24 jan, 2022 - 07:37 • Ana Carrilho
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Eugénio Rosa, que também é membro da administração da ADSE considera que isso é desmotivador para os trabalhadores com mais competências. Dá o exemplo do que se passa na Administração Pública, com uma Tabela Remuneratória Única e alerta para a “tremenda falta” de trabalhadores qualificados que, facilmente cedem às melhores propostas de empresas estrangeiras e continuam a emigrar.
Sendo militante do PCP, afirma “pensar pela própria cabeça” e critica os partidos de esquerda (incluindo o seu) por não terem negociado até ao limite e evitado a queda do governo. Agora espera que o próximo governo continue a ser de esquerda, mas sem maioria absoluta do PS. Pior – para o país e para os trabalhadores – seria uma maioria de direita.
Na sua opinião, quais são os maiores desafios que Portugal enfrenta na área do Trabalho?
Não podemos desligar os grandes problemas na área do trabalho do contexto geral e económico do país. Gosto de frisar isto porque quando se fala dos trabalhadores depois há situações que não têm aderência à realidade. Vivemos um contexto económico que é extremamente difícil e temos uma taxa de crescimento económico muito baixa: de 2009 a 2015 a taxa média foi inferior a 0,5% e melhorou, efetivamente, entre 2016 e 2019.
Uma parte da riqueza que se produz em Portugal (cerca de 2-3%) vai para o estrangeiro e nos últimos anos temos tido uma grande quebra no investimento.
Nos programas dos partidos, pelos menos daqueles mais importantes não encontro respostas. Estão fundamentalmente preocupados é com a redução do défice, da dívida pública e isso vai condicionar tudo.
Em 2014 a produtividade foi inferior a 2013 em 1,2%. Em 2015 inferior a 2014 em 0,6%. Só em 2018 é que a riqueza criada por trabalhador foi superior à do ano anterior em 0,4%. A produtividade é muito baixa e não tem crescido porque o investimento é baixo, quer público, quer global.
A que se deve essa redução do investimento?
Estamos numa economia muito mais aberta, com uma concorrência muito maior e também sofremos o impacto dessa situação. Mesmo com os fundos comunitários. Segundo o último relatório de monitorização do Portugal 2020, até setembro só tínhamos executado 65%. Há atrasos, que também resultam da necessidade de financiamento para a componente nacional. E isto tanto se aplica às empresas como ao Estado.
Mas agora, muito do dinheiro do PRR (Programa de Resolução e Resiliência) vai servir para aumentar o investimento público. Poderá haver aqui uma recuperação?
Dou-lhe um exemplo: sou gestor público e vivemos diariamente essas dificuldades. No PRR há componentes para a digitalização, aumento da qualificação, etc. Temos o dinheiro para investir na digitalização, mas depois não temos trabalhadores com competências necessárias para tirar partido disso.
Por exemplo, na ADSE fizemos um investimento para o combate à fraude e internamente, não temos pessoas para tirar partido desse investimento, não conseguimos contratar. Há 2 anos o Ministério das Finanças centralizou a contratação de técnicos superiores. Inscreveram-se cerca de 18 mil pessoas e foram precisos dois anos para terminar o concurso. Dos mil que se queriam contratar, só se contrataram 600. Nós pedimos dez e recebemos um. Neste intervalo, com aposentação, saíram mais pessoas.
E isso aconteceu, porquê?
O sector público está cada vez menos atrativo para as pessoas com maiores qualificações. Temos uma Tabela Remuneratória Única que desde 2009 só teve duas atualizações: em 2020, 0,3% e em 2022, 0,9%. No sistema de avaliação, as próprias direções só podem dar relevante a 25% dos funcionários. Na prática, a maioria dos trabalhadores, para subirem de nível remuneratório – que significam mais 50, 70 ou 100 euros – precisam de dez anos. Como é que se atraem as competências para o setor público? Isso, depois, influencia a capacidade do próprio país tirar partido dos fundos.
