08 fev, 2022 - 06:09 • Susana Madureira Martins
Conquistada a maioria absoluta, o PS entra numa espécie de velocidade de cruzeiro, com António Costa entretido com a formação de governo nas próximas semanas e a ter nas mãos um partido, aparentemente, pacificado, unido e "colado", nas palavras de um deputado socialista.
A vida normal do PS é retomada nos próximos meses, ao que a Renascença sabe estão previstas eleições internas para as concelhias entre final de Março e início de Abril e até final de Maio será a vez das federações irem a votos.
A proposta que está a ser desenhada é a de que entre eleições internas e congressos distritais fique tudo despachado e ratificado até meados de Junho, sendo a situação descrita pelos socialistas como estando "tudo calmo", prevêem-se "as lutas normais, as lutas de sempre", sendo que "as guerras que existem hoje, são as guerras que sempre existiram".
À Renascença um dirigente nacional admite que "neste momento ninguém levanta a cabeça" contra a liderança de António Costa, por força da maioria absoluta "ninguém se mexe" e que "a mexer-se é mais para a frente", atribuindo, porém, um significado especial ao resultado eleitoral nas concelhias e federações nos próximos meses.
É nestes dois momentos que "vão ser criadas reservas, vai ser criado armamento, um 'stock' de armamento", numa já habitual marcação de terreno e medição de forças entre tendências dentro do partido, mas, para já, apenas isso, porque como diz o mesmo dirigente nacional, "muitos dos líderes de concelhias foram para deputados e não querem fazer ondas".
A expectativa dos socialistas é que nos próximos quatro anos o partido vai estar "unido" e "colado", com um deputado do PS a falar mesmo de António Costa como "secretário-geral absoluto", acrescentando que "só se caísse o céu" é que o curso da liderança poderia ser outro.
Com uma maioria absoluta, "se alguém tinha ambições, ninguém neste momento vai dizer nada", com o mesmo deputado do PS a concluir que "nem sequer os militantes vão participar nesse tipo de coisas" e "fica tudo em águas de bacalhau", antevendo assim "vento à bolina" e que tudo "vai correr bem" a António Costa.
A ideia de uma "paz podre" a pairar no PS durante quatro anos é, para já, afastada, com um membro do secretariado nacional a dizer à Renascença que "a maioria absoluta só dá mais dois anos" ao que o partido já ia ter em condições normais e se o ciclo não tivesse sido interrompido. Conclusão: "não é o fim do mundo para ninguém".
Para o 'pedronunismo' também não será o fim. A previsão dos socialistas é que fique hibernado durante uns tempos. O ministro das infraestruturas tem as eleições nas concelhias e nas federações para fazer prova de vida, medir forças, mas a maioria absoluta tirou-lhe argumentos e, sobretudo, margem de manobra.
Em plena campanha eleitoral para as legislativas Pedro Nuno Santos ensaiou um claro posicionamento ideológico à esquerda ao arrepio do discurso ao centro por que António Costa optou, mas de nada lhe valeu vincar essa diferença.
Por força do resultado de 30 de janeiro o ministro das infraestruturas fica em modo de espera. A opinião entre os socialistas e mesmo entre os pedronunistas, é que "Pedro Nuno vai ter de esperar" para ser candidato a líder.
Aliás, o próprio Pedro Nuno admitiu isso à Renascença na noite eleitoral das legislativas, já depois do discurso de vitória de António Costa, referindo ser "novo" e ter "muito tempo para isso", ou seja, para vir a ser líder socialista, acrescentando que espera "poder ter muito trabalho pela frente, enquanto deputado do PS, em qualquer função que o PS desejar".
Há uma ideia comum nos dirigentes socialistas que a Renascença foi ouvindo: os planos relativamente à governação e à própria liderança de António Costa são feitos a quatro anos, com a duração da legislatura. Passado pouco mais de uma semana da conquista da maioria absoluta ninguém coloca a hipótese de o secretário-geral do PS e primeiro-ministro vir a quebrar o ciclo antes de tempo.
