17 jan, 2022 - 19:29 • Liliana Monteiro
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Eram mais de 185 mil em 2005, hoje o nosso país tem pouco mais de 147 mil docentes (dados PorData). A falta de professores nos diversos graus de escolaridade e disciplinas faz-se sentir no terreno e agrava-se de ano para ano.
Os programas eleitorais dos vários partidos são escassos no que toca a promessas e estratégias para resolver a falta de docentes nos estabelecimentos de ensino e isso surpreende quem é formador, quem no terreno prepara estes profissionais há pelo menos três décadas.
“Infelizmente, os debates e programas dos diferentes partidos não têm uma única medida ou proposta para resolver este problema, que me arrisco a dizer vai transformar-se na próxima pandemia académica nesta década. Os sinais estão dados há muito tempo e nos últimos 10, 12 anos nada foi feito, quando os sinais eram evidentes que mais tarde ou mais cedo íamos pagar esta fatura da falta de professores”, afirma Carlos Ceia, professor da Nova FCSH.
A Universidade Nova de Lisboa conclui num estudo recente que, em consequência do número de professores que se deverão aposentar nos próximos anos, será necessário contratar um total de 34,5 mil profissionais até 2030/2031.
Contas feitas, nos próximos cinco anos, 20% dos atuais docentes entram na reforma e dentro de 10 anos essa percentagem sobe para os 58%. Carlos Ceia diz que há um passo fundamental que tem de ser dado.
“Há um fator humano muito difícil de controlar que é quem é que quer ser professor. Isso não há nenhuma medida política que possa controlar. Se não convencermos os jovens licenciados a seguir por um mestrado de ensino, o processo – qualquer que seja – vai falhar. Esse fator humano não é possível de controlar por decreto e não é por reformar os mestrados que vamos resolver esse problema”, defende.
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O docente, e formador há mais de 30 anos, adianta que “é preciso que as instituições de ensino superior entendam o problema e ajudem o país a formar mais professores. Depois, é preciso convencer os jovens licenciados que a carreira é atrativa e valorizada de forma justa”. E acrescenta: “uma medida que podia ajudar muito a convencer seriam as bolsas de formação. Conheço muitos jovens que gostavam de fazer mestrado, mas os pais ficaram desempregados. Eles têm de trabalhar e não têm dinheiro nem tempo para se dedicar. O país precisa de aceitar que tem de fazer esse investimento. Não há cursos e formação em todos os pontos do país, muitos estão deslocados e é uma despesa e investimento grandes e o Estado tem de ajudar!”.
No terreno são bem conhecidas as dificuldades de quem tem de andar sempre com a casa às costas; o desânimo e as dificuldades financeiras de quem escolheu a vida do ensino. Carlos Ceia garante que há medidas (bem conhecidas) que podem ajudar.
“A entrada imediata de professores profissionalizados nos quadros de agrupamento ou de escolas; um concurso extraordinário imediato para efetivar o maior número de professores e criar estabilidade; redimensionar a geografia dos quadros de zona, sendo mais pequenos e reduzindo as longas deslocações da área de residência dos professores; criar incentivos à fixação de deslocados”, aponta.
“Suponho que os professores são a única profissão pública que nunca teve direito a um subsídio de residência. Todos, desde médicos, militares e políticos têm subsídios de deslocação e os professores não têm porquê? As escolas deviam ter autonomia para as contratações. Quem é que quer ir trabalhar por 400 ou 500 euros para dar 8 horas de aulas numa terra diferente daquela em que reside?”, questiona.
António Ponces de Carvalho, diretor das escolas privadas São João de Deus, uma instituição também ela ativa na formação de profissionais para o pré-escolar e ensino básico, consegue destacar pontos positivos nesta profissão.
“Valia a pena dizer aos jovens que esta é uma carreira com futuro, que garante estabilidade e a progressão é automática. Hoje, o ordenado de um educador de infância ou professor ensino básico é equiparado a um médico em início de carreira. É um salário já bom comparativamente com outras profissões. Tem um horário de trabalho reduzido em relação a outras carreiras”, indica.
