14 set, 2021 - 06:31 • Eunice Lourenço
Um teste aos partidos da direita, aos seus líderes e aos novos partidos, as eleições autárquicas de 26 de setembro são daqueles momentos eleitorais em que todos podem vir a reclamar vitória, mesmo que cada qual tenha a sua derrota.
O Chega parece um vencedor anunciado, porque é um estreante que consegue candidatar-se a 220 câmaras, o que o coloca à partida numa boa posição para ter melhores resultados do que CDS e Bloco de Esquerda. E o CDS parece um derrotado anunciado, por muito que o seu líder, Francisco Rodrigues dos Santos, acredita que vai conseguir ir além das seis câmaras municipais.
À esquerda, todos podem ganhar alguma coisa ou perder um bocadinho. Com candidaturas que aprecem pactos de não agressão e uma pré-campanha cheia de promessas de entendimentos depois e 26 de setembro, a esquerda vai discutindo o Orçamento do Estado à medida que faz campanha eleitoral.
Desde 2005 que tem vindo a aumentar o número de câmaras. Em 2017 conquistou mais 20 atingindo as 159 presidências da câmara. Parece impossível de melhorar, mas também já assim parecia em 2017. O PS nunca teve tantas câmaras e tem, naturalmente, o controlo da Associação Nacional de Municípios (ANMP). Pode, contudo, ser por aí uma das derrotas da noite eleitoral, já que o presidente da ANMP, Manuel Machado, pode perder a Câmara de Coimbra para o independente José Manuel Silva, ex-bastonário da Ordem dos Médicos apoiado por uma grande coligação que inclui o PSD.
No congresso do PS, António Costa definiu as metas: quer não só continuar a ter a maioria das câmaras, mas ter a maioria em cada uma das regiões, o que permitirá que sejam autarcas socialistas a escolherem os presidentes das comissões de coordenação e desenvolvimento regional.
Derrota, derrota seria perder Lisboa, mas esse fantasma parece afastado. Perder Almada ou Barreiro nunca custaria tanto, até porque a derrota seria para um parceiro de esquerda, o PCP, que os socialistas não querem claramente hostilizar. Assim se percebe, por exemplo, que não aproveitem a passagem de testemunho em Setúbal, onde Maria das Dores Meira atingiu o limite de mandatos, para lançar um candidato que disputasse a vitória ao atual número dois da câmara.
Costa, aliás, optou por uma espécie de pactos de não agressão com parceiros de esquerda, mas também com Rui Moreira.
Ainda nas relações com comunistas, Ricardo Leão, em Loures, ameaça a reeleição de Bernardino Soares numa autarquia em que o Chega pode ter uma palavra a dizer no futuro imediato. Recorde-se que foi ali que André Ventura “nasceu” para a política nacional, com a sua candidatura pelo PSD de Passos Coelho.
Desde 2001, quando conquistou 142 câmaras, que o PSD tem vindo a perder e hoje tem pouco mais de metade. É uma ferida no coração de um partido que sempre fez da implantação territorial uma estratégia de poder e a sua força.
Desde o congresso de fevereiro de 2020, em Viana do Castelo, que Rui Rio colocou as eleições autárquicas como a fasquia pela qual deve ser avaliado, considerando-as as mais importantes para o PSD. Mas a fórmula dessa avaliação tem vindo a sofrer modulações: já foi aumentar votos, aumentar número de eleitos até à fórmula do fim de agosto, em que o líder do PSD disse que, afinal, as autárquicas que hão de ser favoráveis ao PSD são as de 2025. Mas por uma razão de fragilidade do adversário: nesse ano cerca de 70 presidentes de câmara socialista não poderão recandidatar-se por atingirem o limite de mandatos.
Uma vitória em Coimbra, onde rejeitou o dirigente social-democrata Nuno Freitas para apostar tudo no independente José Manuel Silva, saberá quase a vitória nacional. Mas, ali ao lado, na Figueira da Foz pode ter uma derrota com uma vitoria de Santana Lopes que tenta mais uma vida política com um regresso ao passado. A divisão no PSD pode fazer perder a Guarda e o regresso de Fernando Ruas pode fazer vacilar Viseu.
O Porto, onde apostou em Vladimiro Feliz, está perdido, e Lisboa, onde tem em Carlos Moedas a sua grande aposta, já parece mais acessível. O resultado de Moedas, para o melhor e para o pior, será mais do ex-comissário europeu do que do líder social-democrata. E dirá algo para o futuro de um partido que como que tem dois líderes em campanha eleitoral: Rui Rio, o atual, e Paulo Rangel, o eventual.
Desde 2001 que a vida autárquica da CDU (PCP e PEV) tem sido uma montanha russa, mas em 2017 atingiu o mínimo de 24 câmaras, perdendo 10, com a agravante de nove delas terem ido para o PS. Nessa noite eleitoral, já passava da meia noite quando Almada ‘caiu’ para a socialista Inês Medeiros.
