12 jan, 2022 - 15:00 • Tomás Anjinho Chagas
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"Obstáculo Costa”. A expressão é da autoria de Catarina Martins, a coordenadora do Bloco de Esquerda, e foi utilizada no debate com Rui Tavares, do Livre, no passado dia 4 de janeiro na SIC Notícias, referindo-se à vontade de mudar a legislação laboral para subir o salário médio.
Nessa altura criticou a ausência de propostas do Livre sobre esta matéria, mas a maior farpa foi dirigida ao secretário-geral do PS. “Até a UGT, que muitas vezes tem estado do outro lado, tem defendido retirar as regras da troika. O próprio líder dos sindicalistas do PS já veio dizê-lo. Há um obstáculo, chama-se António Costa”, defendeu a líder partidária.
Em entrevista à Renascença, Fernando Rosas concorda, mas não personaliza. Para este fundador do Bloco de Esquerda (BE), foi o PS que bloqueou as mudanças. “Há, da parte do PS, uma disposição que é ceder ao patronato no que respeita à manutenção da legislação laboral”.
Aqui o ex-deputado do BE prefere apontar ao partido todo e não ao primeiro-ministro: “António Costa é o secretário-geral do PS e o primeiro-ministro. Quando se está a falar dele, não se está a falar na pessoa. Está-se a falar do principal responsável das políticas do Governo”. Não tem sentido fazer uma “personalização”, adianta Fernando Rosas.
No mesmo sentido vai Pedro Soares, antigo deputado do BE e atual crítico da liderança bloquista. “O Partido Socialista sempre bloqueou a chamada 'destroikização' da legislação laboral. Quando a Catarina Martins afirma isso, tem inteira razão”. Mas também este ex-deputado prefere não discriminar. “Não sei distinguir muito bem António Costa e Partido Socialista”, esclarece Pedro Soares numa esplanada, em Lisboa.
Fernando Rosas e Pedro Soares em declarações à Renascença
Numa altura em que já se debate, no espaço público, a sucessão de António Costa, Pedro Nuno Santos é um nome recorrente e inevitável. O atual ministro das Infraestruturas é reconhecido como tendo sido uma peça fundamental no sucesso da geringonça, verdadeiro ponta de lança das negociações com os parceiros de esquerda como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares nesse primeiro Governo de António Costa.
Questionados sobre se o desfecho poderia ter sido diferente com Pedro Nuno Santos à frente do PS, nenhum dos dois bloquistas quis abordar o tema.
Fernando Rosas lembra que o ministro “não está à frente do PS, portanto, não vale a pena fazer especulações. O PS é o responsável por acabar a geringonça e quis antecipar as eleições”, responde o historiador, sem fazer distinções. “Quem representa essa política é o chefe de Governo e secretário-geral do partido. O resto é com os socialistas, a vida interna do PS é a eles que diz respeito”, diz o fundador do Bloco de Esquerda.
Questionado se o desfecho do fim da geringonça poderia ter sido diferente se os protagonistas fossem outros, Pedro Soares, ex-deputado, atira um "eventualmente", acrescentando que “a política tem muito a ver com pessoas e com formas de estar. Portanto eu acredito que sim. Mas os protagonistas são os que são, e essa é a realidade das coisas”.
Pedro Nuno Santos pode ser um futuro reconciliador? O ex-deputado desvia-se. “Não me quero posicionar em relação a isso, apesar de toda a simpatia que tenho por ele. Tivemos vários processos negociais, no geral, correram bem. Mas não me vou pronunciar sobre matéria interna do PS”.
Legislativas 2022
Costa acusa o Bloco de ter desistido de ser parte (...)
Pedro Soares acredita que a queda da geringonça era previsível, dado o afastamento do PS. “Adivinhava-se que o PS começava a pressionar a esquerda no sentido de provocar eleições, e procurar uma maioria absoluta - aquilo a que António Costa chama de maioria estável, num eufemismo político”.