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E para estimular o interesse dos jovens pela Educação, o caminho deve ser feito em duas dimensões: “o Estado, que tantas campanhas tem feito para vacinação contra a Covid e até de prevenção dos fogos, poderia também promover juntos dos jovens que vão concluir o 12.º ano campanhas para eles entrarem na carreira docente e acabar com a ideia de que há excesso de professores, que são mal pagos, mal tratados, não lhes contam tempo de serviço. Porque isso é o que eles veem nos noticiários e ninguém lhes faz o contraponto”, critica.
“É preciso um aumento de vagas para os cursos. Na nossa instituição, já tivemos 180 vagas para curso do 1.º ano e neste momento só temos autorizadas 40. Há claramente uma grande redução de oferta formativa para docentes”, afirma.
O Governo socialista, agora colocado em eleições, abordou a possibilidade de recurso a um método usado após o 25 de Abril, altura em que se chamaram licenciados para dar aulas, mas estes especialistas veem grandes riscos nisso.
O catedrático Carlos Ceia não tem dúvidas em dizer que “é um risco grande. Essa é a solução mais fácil. Chamar licenciados e voltar a ter modelo de profissionalização em exercício. É arriscado. Resolve o problema a curto prazo e põe em risco a qualidade do ensino, como é obvio”.
Outro dos caminhos apontados muitas vezes passa por diminuir o período de formação dos professores.
“Não posso concordar em ter uma formação mais curta. Aquilo que vemos é que os jovens chegam do ensino secundário com uma preparação cada vez mais deficiente e, se vamos encurtar essa formação, isto é um ciclo vicioso: vão ser piores professores e preparar pior as futuras gerações”, argumenta António Pontes de Carvalho, acrescentando: “Foi uma luta grande, durante décadas, para conseguir que a formação de educadores de infância e básico fosse feita em ensino superior. Lembro-me de em várias reuniões ter na altura deputados a dizer que para cuidar e ensinar crianças bastava ser meiguinho sem licenciatura e tratar as crianças bem. Isso desapareceu, felizmente”.
“Reduzir a formação seria um retrocesso civilizacional grave e preocupante”, defende. “Formação abreviada e em cima do joelho é um erro tremendo. Já tivemos isso no passado, no pós-25 de Abril: qualquer pessoa com licenciatura e sem formação pedagógica podia dar aulas e deu mau resultado. Foi um ganho, na altura, em quantidade com mais oferta formativa, mas agora o que precisamos é travar a batalha também da qualidade e contratar com qualidade”, reforça.
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O professor universitário Carlos Ceia defende “uma ação imediata, concertada, um acordo entre todos, porque este é um problema que não pode ser partidarizado. Se fizermos uma conta simples temos entre mil e 1.500 diplomados por ano. Ora, em 10 anos vamos diplomar apenas metade dos professores que precisamos até 2030”.
Olhando para os programas eleitorais, este formador e docente não compreende porque é que todos os partidos querem mexer na formação dos docentes. Diz mesmo que “é porque ninguém sabe muito bem como se forma um professor e pensam que isso vai resolver o problema”.
Considera que o modelo que temos hoje é um bom modelo, que a formação inicial funciona bem e que o que pode falhar é a iniciação à prática profissional. “Com Bolonha, os professores não têm turmas próprias e não estão a tempo inteiro na escola. É o único ponto fraco deste modelo, tudo o resto não precisa de ser mexido; não há necessidade de mexer no que funciona bem”, acrescenta.
António Ponces de Carvalho lembra o que já aconteceu como último recurso noutros setores: “se não promovermos a entrada de jovens, amanhã vamos buscar professores e educadores onde? Ao Brasil, à Venezuela e Cuba?”, questiona.
A falta de professores não é exclusiva de Portugal. “França está com 50% de professores contratados e sem habilitações devidas; Espanha recruta professores já só com licenciatura sem mestrado de ensino; o mesmo se passa na Grécia e em Itália”, avança Carlos Ceia.
“Cá, este problema não surgiu apenas na véspera das eleições, mas não foi feito absolutamente nada!”, condena.
De recordar que o Conselho Nacional de Educação, em 2016, alertava para a necessidade de formar professores nos 15 anos seguintes. Depois desse, seguiram-se mais dois pareceres (de 2020 e 2021) que vão no mesmo sentido e pediam uma estratégia nacional. A própria União Europeia tem um retrato do problema na Europa, feito em 2018, em que identificava já o que estava a acontecer em Portugal.
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