Reconquistar Almada é, sem dúvida, um dos objetivos do PCP, que candidata Maria das Dores Meira, que tinha atingido o limite de mandatos em Setúbal. Mas também para o Barreiro, os comunistas foram buscar um nome forte: Carlos Humberto, que já presidiu à Área Metropolitana de Lisboa. Manter Setúbal e as câmaras alentejanas parece possível para uma CDU que enfrenta no Chega um adversário em locais como Moura, onde André Ventura teve uma boa votação nas presidenciais e é candidato à Assembleia Municipal.
A noite eleitoral da CDU também irá medir-se em Lisboa, onde João Ferreira concorre pela terceira vez e quer ser mais necessário a consensos do que já é o Bloco de Esquerda que tem um acordo com Fernando Medina. Jerónimo de Sousa já disse que não quer “arranjinhos” como o Bloco, mas ambos os partidos à esquerda sabem que aquilo que valerem na noite de dia 26 também os fará valer na mesa de negociações do Orçamento.
Até hoje, o Bloco de Esquerda só teve uma câmara – Salvaterra de Magos – e correu mal, com a presidente a ser acusada de ilegalidades. Com dificuldades de implantação nacional, o Bloco concorre em 115 câmaras e o objetivo é sobretudo tornar os seus eleitos necessários a maiorias de esquerda. É o que pretendem, sobretudo, em Lisboa, mas que estão disponíveis a fazer em todo o país.
Também em Almada, com a candidatura de Joana Mortágua, o Bloco pretende um resultado que torne o partido necessário ao PS. Com uma campanha centrada em temas nacionais e orçamentais, o BE vai fazendo propaganda eleitoral e negociações orçamentais ao mesmo tempo, contando que a força na noite de dia 26 se faça também sentir nas conversas com o Governo.
O CDS corre, como o Bloco, o risco de ser ultrapassado na noite de dia 26 pelo Chega. Com várias coligações de geometrias variáveis a espalharem os resultados na tabela, o partido teve por si só 2,5 por cento dos votos e para isso contou muito os mais de 20 por cento de Assunção Cristas em Lisboa. Agora, os votos de Lisboa vão contar na parcela das coligações.
Grande parte do sucesso do CDS na noite eleitoral está dependente do PSD. Concorrem coligados a alguns dos municípios mais populosos, como Lisboa, Sintra, Cascais. Gaia. O sucesso de Francisco Rodrigues dos Santos está, assim, também ligado ao de Rui Rio e os dois líderes sabem bem que vão enfrentar a avaliação e a concorrência interna nos congressos que se hão de seguir às eleições. Ambos têm congressos ordinários logo no início de 2022 que podem ser antecipados se os resultados forem ainda pior do que as sondagens vão dando.
Francisco Rodrigues dos Santos está convicto que consegue aumentar o número de câmaras e o número de eleitos, mas as suas apostas estão ao nível de ir fazer campanha dois dias para os Açores porque acredita que pode conquistar a Câmara do Corvo, o concelho com menos eleitores.
Sem implantação nacional para ter expressão autárquica, o PAN também divide as atenções autárquicas com as negociações orçamentais.
Às principais autarquias candidata duas das poucas caras conhecidas que tem: Bebiana Cunha no Porto, Manuela Gonzaga em Lisboa. Passar a ter vereadores nestas duas câmaras já será uma vitória para um partido que enfrenta o descontentamento de vários presidentes da câmara e muitos eleitores devido às suas posições sobre os centros de recolha animal e as touradas. Essa pode, contudo, ser também a sua força junto de algum eleitorado.
Tão diferentes nas ambições, como nos princípios, Chega e Iniciativa Liberal estreiam-se nestas eleições autárquicas e são, por isso, vencedores à partida. O Chega até já tem uma junta, por ter uma lista candidata única a uma freguesia.
André Ventura andou, nos tempos antes da pandemia, a espalhar sedes e concelhias e distritais pelo país. Apresenta candidaturas a 220 concelhos, quase o dobro do Bloco, cinco vezes mais que PAN ou IL. Tem candidatos saídos de praticamente todos os outros partidos, em muitos casos figuras das suas terras numas eleições em que as pessoas contam mais do que os partidos.
O líder do Chega quer ficar em quarto lugar nestas eleições, depois de PS, PSD e PCP em percentagem e número de câmaras e está disponível para alianças que sejam necessárias. Vai andar de camião pelo país a fazer campanha. Espera ter bons resultados no Alentejo, em Loures e até acha que pode conquistar Loulé pela música, pois candidata um cantor local.
Já a IL apresenta-se em meia centena de concelhos e tem um objetivo simples: ter melhores resultados do que o PAN e o Bloco tiveram nas suas estreias autárquicas. Ambos ficaram abaixo dos 0,5. O líder dos liberais, Cotrim Figueiredo também assume que a medida do êxito pode estar na influência que podem ter para a formação de executivos maioritários de direita e descarta coligações com o Chega, mas não acordos que envolvam aquele partido.