Tivemos atraso com o Portugal 2020, agora junta-se o PRR e o Portugal 2030. Como é que temos capacidade para responder a isso? Não é um problema só para a Administração Pública, mas também para o setor privado. Há uma falta tremenda de técnicos qualificados na área tecnológica, as empresas estrangeiras pagam melhor e captam esses técnicos. Olha-se para o PRR, é a “bazuca”, mas depois esquece-se toda esta realidade concreta.
Neste momento defrontamo-nos com o aumento do custo de vida, há uma escalada da inflação. Reduzir o impacto deste aumento de preços, especialmente para a população com maiores dificuldades, deve ser uma das prioridades do futuro governo?
Este também é o nosso problema. Houve um ligeiro crescimento económico entre 2016 e 2019, acima da média da União Europeia, mas foi conseguido com base em baixos salários. Têm-se tentado minorar a pobreza aumentando o Salário Mínimo, mas esse só atinge uma faixa de trabalhadores que têm menor poder de compra.
Que é uma faixa cada vez maior…
Era à volta de 25% dos trabalhadores, agora com o aumento do SMN para 705 euros, deve rondar os 30%, dá cerca de 1,2-1,3 milhões de trabalhadores por conta de outrem.
Mas como o salário mínimo tem crescido mais que os outros, acaba por provocar uma compressão sobre os salários um pouco acima e sobre o salário médio.
Na Administração Pública, por exemplo, temos uma Tabela Remuneratória com níveis. Como os salários têm estado congelados, na prática, desde 2009-2010. aumento do salário mínimo, determinou que os quatro níveis mais baixos desaparecessem. O que acontece? Nos níveis mais baixos tínhamos os assistentes operacionais, trabalhadores com o ensino básico; depois temos os assistentes técnicos, que têm o 12º ano. Com o desaparecimento dos quatro níveis de baixo, os assistentes operacionais já têm o valor de entrada igual ao do assistente técnico. Há trabalhadores com o 9º ano a ganhar tanto como um trabalhador com o 12º ano. Isto provoca uma distorção muito grande.
Tanto na Administração Pública como no setor privado…
É a mesma coisa, se compararmos o salário mínimo com o salário médio no setor privado, usando os dados do Ministério do Trabalho e Segurança Social, constatamos que em 2014, o salário mínimo representava 53% do salário médio. Agora, na previsão para 2022, é que passe para 68%. O salário mínimo está-se a aproximar cada vez mais do salário médio.
É por isso que diz que somos um país de salários mínimos?
Sim e isso é muito mau para o país porque também cria uma grande desmotivação nos próprios trabalhadores, especialmente nos mais qualificados. Muitos acabam por emigrar; a emigração de gente muito qualificada continua. Isto reflete-se na produtividade.
Ainda assim, o que os partidos propõem – sobretudo de esquerda – é o aumento do SMN. O PS, 900 euros até 2026; BE, PCP, o LIVRE até fala em 1.000 euros. E o PSD remete para a Concertação Social..
O PSD até diz mais, que o salário mínimo nacional tem de aumentar de acordo com a produtividade e a inflação, mas remete para a Concertação.
Estes aumentos são possíveis?
O PS, aumentar para 900 euros até 2026, dá um aumento médio anual de 50 euros. Depende muito do contexto económico. Eu não sou contra o aumento do salário mínimo, antes pelo contrário. Mas é preciso ter em conta a capacidade da própria economia. Porque o SMN é pago, essencialmente em micro, pequenas e médias empresas ou em setores de baixa produtividade.
Mas é possível?
Com taxas de crescimento de 2-3 %, acho que é possível. O Orçamento depois financia uma parte desse aumento do SMN, tem havido um compromisso da parte do governo. Mas depois entra-se em contradição porque ao mesmo tempo, quer-se reduzir impostos. Diz-se que em Portugal a despesa pública é muito elevada, mas se compararmos, não está acima da média da União Europeia. Podemos discutir a qualidade da despesa pública, isso é outra coisa. Mas em termos de PIB não está acima, nem os impostos.
