11 jan, 2022 - 12:43 • Susana Madureira Martins
Na última entrevista que deu à Renascença e ao jornal "Público", a propósito das eleições legislativas antecipadas, Jerónimo de Sousa foi questionado sobre o seu futuro e a sucessão na liderança do PCP, tendo o líder comunista, de 74 anos, admitido que poderia deixar o cargo de secretário-geral ainda antes do congresso previsto para 2025.
Jerónimo tem invocado sempre um "haja saúde", como de resto fez nesta entrevista ao programa "Hora da Verdade", mas à questão se estaria líder até ao próximo congresso não foi taxativo e despachou com um "não faria esse calendário".
É exactamente uma questão de saúde que agora coloca o líder comunista de fora de, pelo menos, uma parte do período de campanha oficial das eleições legislativas antecipadas, tendo em conta a urgência para a intervenção cirúrgica a uma das carótidas.
A pressão habitual e a agenda ultra-intensa de uma campanha eleitoral tornaram inevitável a definição de prioridades do líder comunista e o PCP atira para a frente de combate político dois "pesos pesados" que têm feito parte do rol de nomes possíveis para substituir Jerónimo de Sousa: João Oliveira, actual líder parlamentar, e João Ferreira, antigo eurodeputado e actual vereador na Câmara de Lisboa, para além de ter sido candidato às últimas eleições presidenciais.
Será, por isso, uma "campanha de Joões". Ambos fazem parte da Comissão Política do Comité Central do PCP, órgão nuclear da direção do partido, e ambos sempre "chutaram para canto" quando confrontados com o facto de serem escolha óbvia para liderar os comunistas.
Entrevistado em 2019 no progranma "Hora da Verdade", João Oliveira, cabeça de lista por Évora às eleições de 30 de janeiro e o menos ortodoxo dos "dois Joões", respondeu com um taxativo "não, de todo" à pergunta sobre se é opção para suceder a Jerónimo de Sousa na liderança do partido. E "chutou ainda mais para canto" ao recordar: "Uma coisa que os estatutos prevêem é até a possibilidade de não haver secretário-geral."
Ou seja, nem sequer é preciso esperar pelo próximo congresso do partido para tomar essa decisão, caso venha a ser necessária, com o líder parlamentar comunista a salientar que "é uma decisão do Comité Central e há-de ser tomada no momento em que ela tiver de ser tomada".
Qualquer comunista que se preze puxa dos galões ao referir que o PCP é um partido muito particular até na escolha do líder, com Oliveira a referir, nesta mesma entrevista, que "é no momento certo, em função dos nossos próprios critérios, das nossas opções e da forma como nós consideramos essas responsabilidades do secretário-geral, que nem sequer são aquelas que existem noutros partidos".
Na mesma linha, vai o raciocínio do outro João que entrará agora em força na campanha comunista, ainda que surja na lista de candidatos da CDU a Lisboa num 19.º lugar.
João Ferreira reforça a ideia de Oliveira de que "esta é uma daquelas questões em que o nosso funcionamento tem pouco que ver com o que vemos nos outros partidos em que há os candidatos a chefe, depois há a escolha do chefe, depois o chefe põe e dispõe e decide quem são os candidatos para ali, para acoli, qual é o programa, qual é a lista, qual é a moção".
Também numa entrevista ao programa "Hora da Verdade", o antigo eurodeputado, questionado sobre se seria absurdo falar, em 2019, num nome para liderar o PCP, respondeu com um enigmático "nesta fase, sim", argumentando que "o PCP tem um secretário-geral na plenitude das suas funções" e que o partido "tem inúmeros quadros destacados e até bem mais do que eu e com condições para um dia, se essa questão vier a colocar-se, poderem assumir essas responsabilidades".
Recentemente, o próprio Jerónimo de Sousa atirou com alguns nomes de jovens comunistas que podem vir a substituí-lo na liderança do partido e pedia, explicitamente, para que não se afunilassem as opções em João Ferreira, falando em opções como o líder parlamentar João Oliveira, o ex-presidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares ou João Frazão, um dirigente de enorme influência ideológica dentro do partido.
A questão é saber se "o momento certo" chegará mais cedo do que o próprio Jerónimo de Sousa deseja, por imperativo do seu próprio estado de saúde, argumento que foi sempre levantado como ressalva pelo próprio ao longo dos anos e da sucessão de perguntas sobre o assunto que lhe têm sido colocadas.