27 out, 2021 - 23:40 • Eunice Lourenço (Renascença) e Helena Pereira (Público)
Depois do chumbo do Orçamento do Estado para 2022 (OE22) ter sido chumbado na Assembleia da República, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, garante que o Governo está disposto a governar em duodécimos e que se Marcelo Rebelo de Sousa convocar eleições legislativas antecipadas o PS vai incluir no seu programa eleitoral todas as medidas que apresentou no OE22 mais as medidas em que mostrou abertura em ir mais além para satisfazer o PCP e BE, como foi no caso do aumento das pensões ou do Salário Mínimo Nacional.
O Governo pode dizer-se surpreendido com posição do PCP e PEV, uma vez que estes partidos há muito defendem que os dinheiros do PRR e a suspensão dos constrangimentos do Tratado Orçamental seriam uma oportunidade única para aumentar rendimentos e melhorar a vida dos portugueses?
Conversámos com os partidos desde Julho e relativamente ao PCP e PEV houve um nível de exigência muito maior neste Orçamento do Estado (OE) do que sentimos nos anteriores. Apesar de termos respondido a um número significativo de exigências, havia uma avaliação global, de conjunto, que os impediu de acompanhar o OE.
Em que momento sentiram que a estratégia do PCP mudou?
O Governo sempre procurou que não se trouxessem para sede orçamental outras matérias que são extra-orçamentais. O BE procurou trazer no ano passado. E, este ano, o PCP, apesar de em anos anteriores ter dito que “nem sequer seria digno misturar” a discussão do Código de Trabalho com o OE, traz a discussão do Código de Trabalho para o OE e, nesse sentido, torna muito mais difícil, denso e exigente o processo. Mesmo assim, o Governo não se furtou a procurar aproximações.
No caso do BE, foi por demais evidente que das nove propostas que tinha as nove não eram necessariamente orçamentais. O nível de exigência manteve-se muito alto e foi colocado muito a perder com as matérias que estes partidos entendem que não foi possível atingir.
Se tivesse sido outro o calendário das eleições autárquicas, o orçamento poderia ter tido outra solução?
Independentemente do modo como olhamos para a forma como começou este processo, devemos olhar para o seu fim. Não havia razão nenhuma para ter terminado hoje a negociação. Estávamos na votação na generalidade. No ano passado, houve mais de mil propostas na especialidade. Terminou de forma muito prematura esta discussão face às questões que os partidos foram colocando e achamos que há uma ausência de compreensão dos portugueses em relação a este processo.
O PCP assustou-se com o resultado das autárquicas e mudou de posição?
A única mudança que podemos identificar foram os temas que trouxe para o debate. Antes, procurava fazer uma distinção mais clara entre aquilo que eram as matérias em sede de OE e este ano não o fez. O que tornou complicada a aproximação no caso do PCP foi o Salário Mínimo Nacional (SMN). Num ano em que o Governo aumenta 40 euros o SMN, e é já o maior aumento de sempre, não se pode dizer que fomos comedidos no aumento que propomos. E a base de conversa do PCP era fazer um aumento de 90 euros em Janeiro com vista a um aumento para 800 euros a meio do ano.
Essa proposta foi então um pretexto do PCP para quebrar?
Só o PCP pode responder a essa pergunta.
Quando é que o Governo soube que o PCP ia votar contra? Foi quando ouviram a conferência de imprensa de Jerónimo de Sousa?
Tiveram a elegância de nos avisar no próprio dia, um bocadinho antes.
O PSD-Madeira chegou a ser uma hipótese para viabilizar o OE?
Nunca tivemos contactos com o PSD-M. Isso estava fora de questão.
Foi só o PR que fez o contacto?
Isso não sei, não comento. Nem compreendi muito bem.
Proposta de Orçamento para 2022 recebeu cartão ver(...)
O Presidente já anunciou várias vezes que, uma vez reprovado o orçamento, convoca eleições antecipadas. Acha que dificultou por exemplo a hipótese de o Governo apresentar uma segunda proposta de OE?
O Governo sempre teve dificuldade em perceber em que medida a apresentação de uma segunda proposta podia resolver a questão quando o espaço de negociação não muda. O Presidente deve agora avaliar a situação. O Governo tem um entendimento que foi expresso pelo primeiro-ministro de que não se demite, que está cá para enfrentar as dificuldades que existirem. O Governo não desejava nenhuma crise e não se demite para dar um sinal claro que do nosso lado a nossa vontade não era a de ir para eleições.
