22 nov, 2021 - 07:18 • Susana Madureira Martins
Se o resultado das eleições legislativas for curto "não é um problema interno para o PS", diz Porfírio Silva à Renascença. O deputado socialista e secretário nacional do partido afasta dramas caso a liderança de António Costa fique em causa, dizendo mesmo que "em todas as direções há um momento em que acaba e vem outra, isso no PS nunca foi uma tragédia".
Adepto confesso da geringonça ou da "esquerda plural" como lhe chama, Porfírio Silva explica as tentativas de aproximação dos nacionais ao PSD depois do chumbo do Orçamento. "Não está em cima da mesa fazer qualquer tipo de negociação global em termos de solução governativa", assume o dirigente nacional, mas acrescenta que "a direita democrática é um recurso da democracia que também faz falta ao país" estando o PS disposto a "ter um tipo de diálogo que seja produtivo no quadro parlamentar".
No PS só à boca pequena se fala da maioria absoluta. A meio da campanha podemos começar a ouvir o PS a pedi-la. Depende do andamento da campanha ou é até um discurso perigoso e contra-producente?
Julgo que todos no PS estamos de acordo em questões fundamentais acerca da questão da governabilidade. Não faz sentido para o país que andemos em eleições de dois em dois anos ou de ano a ano, portanto o que aconteceu desta vez foi uma surpresa, porque todos os partidos que estavam na maioria de esquerda se apresentaram às outras eleições como estando empenhados em fazer funcionar uma solução em que os vários partidos contribuiam com uma solução governativa com estabilidade e afinal parece que não.
Ora, aquilo que é o ponto fundamental em que nós estamos convencidos no PS, é que o país precisa de fazer um trabalho profundo depois de tudo aquilo que se passou nos últimos dois anos e esse trabalho não se compadece com eleições todos os anos. Acabámos de sair de uma série de actos eleitorais, vamos para outro. A democracia também depende de que o país perceba o que é que nós andamos a fazer.
É preciso estabilidade, é isso? A tal "maioria estável, reforçada e duradoura" de que falou o primeiro-ministro?
O povo é que vai dizer quais são as soluções possíveis e não podemos ter a arrogância de dizer que só governaremos ou só aplicaremos o nosso programa ou só nos bateremos pelas nossas propostas nesta ou naquela circunstância.
Temos de ter humildade de perceber que aquilo que o povo diz exige depois uma análise daquilo que foi dito e quais são as soluções possíveis. Estou convencido de que o país está à espera que todos saibamos que o compromisso, a concertação, a capacidade de criar soluções que não sejam só "o meu programa é este e daqui não saio".
É evidente que há questões fundamentais nos programas eleitorais de cada partido e ninguém perceberia que o PS prescindisse da escola pública ou que o PS prescindisse do Serviço Nacional de Saúde, ou da Segurança Social Pública. Há sempre formas de chegar aos objectivos que podem ser concertadas e é esse trabalho que o país espera que os partidos mostrem que estão disponíveis para fazer.
Não defende um bloco central, na linha do secretário-geral do partido António Costa, mas qual é que é a vantagem de se falar de uma aproximação ao PSD numa altura em que o PS se prepara para eleições legislativas antecipadas?
É sabido que dentro do PS sou das pessoas que, desde cedo, apoiou o esquema da esquerda plural, como gosto de lhe chamar, no entanto eu também sempre disse que a ideia de que eu prefiro uma governação de uma esquerda plural não exclui, de maneira nenhuma, a ideia de que a direita democrática, designadamente o PSD pela representatividade que tem, tem um papel importantíssimo no regime democrático.
Os governos não duram para sempre e ainda bem, há alternância, há alternativa, há mudanças de governo, qualquer governo mais tarde ou mais cedo acaba, é preciso que haja alternativas. No sistema político português o PSD tem sido sempre o garante de que há uma direita democrática capaz de, quando se esgota uma solução, ter outras propostas e ter uma alternativa. Fizemos durante este ciclo acordos estruturais no que diz respeito à descentralização, tivemos leis aprovadas no âmbito da defesa, um entendimento profundo de regime sobre o essencial da nossa pertença à União Europeia, temos de ser claros.
