concretizou e o tema só voltou a ser notícia - com novas propostas - quatro anos mais tarde, recorda João Cravinho.
“Em 2010, foi criada uma comissão eventual para aperfeiçoar a legislação sobre o combate à corrupção e eu, que já não estava no Parlamento, foi convidado a dar a minha opinião e deixei muito claro que, em nome do princípio da transparência, se devia fundamentar a criminalização do enriquecimento injustificado. O ónus da prova é do Ministério Público. Em 2010, eu fiz esse enquadramento e o fundamento é o mesmo, de hoje, da proposta da Associação Sindical dos Juízes.”
O antigo deputado sublinha que “não houve consequências porque os partidos políticos não estavam interessados. É a realidade concreta”.
Não se fez também em 2010 porque, na interpretação de João Cravinho, os partidos não tiveram vontade. Seguiram-se mais duas tentativas e os deputados puseram-se finalmente de acordo, mas foram chumbadas pelo Tribunal Constitucional. Chumbadas por unanimidade, e sem qualquer surpresa, para João Cravinho. "Estava mesmo a ver-se", afirma nestas declarações à Renascença.
“Houve duas tentativas de criminalização do enriquecimento ilícito, o Parlamento aprovou legislação nesse sentido que foi levada ao Tribunal Constitucional e foi chumbada por unanimidade. Porque eram violações totais dos princípios constitucionais e, portanto, estava-se a ver que, desde o início, que uma coisa é legislar de acordo com os princípios constitucionais, com base no princípio da transparência e da não ocultação, outra coisa era inverter o ónus da prova.”
Questionado se essas medidas foram aprovadas só para serem chumbadas, João Cravinho responde que é uma questão de perguntar aos responsáveis “como foi possível isso, alguns ainda estão aí na vida política”.
“Era preciso fazer isso. Como se faz isso? Respeit(...)
Na atualidade, 15 anos depois da primeira proposta de João Cravinho, o consenso sobre a criminalização do enriquecimento ilícito ou injustificado está novamente a formar-se e parece haver mais cuidado dos deputados para não afrontarem as regras constitucionais.
Mas porquê agora? “É consensual na opinião pública portuguesa, no eleitorado, que esta situação não é aceitável e tem que ser resolvida, daí haver este consenso nos partidos”, refere o antigo ministro.
Os partidos perceberam, agora, que “a persistirem em não revolver o problema, quando ele pode ser resolvido, e sem problema nenhum constitucional, vai descredibilizá-los”.
“A Operação Marquês não é o único caso que suscita isto. Outros casos que foram ocorrendo nos últimos anos também deram a sua contribuição para que se gerasse a noção de que era absolutamente inaceitável que um problema que podia ser resolvido só não era resolvido porque o Parlamento estava a falhar nos seus deveres essenciais e hoje não é tolerável que isso continue”, remata João Cravinho.
O ponto de partida para o trabalho dos deputados é, agora em 2021, uma proposta da Associação Sindical de Juízes. O Presidente da República acredita que “é desta” e que “todos querem” criminalizar enriquecimento ilícito ou injustificado. PS, PCP, Bloco de Esquerda e CDS já apresentaram ou vão apresentar propostas.