21 jan, 2022 - 19:30 • Ana Carrilho
A Convenção Internacional dos Direitos da Criança consagra o direito à participação dos mais novos nas decisões que lhes dizem respeito. Mas dos direitos “no papel” à realidade vai um longo caminho.
Pouco antes das Eleições Autárquicas, a UNICEF Portugal lançou uma iniciativa que envolveu a consulta a quase 10 mil crianças e jovens, entre os 6 e os 18 anos. Os resultados são claros: quem decide não pergunta a sua opinião ou muito raramente o faz. Quando o faz, não tem conta essa opinião, foi a resposta de 80% dos participantes. Ainda assim, algumas decisões são tomadas a pensar nos mais novos.
Em vésperas das Eleições Legislativas, a UNICEF relembra aos políticos que as crianças e jovens têm o direito a participar e a ser ouvidas. Ainda não votam, mas a atenção que lhes for (ou não) dada agora, poderá potenciar ou condicionar a sua participação futura na vida democrática, que não se resume ao voto. O alerta e o apelo estão num vídeo lançado hoje.
"Para que tenhamos uma sociedade plural e participada, é importante que todos – mas mesmo todos – tenham voz e neste caso, voto na matéria. Democracia não é só votar, mas também participar, construir e participar. E é neste ponto que faz todo o sentido pôr em prática um dos pilares fundamentais da Convenção dos Direitos da Criança, o direito a participar”, diz Beatriz Imperatori, diretora executiva da UNICEF Portugal, em entrevista à Renascença.
Depois da primeira “sondagem”, pouco antes das Eleições Autárquicas, outras se vão seguir, até porque para os próximos anos estão previstos diversos atos eleitorais, revela a responsável nacional da organização das Nações Unidas para a defesa dos direitos das crianças. Agora, o alerta vai ser feito através do vídeo lançado esta sexta-feira, em que uma criança deixa claro que tem direito a fazer-se ouvir e não quer fazê-lo pela voz dos adultos.
O objetivo é, em plena campanha eleitoral, de debate e reflexão política, fazer ouvir a voz das crianças e jovens, as suas opiniões e as suas preocupações. “E é fácil contribuírem e dizerem o que pensam, como se viu pela elevada adesão à iniciativa “Voto na Matéria”. Querem mais e melhor escola, segurança na internet e nas redes sociais, mais respostas na saúde mental.
Este direito à participação acaba por ser um investimento para o futuro, no exercício dos direitos de cidadania. “Se queremos ter jovens a votar, então temos que lhes mostrar, desde cedo, que é possível terem voz, que são ouvidos, que aquilo que dizem tem interesse e tem consequências. E uma das formas de garantir que a nossa democracia é participada. E quando precisamos que as pessoas tenham voz e se apresentem às urnas para votar, é importante que comecemos esse caminho o mais cedo possível”, frisa Beatriz Imperatori.
“Crianças”, “Jovens”, Pobreza Infantil” são palavras que pouco ou nada têm sido ouvidas nas dezenas de debates entre os candidatos às Eleições Legislativas. “Têm sido marginalmente, infimamente referidas por um ou outro candidato, o que espelha bem a importância que os diferentes partidos dão à reflexão sobre os direitos da criança e da sua importância em todas a decisões que terão de ser tomadas pelo próximo Governo e pelo próximo Parlamento”, lamenta a diretora da UNICEF Portugal.
Na consulta promovida pela UNICEF em setembro dom ano passado, as quase 10 mil crianças e jovens inquiridos revelaram três preocupações fundamentais: a segurança na internet e redes sociais, a discriminação e no topo, para mais de 20% ou seja, cerca de dois mil participantes, aparece a saúde mental.
Há quem fique surpreendido e diga que as crianças não sabem o que é isso de “saúde mental”, refere Beatriz Imperatori, que contra-argumenta: “sabem muito bem. Podem não usar o termo “saúde mental”, mas sabem que estão sempre tristes, que têm saudades dos amigos ou de alguns elementos da família, que estão infelizes, que sentem inseguranças. Isso é uma questão de saúde mental”.
E alerta que estas não são só “questões de adultos”; são questões que todos os dias “batem à porta” de muitas crianças. A saúde mental atua, muitas vezes, de forma silenciosa. “Se não ouvirmos, se estivermos distraídos, se não formos junto destas crianças e jovens, vamos ter mais surpresas dramáticas. E é fundamental que haja uma resposta concreta, seja através de psicólogos nas escolas, centros de saúde ou outros; uma resposta concreta que lhes dê o apoio que precisam”