Estavam preparados para governar em duodécimos?
Não sei o que é que é mais difícil, se é governar em duodécimos, se é governar como governámos neste último ano.
O facto de o PR ter colocado muito cedo as eleições como consequência da não aprovação do OE não retirou tranquilidade a esta situação?
Os partidos votaram sabendo isso e sabendo que podiam ter dado mais tempo ao processo negocial.
Não teme que PCP, BE e o próprio PS venham a ser penalizados nas urnas por não se terem conseguido entender?
Não consigo fazer esse tipo de análise. O que sei é que os portugueses não desejavam esta crise ou eleições antecipadas.
Qual a data que o Governo prefere para as eleições antecipadas? O mais cedo possível?
É difícil comentar neste momento. É prematuro da minha parte.
O PM não se demite, mas o Governo fica automaticamente em gestão, uma vez que a AR é dissolvida. Mas há matérias que não passam pela AR, como o aumento do SMN. O Governo vai na mesma aprovar o aumento de 705 euros para 2022?
O Governo ainda não tem fechada toda a leitura sobre o que é possível ou não é fazer.
Mas vai recuar nisto?
O Governo assumirá tudo aquilo que puder fazer. Resta saber quais são as condições que teremos para fazer tudo aquilo com que nos comprometemos.
E vai avançar na mesma o desconto dos combustíveis através do IVaucher?
Depende muito do enquadramento das rubricas orçamentais, vai depender da avaliação que o Ministério das Finanças irá fazer.
Outra dúvida é se podem manter o adicional do ISP?
Todas as matérias que estão presas à lei orçamental, essas por natureza não são possíveis de ser realizadas, a não ser que não sejam de competência exclusiva da AR.
Há algum assunto urgente ou premente que o Governo gostasse de resolver antes de haver uma eventual dissolução?
Esse é o meu trabalho para os próximos dois dias. No pressuposto da dissolução, não se sabe hoje quantos plenários vamos ter.
Há assuntos que já estão no Parlamento, como a reforma do SEF, o regime excecional de libertação de presos por causa da covid...
O que é expectável é que, das conversas do Presidente da República com os partidos políticos e do Conselho de Estado, resulte uma avaliação final sobre a decisão que o PR vai tomar e em que momento a vai tomar. A expectativa é que depois o presidente da AR, em conferência de líderes informe quanto plenário é suposto ainda termos.
Do meu lado, temos sempre um conjunto de iniciativas legislativas que o Governo vai entregando para agendamento. As mais importantes são questões do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tratados que têm de ser aprovados com urgência. Mas, depois, há matérias que constam já do trabalho da AR, que estão nas comissões parlamentares e essas exigem que os deputados acelerem o processo de especialidade para irem ainda a votação final. A agenda do trabalho digno do Governo vai ficar pelo caminho.
Essa ainda iria entrar no Parlamento, mas há uma agenda sobre teletrabalho que está em comissão.
Essa não sei em que ponto está. Tem já o trabalho de especialidade adiantado. A do Governo que tem alterações substanciais ao Código do Trabalho vai ficar pelo caminho.
Tal como o Estatuto do SNS?
O Estatuto vai para consulta pública e depois, como é uma competência do Governo e é um decreto-lei, dependerá muito do que será o Governo estar ou não em funções. Todos os membros do Governo vão ter de perceber quais as limitações que vão ter indo nós para [um regime de] duodécimos.
Indo para eleições, como é que o PS se deve apresentar nessas eleições? O primeiro-ministro, no discurso de encerramento do debate, falou numa maioria reforçada. O PS deve ser claro e pedir uma maioria absoluta, assumindo que esta solução de esquerda já não funciona?
Ficou muito evidente no debate a diferença entre o projeto político que tem a direita e o projeto político que existe de um governo à esquerda. Não sabemos quem são os protagonistas da direita, isso é outro filme, mas parece-nos já evidente que a direita vai ter de negociar ou lidar com a extrema-direita porque não existem soluções de governabilidade à direita sem extrema-direita.
No debate, o PS aplaudiu o discurso da líder do PAN, nomeadamente quando esta disse que “estão a estender a passadeira vermelha à extrema-direita”. É isso que também pensa?