Acha que devia haver menos fiscalidade para o Trabalho?
Por exemplo, em relação ao IRS, mexeu-se nos escalões intermédios, mas têm-se mantido a taxa mais elevada. Há que aumentar a progressividade do imposto, criar mais escalões porque, efetivamente, há escalões intermédios com taxas extremamente elevadas. A proposta do governo que constava da proposta do OE para 2022, introduzia mais um escalão, mas o efeito era extremamente reduzido. Reduziu-se muito a progressividade e isso teve efeito no aumento de impostos.
Mas o IRS não se pode ver só do lado da taxa, tem que se ver também do lado das deduções. Por exemplo, em relação à Saúde, reduziu-se substancialmente, agora temos um patamar global de 1.500 euros. O PS, na sua proposta, aumenta as deduções ligadas aos filhos, mas para serem executadas ao longo de quatro anos, não é imediato. O PSD também tem propostas a esse nível, mas a carga fiscal sobre os trabalhadores é extremamente elevada.
E vendo o lado das empresas, queixam-se que, por exemplo, um salário de 700 euros, na realidade, lhes custa mais de mil. Devia haver uma redução da carga fiscal de forma a incentivar a criação de mais postos de trabalho?
A moeda tem duas faces. O Estado não tem meios para dar se não tiver receita. Reduz-se de um lado e depois pensa-se que do outro se pode aumentar infinitamente. Não é assim, há que estabelecer um certo equilíbrio, até porque um dos grandes problemas que tem que se ter presente para a futura Legislatura é que vai haver um aumento da taxa de juros da dívida pública. Isso também vai reduzir a capacidade do Estado intervir, de incentivar, até de se poder modernizar e ter capacidade para responder às necessidades, quer sociais quer económicas do país para se poder desenvolver, com uma taxa de crescimento superior.
A meu ver, não se pode pensar em redução dos impostos sem ver as implicações do outro lado. Estou a pensar na Educação, na Saúde. Fala-se na “Educação, o estado em que está, a Saúde, o estado em que está”. Mas isto tudo envolve que o Estado tenha disponibilidade financeira para suportar. É preciso gerir melhor o SNS, mas se não se lhe dá os meios, cria-se uma situação em que o controle se torna mais difícil.
E então, com este cenário, o que fazer?
Estive a olhar para o programa dos dois principais partidos, o PS e o PSD. O que me preocupou bastante foi o facto dos grandes problemas da nossa economia, que se refletem nas condições de vida dos portugueses, não serem os objetivos fundamentais. Estão subordinados a objetivos de redução da dívida e de redução do défice que vão condicionar uma solução. Devia encontrar-se um certo equilíbrio.
O programa do PS assume o compromisso de, até 2024, reduzir a dívida dos 130% do PIB para 116%. Em três anos reduzir 14 pontos percentuais. Isto vai depois condicionar toda a capacidade do Estado para dinamizar a economia, a intervenção está extremamente reduzida. E em relação ao PSD, a mesma coisa: reduzir a dívida até ao fim da década para 80%. Cinquenta pontos percentuais, não é brincadeira.
É impossível, na sua opinião?
Para se reduzir a dívida nesta dimensão, têm que se criar saldos orçamentais positivos. Em princípio, o Estado tem que gastar menos do que recebe. E depois ainda se ajusta a uma redução de receita, porque se fala em reduzir o IRC de 21 para 17%; o IVA, de 13 para 6%. Eu não sou contra a redução dos impostos, mas estes problemas têm que ser todos articulados. Não estou a dizer que não seja necessário reduzir a divida, mas reduzir ao longo desta década em 50 pontos percentuais para 80%, só por milagre.
O que está a dizer é que os dois principais partidos estão a fazer publicidade enganosa?
