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Legislativas 2022

Fim do SEF divide, segurança rodoviária ignorada nos programas eleitorais

24 jan, 2022 - 06:00 • Celso Paiva Sol

Saiba o que dizem os programas eleitorais dos principais partidos para a área da Administração Interna. Presidente do OSCOT diz que falta "golpe de asa" para reformar o setor.

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Faz parte de todos os programas eleitorais dos partidos com assento parlamentar, mas desta vez a área da Administração Interna está longe de ter lugar de destaque na captação de votos. Nem de forma prioritária, nem de uma forma transversal que toque todos os setores que tutela.

A trágica realidade da sinistralidade rodoviária, por exemplo, não está em nenhum dos documentos. É ignorada por todos.

De resto, a leitura dos programas revela prioridades mais ou menos evidentes. A esquerda dá mais atenção às migrações, a direita à segurança interna.

A esquerda defende o fim dos vistos Gold e dos privilégios que concedem, a atualização da lei da nacionalidade e com ela o fim de obstáculos que ainda persistem no acesso à cidadania e ao voto, o reforço do combate ao tráfico de seres humanos, e novas e melhores políticas de acolhimento de quem precisa de ajuda humanitária.

São referências que se encontram, com mais ou menos ênfase, nos programas do Bloco de Esquerda, do PAN, do Livre, do PS e um pouco menos na CDU.

A direita promete dignidade, proteção e condições para o trabalho dos polícias, uma proteção civil mais organizada de acordo com a nova divisão administrativa do país, e novos modelos de aquisição, gestão e rentabilização de recursos entre todas as forças e serviços de segurança – que também passam pela aposta nas Tecnologias de Informação. O PSD de forma mais desenvolvida, mas são apostas que se encontram também nos documentos do CDS, da Iniciativa Liberal e do Chega.

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Programas eleitorais para a Administração Interna. "Falta golpe de asa"

Feita a análise e comparação dos programas eleitorais dos principais partidos, há dois temas que merecem especial destaque. Por um lado, o processo de extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que ficou concluído pelo Governo, mas suspenso pelo Parlamento. Por outro, as ideias do PSD para a organização do Sistema de Segurança Interna.

No primeiro caso, PSD, CDS e Chega defendem claramente uma reversão da Lei que extingue o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o PS, pelo contrário, propõe-se acabar o que começou, ou seja, concretizar essa extinção, e o Bloco de Esquerda promete acompanhar e fiscalizar a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo – o novo organismo que irá ficar precisamente com a vertente administrativa do SEF, se este vir mesmo a desaparecer.

Nenhum outro partido se pronuncia sobre aquela que é uma das maiores mudanças das últimas décadas na segurança interna em Portugal.

No segundo caso, e de alguma forma à boleia do primeiro, embora seja contra a extinção do SEF, o PSD defende a separação de competências – administrativas e policiais – e neste programa eleitoral avança com a ideia de estender esse novo paradigma a todas as outras forças e serviços de segurança.

Não está tudo explicado, mas será qualquer coisa como isolar e afastar funções administrativas das funções puramente policiais, criando serviços comuns e funções partilhadas, e dando ao mesmo tempo muito mais protagonismo ao secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, que deixaria de ser só um coordenador, para passar a ser um gestor mais ativo e decisivo no funcionamento de todas as forças e serviços de segurança.

Não é uma fusão, não é – ainda – um novo modelo de segurança interna, mas o que o PSD se propõe é mudar significativamente a forma como as polícias hoje em dia trabalham.

“Falta um golpe de asa. Esta área precisa de uma reforma”

Desafiado a ler os mesmos nove documentos, o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia nota a falta de protagonismo que os partidos dão a uma área que, pelo contrário, deveria de uma vez por todas sofrer uma reforma. Pelo menos, ao nível dos conceitos estratégicos e de uma desejável aproximação e articulação entre todos os sistemas que contribuem para a segurança do país.

“É preciso pensar na revisão do conceito estratégico de Defesa Nacional, eu diria até de Defesa e de Segurança interna, ou até construir um conceito maior – o conceito de Segurança Nacional. Isso não significa a perda de autonomia de cada uma das forças, nem confundir as funções dos militares, das forças de segurança, dos serviços secretos e da proteção civil. São funções diferentes, mas devem colaborar mais. Falta aqui um golpe de asa, digamos assim, para que se tenha uma reforma profunda na segurança em Portugal.”

Bacelar Gouveia, que foi recentemente eleito presidente do Observatório de Segurança, Crime Organizado e Terrorismo (OSCOT), considera que se está a perder mais uma oportunidade para modernizar todo o sistema, que por ser feito “sem diluir nada, apenas na base da cooperação”.

“Cooperar não é diluir, cooperar não é fundir. Não tem que haver aqui nenhum complexo. À falta de um golpe de asa, o mais parecido com uma mudança concreta no modelo de organização do sistema está no programa do PSD, que se propõe separar as funções policiais e administrativas, não só do SEF, como de todas as outras forças e serviços de segurança”, assinala.

Bacelar Gouveia diz que “não se percebe, com total clareza, os objetivos que estão no programa do PSD, embora pareça uma ideia interessante e que, aliás, já tem sido aplicada. Colocar o acento tónico mais nas tarefas operacionais, isto é, pôr os polícias na rua – para usar uma linguagem mais prosaica, e do ponto de vista administrativo não operacional, racionalizar, fazer serviços comuns, serviços partilhados. Isso já tem sido feito, talvez não com a intensidade necessária”.

A falta de pormenores sobre como é que os social-democratas se propõem fazer essa mudança, leva o presidente do OSCOT a lembrar que “pode haver limites. Não se pode colocar tudo em comum, porque as corporações policiais têm especificidades próprias e não sei se isto pode ser feito com a dimensão que está no programa do PSD”.

SEF acaba. SEF não acaba

O único assunto em que alguns partidos são taxativos nas propostas que apresentam é a extinção do SEF.

PS e Bloco de Esquerda querem acabar o que começaram, mas a direita – em peso – diz não a essa hipótese e promete revertê-la se tiver essa oportunidade.

Sobre esse assunto, Bacelar Gouveia reafirma a posição sempre assumida pela OSCOT, e explica porque é que o SEF não deve acabar.

“A extinção do SEF foi um erro, e espero que esse erro seja corrigido no sentido de não se consumar. O SEF é um serviço de segurança necessário, muito importante, e altamente especializado no âmbito de competências específicas e difíceis de conhecer no contexto do espaço Schengen. Ao contrário do que se julga, não é propriamente fácil distinguir a parte administrativa da parte da investigação criminal, porque as duas partes andam de mãos dadas. Foi um erro, e acho que o Parlamento ainda está a tempo de o corrigir.”

O futuro do SEF, pelo menos a ver pelos programas eleitorais, é o único assunto que merece compromissos concretos, e gera divisões claras.

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