27 out, 2021 - 16:21 • Marina Pimentel , Henrique Cunha , Filipe d'Avillez
O Presidente da República tem poderes para dissolver o Parlamento, confirma o constitucionalista e cientista político Miguel Prata Roque, mas, ao fazê-lo, estará apenas a contribuir para a instabilidade que tanto critica.
Em declarações à Renascença, esta quarta-feira, o especialista admite, contudo, que o tempo até pode dar razão a Marcelo.
“Se, após eleições, o resultado eleitoral confirmar a posição do Presidente da República, ele terá tomado então uma boa decisão. Só depois do ato eleitoral é que verificaremos as condições de estabilidade. Eu acho é que, dissolvendo a Assembleia da República, o Presidente da República está a criar mais instabilidade do que a devolver serenidade ao sistema”, afirma.
Miguel Prata Roque acredita que o Presidente foi precipitado ao colocar em cima da mesa o cenário de dissolução. “Do ponto de vista político, julgo que o Presidente da República foi precipitado.”
“A forma como comunicou com os partidos e com os atores políticos, a meu ver, foi uma forma baseada mais na lógica de ameaça e de chantagem do que propriamente de promoção de consenso, porque, de acordo com a Constituição e com a prática constitucional, não há qualquer ligação automática entre a não aprovação de um Orçamento do Estado e a dissolução da Assembleia da República.”
Confrontado com a possibilidade de Marcelo Rebelo de Sousa ter contactado diretamente Miguel Albuquerque, o constitucionalista mostra-se incrédulo. “Isso eu não posso comentar, porque não posso acreditar que tenha acontecido. Não é crível que um Presidente da República, qualquer que ele seja, contacte um presidente de um Governo regional para influenciar deputados que foram eleitos por determinado círculo. O facto de circularem informações na Comunicação Social de que isso teria acontecido não significa que o mesmo tenha correspondido à verdade.”
“Se isso acontecesse, seria uma grave interferência do titular de um cargo que é um cargo de moderador, no exercício da função legislativa orçamental, que é a função mais nobre do Parlamento”, insiste.
Miguel Prata Roque considera que o Presidente também terá sido imprudente ao receber em audiência, na tarde de terça-feira, o candidato à liderança do PSD, Paulo Rangel.
A notícia foi criticada pelo atual líder Rui Rio e desdramatizada esta quarta-feira pelo próprio Marcelo Rebelo de Sousa, mas o cientista político diz eu o chefe de Estado pôs-se a jeito.
“O Presidente da República deve auscultar todas as sensibilidades sociais e económicas e também partidárias. A questão é saber os termos e o momento dessa audição.”
“Aparentemente, como há divergência entre o líder do PSD, Rui Rio, e o candidato a líder, Paulo Rangel, é estranho que o Presidente da República tenha reunido, enquanto decorria um debate na Assembleia da Republica, sobre os timings da marcação de uma eleição legislativa”
“Obviamente que quem não quer ser lobo não lhe veste a pele", insiste Miguel Roque Prata.
Já Paulo Otero, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa considera que o Presidente da República não excedeu os limites das suas competências ao receber Paulo Rangel e ao aludir ao cenário de eleições antecipadas.
Em declarações à Renascença, o constitucionalista disse não existir nenhum entrave às decisões do Presidente receber em audiência.
Já quanto ao cenário de eleições antecipadas em caso de chumbo do Orçamento, Paulo Otero afirma que se limitou a fazer um alerta: “O senhor Presidente da República poderia ter optado por, no fundo, dizer que se o Orçamento for rejeitado haverá uma nova tentativa de solução governativa dentro do atual quadro parlamentar. Isto é, podia desencadear a ideia de um novo Governo dentro da atual composição do Parlamento.”
“Em vez disso, legitimamente, no exercício de uma competência que lhe é própria e exclusiva, no fundo alertou para o seguinte cenário: Se o orçamento for rejeitado, o Parlamento será dissolvido. Na prática o senhor Presidente da República no fundo diz aos dois partidos à esquerda do PS que, rejeitando o Orçamento, implicitamente estão a aderir à solução da dissolução e implicitamente também a uma moção de censura do Governo, não aprovando o Orçamento para o próximo ano económico.”
No ponto de vista de Paulo Otero, o Presidente está a mostrar qual será a sua conduta futura. “Penso que o Presidente exerceu o poder de exteriorização daquela que será a sua conduta futura. ‘Se se verificar isto, eu adotarei esta solução’. Não me parece, à partida, que o Presidente tenha exorbitado mais do que normalmente faz, isto é, um Presidente que por vezes antecipa cenários.”
“De algum modo, ao antecipar este cenário também deu a mão ao Governo, porque no fundo reforçou a pressão do Governo junto dos seus, até agora, parceiros parlamentares”, conclui.
[Notícia atualizada às 17h07]