Estive a fazer contas. O PS diz “pretendemos garantir um crescimento meio ponto percentual acima da média da EU”. Considerando a última média (2.1%), meio ponto percentual, dá 2,6%. Peguei nos valores atuais do PIB/habitante de Portugal e da UE e fui ver quantos anos eram necessários, com estas taxas de crescimento, para que o PIB por habitante em termos reais de Portugal fosse igual ao da União Europeia. Sabe quantos anos são? 84!
O PSD, por seu lado, afirma que pretende uma taxa de crescimento que seja superior a 3%. Supondo que a UE tem a mesma taxa de crescimento, são precisos 47 anos. Mas isso não se diz às pessoas. Não percebo como é que eles fixaram chegar até aos 80% até 2030 e também não sei como é que o PS quer reduzir 16% em três anos. Sei como é que eles fazem: cortam no investimento público.
Portanto, essas promessas não são exequíveis…
Não, essas duas não. Esperar 84 anos para atingir a média da União Europeia é um bocado… Depois, também há uma grande desigualdade na distribuição da riqueza. O programa do PSD diz que temos de criar riqueza para distribuir. É verdade, mas também temos de distribuir melhor aquela que se cria.
E com a pandemia ainda se agravaram mais as desigualdades?
Agravaram-se e a pobreza aumentou muito em Portugal. O INE publicou dados que mostram que num ano o número de pobres aumentou mais de 200 mil.
E mais de um quarto dos pobres, são pessoas com trabalho, com salários baixos. Com o aumento do custo de vida, portanto, o número de pobres vai aumentar…
Vai aumentar, mesmo entre os trabalhadores porque há muita gente a trabalhar a tempo parcial, não porque queira, mas porque não consegue a tempo completo. E também há muitos trabalhadores informais. Em 2020 tínhamos quase 530 mil trabalhadores a viver abaixo do limiar da pobreza, que já é um valor extremamente baixo. Ter trabalho em Portugal, não significa que se fuja à pobreza. Mais de meio milhão, corresponde a 10-12% do número total de trabalhadores. É muita gente!
Por isso, os apoios sociais que existem são fundamentais?
Tiram muita gente da pobreza, mesmo trabalhadores. Antes das transferências sociais, as pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza eram 4,4 milhões. As pensões fazem reduzir este número para 2,3 milhões. Os outros apoios sociais baixam o número de pobres para 1,894 milhões. Sem eles, estariam na pobreza 2,368 milhões de portugueses. O RSI e a Prestação Social de Inclusão tiram muita gente da pobreza. Mas são atacados porque dizem que promovem a subsidiodependência
E o que é que responde a essas pessoas? Embora saibamos que também há abusos.
Há uma grande campanha de difamação contra o Rendimento Social de Inserção. Não quer dizer que não haja gente que se aproveite do RSI, até porque a capacidade de inspeção, devido à degradação dos serviços públicos, é pouca. E a Segurança Social, que é quem tem que controlar isto, com a pandemia, foi sobrecarregada ainda com mais trabalho. Mas (as fraudes) têm pouca dimensão. Efetivamente, se não fossem os apoios sociais a situação seria muito mais grave
E deviam ser reforçados?
Olhe, o subsídio de desemprego, para lhe dar um caso concreto. Estou a falar de memória, acho que o número oficial de desempregados anda à volta de 350 mil. Mas há um conjunto muito vasto de desempregados que não estão nas estatísticas, todo o desempregado que não procurou trabalho no período em que foi feito o inquérito, não é considerado como tal, vai para os inativos disponíveis. Isto determina que o número de trabalhadores realmente desempregados que recebe subsídio corresponda apenas a cerca de 40/100 desempregados. E o desemprego em Portugal é uma das maiores causas de pobreza, devia ser reforçado e alterado de forma a abranger mais pessoas efetivamente desempregadas.
E os apoios que foram atribuídos aos trabalhadores e empresas, em consequência da pandemia, foram suficientes ou foram os possíveis, tendo em conta a situação económica e financeira do país?