É óbvio que um governo do PS não pode estar dependente da posição que o PCP ou o Bloco têm contra a União Europeia ou contra a pertença ao euro. É evidente que nunca poderíamos estar confortáveis numa governação em que não houvesse no parlamento uma maioria sólida que diga "sim senhor estamos na União Europeia e devemos estar, sim, estamos no euro e devemos estar" e essa componente que dá uma certa estabilidade ao regime e até permite que haja as outras diferenças em políticas públicas mais concretas é importantíssimo.
Há coisas no dia-a-dia em que só estou de acordo com o meu partido, depois há coisas mais alargadas em que já estou de acordo com este ou com aquele e depois há coisas fundamentais em que tem de haver uma larguíssima maioria dos representantes do povo em que temos de estar todos de acordo, porque senão a democracia não funciona. Se a democracia não tiver este entendimento grande sobre coisas fundamentais daremos palco àqueles que querem partir tudo e sabemos que há quem ande aí a querer partir tudo.
"A direita democrática, designadamente o PSD pela representatividade que tem, tem um papel importantíssimo no regime democrático."
Havendo maioria relativa e se o PS não puder contar com o PCP ou o Bloco de Esquerda para a viabilização de um programa de governo ou para o Orçamento do Estado, o PS pode virar-se para o PSD? E a troco de quê?
Creio que não está em cima da mesa fazer qualquer tipo de negociação global em termos de solução governativa, teríamos de entender completamente ao contrário o que diz o secretário-geral e a generalidade dos dirigentes do partido sobre essa matéria, isso não está em cima da mesa.
Respeito a contribuição que o PCP e o Bloco de Esquerda deram durante estes anos a um conjunto de coisas que foi possível fazer em termos de governação com a participação da Assembleia da República, mas temos de ser claros: gostamos muito de dizer que a esquerda continua a ser maioritária no país, mas isso deve-se ao PS, porque se a esquerda fosse só o PCP e o Bloco a esquerda era ultra minoritária em Portugal.
Não nos podemos colocar na posição de que é o PCP e o Bloco que dizem o que é de esquerda e o que não é, não aceitamos isso. Aceitamos que eles fazem propostas que, por vezes, são pertinentes, suscitam questões, às vezes não estamos de acordo com a solução, mas de acordo que é uma questão que é preciso resolver, mas isto não é um "petit comité" que substitui o país. Temos de pensar qual é o peso que cada um dos partidos tem na sociedade portuguesa.
Mas a verdade é que tiveram força para chumbar um Orçamento do Estado e, no fundo, provocar eleições...
Sim, em conjugação com a direita. A questão é saber se os partidos da esquerda da esquerda encontram uma maneira de contribuir para o país que não seja conjugar os seus votos com os votos da direita, porque na realidade o que se espera da maioria que chumbou o Orçamento? O que se espera de uma maioria onde está o Bloco de Esquerda e o Chega? É uma maioria puramente negativa.
A questão é saber se somos ou não capazes de encontrar soluções para o país em que cada um tem a sua parte, mas não nos constituímos em bloqueio da solução dos outros. O PS valoriza muito a possibilidade de encontrar na direita democrática contribuições relevantes para o regime, mas isso não quer dizer que vamos com o PSD para o governo, nem sequer que façamos um acordo de legislatura com o PSD.
Temos de firmar uma consciência clara no país de que a direita democrática é um recurso da democracia que também faz falta ao país e estamos dispostos, não a ir para uma solução que exclui as alternativas, mas para ter um tipo de diálogo que seja produtivo no quadro parlamentar.
E se tiver de depender desse PSD para aprovar um Orçamento do Estado o PS fica bem consigo próprio?
Devemos procurar, como foi possível até um certo momento, que consigamos aprovar Orçamentos do Estado em que a outra esquerda se sinta representada e se sinta confortável em deixar passar, acho que isso é um esforço necessário. Até porque com o PSD continuamos sem saber um bocado se o PSD é o mesmo PSD do ir além da troika, se é o PSD que acha que é cortando nos serviços públicos que se resolvem os problemas de equilíbrio orçamental, porque nós tivemos esse PSD, um PSD que está aí outra vez a querer dominar o partido.
Há um outro PSD, o de Rui Rio, que tem mostrado abertura e falado de uma aproximação ao PS...
