25 abr, 2021 - 00:00 • Susana Madureira Martins
Na mensagem vídeo de quase quatro minutos para assinalar os 47 anos do 25 de abril e falando aos militantes socialistas, Carlos César ignora pura e simplesmente o tema do momento, ou seja, a decisão instrutória do processo Marquês que envolve José Sócrates, mas, tal como já tinha feito no aniversário do PS, volta a lançar vários recados sobre a necessidade de se defender a democracia.
Apenas num parágrafo final da mensagem César toca ao de leve no tema da "corrupção", ao falar das "novas gerações" que são "confrontadas com a sobre-exploração e esgotamento dos recursos naturais, com as desigualdades e as dificuldades dos sistemas de saúde e segurança social, com a desregulação, a corrupção e o terrorismo que marcam a situação internacional, com alterações imensas nas funções profissionais e a precariedade no trabalho".
Muito ao seu estilo, cheio de entrelinhas e com várias possibilidades de interpretação, e sobretudo sem nunca nomear quem quer que seja, Carlos César avisa o PS contra os "declarados ou dissimulados inimigos" da Democracia, dando-lhes um perfil: "aqueles que crescem, explorando os medos, estimulando as intolerâncias, corrompendo, ou mesmo alimentando-se pela mentira e pelo apoucamento dos políticos e das instituições democráticas".
Fica assim implícita a preocupação da cúpula socialista com os movimentos populistas, nomeadamente com o partido Chega liderado por André Ventura, que César nunca nomeia, mas que se torna evidente que é um dos alvos dos avisos ao PS. Bom, mas será que é o único?
As mesmíssimas expressões de César poderiam caber que nem uma luva em José Sócrates, quando fala "declarados ou dissimulados inimigos" da democracia, daqueles "que crescem" e vão "corrompendo, ou mesmo alimentando-se pela mentira e pelo apoucamento dos políticos e das instituições democráticas".
A mensagem lida e relida dá assim para tudo e bem vistas as coisas também encaixa na perfeição em Sócrates quando se ouve Carlos César dizer: "Não esquecendo que o espírito do 25 de abril é o de sermos respeitadores e respeitados por pensarmos e por agirmos todos de forma diferente, temos que defender melhor a nossa Democracia do que o temos feito!". Assim, com ponto de exclamação e tudo. Claro, a frase dá para Sócrates, agora acusado de corroer a democracia, como fez Fernando Medina ,mas, mais uma vez, também dá para Ventura, o líder do Chega.
Continuando no capítulo dedicado à defesa da democracia nesta mensagem, o presidente socialista recua a 25 de abril de 1974 e aos anos que se seguiram, referindo que a "Democracia, na sua tolerância e na sua generosidade, acolheu todos e, até de modo muito benévolo, muitos dos que se acomodavam, infantes, ou sorrateiros, no colo da Ditadura, e que se apressaram, então, a pôr os pés no chão fértil da Liberdade que os outros conquistaram".
Passados esses tempos, César considera que "ainda hoje, a Democracia é indulgente com eles", os tais "infantes" e sorrateiros", mas também "com os que lhes sucederam", dando de novo um chega para lá a André Ventura, colocando-o no pote dos "inimigos".
Mais à frente num parágrafo final da mensagem César volta ao de leve ao tema da "corrupção", falando das "novas gerações" que são "confrontadas com a sobre-exploração e esgotamento dos recursos naturais, com as desigualdades e as dificuldades dos sistemas de saúde e segurança social, com a desregulação, a corrupção e o terrorismo que marcam a situação internacional, com alterações imensas nas funções profissionais e a precariedade no trabalho". E é só isto.
Essas "novas gerações", diz o presidente socialista "têm outras ansiedades e procuram outras soluções", ultrapassado que está "o Portugal de penúria e de pés descalços, do tempo dos nossos pais e dos nossos avós", esse país, conclui, " já não existe".
E este encontrar das "soluções" para as "ansiedades" das "novas gerações" é um dos "desafios a que o Partido Socialista dá prioridade" para realizar "nesta segunda década do século XXI, as ambições e o melhor espírito de Abril", referindo que um dos "D" do MFA, desenvolver "é uma tarefa que nunca estará completa".
Com o cenário vermelho por trás e um enorme cravo a sair-lhe da lapela, Carlos César aborda ainda na mensagem vídeo o terceiro "D", que na verdade foi o primeiro: "Descolonizar". O presidente socialista conclui que "assim foi. Voltaram às suas famílias os jovens milicianos e os militares, envolvidos numa guerra que nenhuma outra potência colonial mantinha, terminando, assim, um passado de mortes e de sofrimentos".
O traumático tema que é a descolonização, quer para o país, quer para o próprio PS – que se viu direta e politicamente envolvido nesse processo pela mão do então líder do partido Mário Soares e pelo antigo presidente do partido, Almeida Santos- é assim referido nesta mensagem de Carlos César de forma muito breve.