Não há ninguém que não pense isso. É o que sentimos nas eleições autárquicas, é o que vemos nas sondagens e é um risco que todos conheciam quando decidiram colocar-se nesta posição. Há duas grandes opções de governo que existem em Portugal: um governo de direita com as suas circunstâncias e a alternativa de governo que há-de ser protagonizada pelo PS.
É o PS sozinho? É uma maioria absoluta do PS?
A primeira questão que tem de existir na cabeça de todos é que, para existir um governo de esquerda em Portugal esse governo é protagonizado pelo PS. A alternativa a haver um governo protagonizado pelo PS é haver um governo de direita. As pessoas têm que perceber se querem uma solução de esquerda ou de direita. Depois, dentro da esquerda, devem fazer a sua avaliação sobre se reforçar os partidos políticos que votaram contra este OE não diminui as condições de governabilidade à esquerda.
Um dos ensinamentos que devemos tirar das eleições autárquicas, em particular de Lisboa: se a esquerda não for votar, a direita vai votar e ganha. Se as pessoas querem governabilidade devem dar um voto reforçado no PS e devem também dar um sinal aos partidos políticos que se indisponibilizaram para votar este OE de que a sua opção é que haja capacidade de governar à esquerda em Portugal.
O que está a dizer a um eleitor de esquerda é ‘vote no PS porque já não há condições de o PS se entender com o PCP e com o Bloco'? Nunca mais vai haver geringonça?
Primeiro, se realmente está preocupado em ter um governo de esquerda, vote! Segundo lugar, se quer mesmo uma garantia de que temos uma solução de governo à esquerda, vote no PS.
Porque é irrepetível a “geringonça"?
Não disse isso, mas é muito evidente que se o resultado de umas eleições legislativas se traduzir num não-ensinamento em relação ao que aconteceu no OE, isso diminuirá as condições de governabilidade à esquerda.
Em vez de um acordo, a líder do BE considera que o(...)
Ou seja, mesmo que saia das próximas eleições uma maioria de esquerda terá menos condições do que teve até agora?
Se o resultado das eleições se traduzir num reforço das votações do Bloco e do PCP, obviamente a tendência vai ser dificultar. A perceção será que estes partidos fizeram bem em ter votado contra o OE, fizeram bem em ter colocado todas as imposições que colocaram e que até deviam ter colocado mais. Se o resultado das eleições for no sentido oposto, pode fazer com que esses partidos reavaliem as suas posições para o futuro. Se as pessoas procuram uma solução de governabilidade à esquerda, devem votar no PS.
A expressão maioria absoluta é um tabu? O PS nunca a usa...
Por vezes perdemo-nos nas palavras. Não é absoluta nem deixa de ser. O problema disto é que auto-condicionamo-nos com objetivos que não se traduzem necessariamente naquilo que é a principal preocupação que temos. Queríamos um conjunto de avanços e ficamos frustrados de não conseguir esses avanços, apesar de meses de negociação com partidos políticos que entenderam que os avanços não eram suficientes porque tinham determinadas agendas reivindicativas. E é para nós evidente que fecharmo-nos num conjunto de determinadas propostas difíceis, dificulta os entendimentos.
Resumindo: ou dão uma maioria absoluta ao PS ou não há condições de governabilidade à esquerda.
Não foi isso que eu disse. Acho que um partido político não deve fechar as suas opções políticas para o futuro.
Não ficaram marcas em relação ao PCP e ao Bloco?
Ficarão, com certeza, mas acho que tem de haver uma leitura dos resultados. Nós estamos de consciência tranquila sobre aquilo que procuramos fazer. Procurámos ir bastante longe, temos a frustração de não conseguir avançar num conjunto de matérias muito importantes no que diz respeito aos apoios sociais, aos salários, a avanços na legislação laboral porque não foi possível um entendimento.
Portanto, o nosso programa eleitoral até já está formatado, entre aquilo que são as matérias que constavam deste OE, o Estatuto do SNS, na agenda do trabalho digno. A partir do momento em que avançamos com um conjunto de disponibilidades não faz sentido o PS recuar sobre aquilo que se dispôs a fazer. Até para as pessoas perceberem que somos consequentes com aquilo que vamos negociando e que estamos de boa-fé quando negociamos.
António Costa continua a ser o melhor líder do PS para tentar governar à esquerda?
Não tenho a menor dúvida. Já foi claro pelas suas próprias palavras que se disponibilizará para ser candidato se houver eleições.