O ex-deputado, que estava no Parlamento quando foi formada a geringonça, lembra momentos em que o PS começou a distanciar-se dos parceiros de esquerda. “Estas eleições estavam mais ou menos escritas nos astros. Desde meados da legislatura anterior que o PS mantinha uma pressão enorme na esquerda para os Orçamentos do Estado”. Pedro Soares revela ainda preocupação com um resultado da esquerda que possa levar o PS a aliar-se com o PSD.
Fernando Rosas sublinha também as críticas à estratégia dos socialistas. “O PS apresenta-se ao eleitorado dizendo: 'dêem-nos maioria absoluta'. Se não tiver maioria absoluta, ninguém sabe o que ele vai fazer”. O historiador acredita que o PS não está a ser claro na forma como perspetiva o futuro. “No fundo, o que o PS está a pedir é um cheque em branco. Ninguém sabe o que ele vai fazer”.
Mas pela via das dúvidas, Fernando Rosas adverte para o perigo de uma maioria parlamentar. “O Parlamento deixa de ter qualquer importância na definição da política do Governo. O Governo tem ali uma maioria segura e o Parlamento desvaloriza-se enquanto instrumento de fiscalização”.
Neste ponto, os dois bloquistas têm visões diferentes. Pedro Soares considera que, se o PS “mantiver este posicionamento de procurar uma maioria absoluta, de não querer negociar com a esquerda, de piscar à esquerda e virar à direita cada vez mais, o Bloco de Esquerda deve assumir uma posição clara de oposição. Isso não é um aspeto negativo, pelo contrário”.
Já Fernando Rosas defende que influenciar a governação continua a ser o melhor caminho. “Espero que nos possamos voltar a entender [PS e BE]. Espero que o resultado das eleições permita que esse entendimento volte a acontecer”.
“O Bloco de Esquerda deve estar na luta por manter-se como terceira força política”, estabelece Fernando Rosas. Para o historiador, não há dúvidas sobre o que significa uma ultrapassagem do Chega. “Para as esquerdas em geral, se isso acontecesse, seria um mau sinal. Seria um revés”.
Pedro Soares acredita que o Bloco não vai ficar atrás do partido de André Ventura, mas é mais ambicioso no que define como bom resultado, “significa aumento de votos e de representação eleitoral”. Não conseguindo atingir esse objetivo, qualquer votação é um “mau resultado”.
Nesse caso, Pedro Soares defende que “o Bloco de Esquerda tem de refletir sobre o seu posicionamento, sobre os últimos seis anos, e tirar ilações disso”. O ex-deputado não responde, no entanto, se Catarina Martins deve deixar a liderança do partido, em caso de perda de eleitores.
Fernando Rosas elogia Catarina Martins e, em cenário de derrota eleitoral, desdramatiza. “O partido é que decide. A liderança num partido como o Bloco de Esquerda está sempre em aberto”. O historiador lembra que uma mudança de líder depende dos vários órgãos, mas acredita que “não há nenhuma espada de Dâmocles em cima da cabeça de ninguém”.
Nesta conversa com a Renascença, Fernando Rosas faz um balanço positivo dos anos de geringonça, principalmente referindo-se à primeira legislatura. “Acho que os seis anos, sobretudo os primeiros quatro, correram muito bem. Houve recuperação de emprego, salários, rendimento, de pensões, etc.”.
Mas apesar disso, as negociações para o Orçamento do Estado falharam, os consensos escassearam e a Assembleia da República foi dissolvida. Sentado à mesa com a Renascença, Fernando Rosas não tem dúvidas sobre os responsáveis. “Havia outras soluções que eram possíveis. Renegociar, aprofundar a negociação... havia vários tipos de soluções para o chumbo do Orçamento. Haver eleições antecipadas é vontade do Presidente da República e do Governo”, defende o historiador.
Pedro Soares também considera que as eleições antecipadas foram provocadas pelo PS. Mas apesar do fim da relação, o ex-deputado bloquista acredita que foram atingidas boas políticas, e dá o exemplo dos aumentos no Salário Mínimo Nacional, provocados pela pressão da esquerda. Ainda assim, considera que os eleitores não reconhecem esse mérito ao Bloco e ao PCP. “Há aqui sempre um problema: quem executa as medidas, fica sempre com o lado positivo dessas medidas”.