Em termos sociais são sempre insuficientes, em termos económicos, temos que ter o contexto da situação. Houve muitos setores que não tiveram o apoio que necessitavam e passaram grandes dificuldades. Mesmo o lay-off não atingiu todos os trabalhadores. Mas se não houvesse esse apoio, a situação seria, certamente, muito mais grave. Tirando os apoios que foram pagos pelo OE, a situação da Segurança Social não piorou, apresentou sempre saldos positivos entre 700 e mil milhões de euros. Portanto, é possível melhorar a situação, dos reformados, por exemplo.
Os aumentos deste ano, até 848 euros, vão ser de 1%; até 2.600. 0,49% e as pensões mais altas, têm 0,24%. Compare isto com os aumentos dos preços. Estão todas a perder poder de compra.
Teoricamente, só os trabalhadores que recebem o salário mínimo é que não perdem poder de compra…
É verdade. E a nível da Segurança Social, há uma injustiça muito grande, que é importante salientar. Dez euros não é muito dinheiro, mas é mais do que o aumento de 0,4 e 1%. No entanto, só tem atingido uma parte dos reformados, parece que os outros não têm direito. Já nem falo de aumentar o poder de compra, mas pelo menos manter. E foram os recebem mais do que 840 euros que alimentaram a Segurança Social. Há aqui uma contradição e também se está a passar uma mensagem negativa para o futuro: só garantimos o aumento ou a manutenção do poder de compra aos que vivem na miséria ou têm pensões muito baixas. Isto até desincentiva o próprio trabalhador no ativo.
Falemos agora da Legislação Laboral. Caiu, para já, a chamada “Agenda do Trabalho Digno” e algumas medidas propostas pelos partidos de esquerda que faziam reverter decisões do tempo da troika. E também algumas medidas que visavam o combate à precariedade, um dos grandes problemas do mercado de trabalho português. Acredita que poderá ser retomada e eventualmente melhorada?
Precariedade no trabalho não são apenas contratos a prazo. Por exemplo, na ADSE não conseguimos contratar trabalhadores porque tem que ser através daquele processo demorado. Como é que se resolveu? Com a compra de um pacote de 20 mil horas a uma empresa de trabalho temporário. Nos orçamentos de estado não aparece como “remunerações”, mas como “aquisição de serviços”. Por imposição do Ministério das
Finanças, pagamos 7 euros/hora à empresa de trabalho temporário que, por sua vez, paga cerca de 5 euros ao trabalhador, a recibo verde. E isto é uma grande precariedade e com remunerações extremamente baixas.
Mas a proposta do governo PS é que esses trabalhadores temporários tinham que ter contrato com a empresa de trabalho temporário que vende o serviço.
Diminuía alguma precariedade e talvez melhorasse a situação desses trabalhadores que estão “a recibo verde”. Eles é que têm que suportar os impostos e contribuições para a Segurança Social. Se houvesse um contrato, fixava um valor e era mais visível, havia maior controle, era um avanço.
Quanto aos contratos a prazo, a lei diz que a entidade patronal tem que justificar porque é que o contrato só tem uma determinada duração, mas na prática, as empresas usam contratos a prazo para trabalho permanente e não há, da parte da Inspeção de Trabalho, capacidade para impedir isso. Só nos casos em que o trabalhador avança com um processo é que as empresas podem ser obrigadas a transformar o contrato a prazo em permanente. A lei melhorou um bocadinho, mas muitas vezes não é cumprida.
A pandemia também implicou uma mudança na forma de trabalhar e o teletrabalho ganhou peso, com vantagens e desvantagens. O Parlamento aprovou uma lei, mas muitas das medidas não vão qualquer efeito na recompensa aos trabalhadores pelos custos acrescidos. Legislou-se depressa e mal?