Respeito muito os processos internos de outros partidos e ainda bem que o PSD tem um debate interno, agora temos de esperar para ver. A verdade é esta: o PSD de Rui Rio está no governo com o Chega nos Açores e nunca foi capaz de dizer "nós excluímos o Chega da governação a nível nacional" e não me esqueço que o Chega disse no processo de formação do governo dos Açores que tinha um acordo nacional com o PSD. Nunca chegámos a apurar se havia mesmo. Há um conjunto de clarificações que vamos ver. Gostaríamos muito que o PSD tivesse uma linha que nos deixasse confortáveis democraticamente, mas nem sequer isso está certo neste momento. Vamos ver.
Vai ser fácil em campanha equilibrar esse discurso de não hostilizar a esquerda e depois não fechar a porta ao PSD? Os eleitores vão entender esse discurso?
O PS não nasceu ontem, tem uma história que fala por nós. Vamos para a campanha mostrar a nossa especificidade, não temos vergonha daquilo que fizemos, já estivemos no governo com todos os principais partidos fundadores da democracia, mas temos a nossa especificidade e mostrar em campanha aquilo que nos distingue. O povo verá e depois logo vemos.
"Se o resultado que o PS tiver não for suficiente para nós conseguirmos dar estabilidade à governação a prazo, isso é um problema para o país"
Tem a percepção de que o PS vai para estas eleições antecipadas profundamente dividido com uma fatia do partido à espera do resultado para ver o que faz a seguir?
Não tenho essa percepção, de todo. Tenho um entendimento do PS que é o mesmo há muitos anos. A nossa força é sermos plurais e sermos diversos. Há sempre muitas diferenças tácticas, estratégicas, diferenças ideológicas em momentos importantes, sempre houve. Há quem ache que isso é um problema, acho que isso é uma força do PS. Claro que, neste momento, a surpresa da crise política provocada pelos nossos parceiros, o facto de termos tido, especialmente aqueles que estão em funções executivas, dois anos terríveis que ninguém estava à espera, é claro que chegamos a esta altura e algumas pessoas estão um pouco revoltadas porque queríamos estar a fazer aquilo que é preciso, aquilo que falta fazer.
E depois é claro, as pessoas perguntam-se: "será que fizemos tudo bem, será que confiámos em quem não queria ser confiável, como vai ser para a frente?", isto são interrogações normais de um partido em que há uma grande diversidade e em que no fundo estamos à espera de fazer avançar um projecto de socialismo democrático que é o nosso. Queremos progresso social aproveitando os mecanismos da democracia representativa, respeitando a concertação, respeitando o compromisso, integrando, incluindo, contra os extremismos, contra os radicalismos e vamos procurar afirmar-nos como esse partido de valores.
Não há o perigo de o resultado se for poucochinho no dia a seguir às eleições essas fracturas e esse pluralismo serem demasiado evidentes?
Acho que o problema é do país. Se o resultado que o PS tiver não for suficiente para nós conseguirmos dar estabilidade à governação a prazo, isso é um problema para o país, não é um problema interno para o PS.
Não vai ser? Acredita nisso?
Tal como lhe disse que nenhum governo dura para sempre e que é preciso é que haja quem o substitua, dentro dos partidos também é a mesma coisa, em todas as direções há um momento em que acaba e vem outra, isso no PS nunca foi uma tragédia. Claro que os momentos de debate interno são momentos com alguma dificuldade como se vê agora à direita, o que é preciso é que os partidos democráticos saibam ultrapassar as circunstâncias que apareçam e resolverem. Não é nada disso que nos está a preocupar neste momento. Estamos focados no país e em dar respostas.
Pedro Nuno Santos não é um fantasma para esta direção nacional? Sendo ele também dirigente nacional, de resto. Não constitui uma perturbação?
O Pedro Nuno Santos é o primeiro deputado eleito pelo meu círculo eleitoral, é um camarada que estimo muito, é sabido que nem sempre estou de acordo com ele, da mesma maneira que nem sempre estou de acordo com o secretário-geral ou com a líder parlamentar ou com o secretário-geral adjunto. Acho que às vezes é difícil lá fora perceber que nós no PS estamos habituados a que é conversando que traçamos um rumo e que não partimos todos do mesmo ponto, mas entendam que é mesmo assim que o PS funciona, não há fantasmas.