Foi tudo feito à pressa. Entrámos numa fase de teletrabalho maciço, empurrados, obrigados pela pandemia. Acho que a lei vai ter um efeito muito reduzido, até porque há uma coisa que as pessoas não se podem esquecer: a passagem para o teletrabalho isolou o trabalhador, ele está muito mais dependente da entidade patronal. Embora tenha associada, a meu ver, uma baixa da produtividade. Com esta relação de dependência que se acentuou, o trabalhador vai ter muita dificuldade em obter da entidade uma solução que lhe seja favorável. Porque muita gente foi para o teletrabalho com esta condição: tens computador teu, vais para teletrabalho; se não tens, tens que fazer trabalho presencial. E há muitos que não tiveram outro remédio senão arranjá-lo (o computador). Sabe que esta situação existe.
Que lições é que a pandemia nos ensinou ou devia ter ensinado, nomeadamente no que toca ao trabalho, emprego e proteção social?
Uma das lições que aprendemos é que vivemos num mundo em que a segurança não está garantida para sempre. Um pequeno vírus desorganizou toda a nossa vida, toda a economia, toda a organização do trabalho. Esse é um aspeto que tantos os trabalhadores, como as empresas e organizações devem ter sempre presente.
Outro aspeto que me parece importante é que, neste contexto, a qualificação, a responsabilização, a autodisciplina – tanto do trabalhador como do empresário – é fundamental. Mas as organizações têm que ser preparar para novas situações como esta. E temos que pensar como que é se pode organizar o trabalho sem provocar a desorganização, com os efeitos que está a ter na resposta dos serviços públicos à população. Isso nota-se em todos os serviços. Demoras, por exemplo, para tirar o cartão do cidadão, para com seguir marcar uma consulta.
Por vezes, na comunicação social, ouço gente a elogiar o teletrabalho. Não quero dizer que não haja áreas em que é uma boa solução, mas não podemos generalizar e concluir isso para todo o país ou para uma parte significativa dos trabalhadores. Com o teletrabalho, organizado desta forma, o crescimento e o desenvolvimento económico vai ser extremamente difícil.
Tendo em conta tudo o que está em causa considera que a melhor solução para o país e para os trabalhadores é uma maioria de esquerda, mas sem maioria absoluta do PS?
Eu tenho experiências de maiorias absolutas, tanto de um lado, como do outro, não é só do PS. Já tivemos uma experiência desta maioria de esquerda que nunca foi bem formalizada, mas acho que temos é que aproveitar a experiência para melhorar o funcionamento dessa maioria. Acho que na rutura que houve, deviam ter passado para a discussão na especialidade.
Essa crítica aplica-se também ao seu partido (PCP)?
É evidente. Esta é a minha opinião pessoal, não é a da Direção. Mas eu continuo a pensar pela minha cabeça e para mim é extremamente claro que se devia ter discutido até à última para tentarem encontrar uma solução. Não apenas por causa da crise política, mas também para responder às necessidades do país.
E em relação ao futuro?
Em relação ao futuro, há que ver o que é mais importante e seriar a importância dos assuntos. Por exemplo, o aumento dos salários para além do salário mínimo. É muito importante em Portugal, mas não vai ser por decreto, naturalmente. Há que criar condições para que isso seja possível, fortalecendo o movimento sindical e promovendo a negociação coletiva. Tem que haver uma reflexão e ver, efetivamente, o que é importante, o que é possível e articular. Eu sou economista, também enho tendência para dizer que não se fazem omeletes sem ovos.
E se os portugueses optarem por uma maioria à direita, que conclusão tira?
Eu sou de esquerda, não quero a direita, é evidente.
Mas se acontecer, que conclusão tira? Que a esquerda não conseguiu responder às necessidades e aos anseios dos portugueses?
Há muita coisa que se conseguiu com a maioria de esquerda. Não vou dizer que vamos ter a receita do Passos Coelho e do PSD/CDS, mas vamos ter uma tendência de “apertar”. E por exemplo, a Administração Pública, com estes objetivos de dívida, naturalmente, vai sofrer muito. E os trabalhadores, em geral, também.