Se o calendário se cumprir com normalidade, em 2023 há eleições para a liderança do PS e a expectativa é que Costa se recandidate e chegue como primeiro-ministro ao fim da legislatura em 2026.
Um membro do Secretariado Nacional do PS afasta a ideia de o líder socialista e primeiro-ministro sair a meio do mandato para ocupar outro cargo qualquer - na Europa, por exemplo, como tem sido sucessivamente apontado - questionando mesmo: "depois de uma maioria absoluta?" e dando a resposta de seguida: "não sei se este resultado não lhe altera os planos".
A ideia geral é que "ele", Costa, "não fará como Durão Barroso", ou seja "não sai a meio do mandato", despacha um deputado socialista, convicto que "ele não fará isso", concluindo que "depois dos quatro anos sim, pode ir para outros voos".
Ora, o próprio Pedro Nuno Santos, nas já referidas declarações à Renascença na noite eleitoral de 30 de Janeiro, assumiu que "não há nehuma razão" para que Costa "não seja" primeiro-ministro até ao fim, acrescentando que há "condições" e "é do interesse dele fazer a governação os quatro anos", ressalvando, contudo, que "isso é uma decisão que é dele, obviamente", atribuindo ao líder socialista a total responsabilidade pela maioria absoluta: "foi ele que conseguiu".
Outro membro do Secretariado Nacional aponta também para a existência de "todas as condições" para Costa ser o "primeiro-ministro mais longevo da História", após uma "sólida maioria absoluta", a que se acrescentam "as condições únicas para operacionalizar o Programa de Recuperação e Resiliência" tendo em conta "o ciclo político mais favorável".
Para já, o mundo para os socialistas é todo a cores. Um deputado do PS aventa mesmo que, a meio do ciclo, em 2024 o "PS vai repetir o resultado nas europeias", ou seja, as eleições "europeias vão correr bem".
O mesmo deputado prevê que "Costa vai continuar a negociar à esquerda" e a "dar resposta ao Pedro Nuno Santos e ao Tiago Barbosa Ribeiro", ambos conotados com a ala mais à esquerda do partido, rematando que "Costa identifica-se agora com a esquerda moderada" e que "vão manter-se as duas tendências".
Já os moderados de esquerda, segundo este deputado do PS, "têm agora de estar preocupados com o PSD", porque é preciso "ter alternativa", aconselhando que "se o PS for inteligente tem de pensar em dialogar com o PSD, a ala moderada tem de dialogar", dando o exemplo, da negociação de uma eventual revisão constitucional.
Quanto aos que querem o lugar do líder, o próprio Costa "dá a bicicleta a todos e cada um pedala a sua para ver quem dá nas vistas", prevê este deputado, que acrescenta: "daqui a quatro anos, se António Costa quebrar o ciclo, fala-se agora muito na Ana Catarina Mendes, no Fernando Medina, mas daqui a quatro anos podem surgir novos nomes" para a liderança. Por exemplo, "ministros que podem revelar-se como estrelas em ascensão".
Logo na noite eleitoral de 30 de janeiro, António Costa fez questão de dar vários sinais ao Presidente da República de que "maioria absoluta não é poder absoluto, não é governar sozinho" e que a vitória do PS trata-se de uma "enorme responsabilidade pessoal de promover consensos", quer no Parlamento, quer na concertação social.
E, a partir do Altis, ficaram mais garantias a Marcelo Rebelo de Sousa. Por exemplo, a de que o próprio Costa será o "primeiro garante" de que o governo e o partido não pisarão "o risco". Mas a relação é recíproca, ou seja, o lider do PS também disse esperar que Marcelo "continue a exercer o seu mandato presidencial nos termos da Constituição".
Questionado sobre o que espera exactamente que seja esse exercício do mandato presidencial, um alto dirigente do PS diz à Renascença ter a expectativa que Marcelo "colabore e ajude no diálogo com os partidos e os parceiros sociais" e que continue a "cooperar com o governo e a estimular mais ativamente as relações externas, designadamente com os PALOP".
Um membro do Secretariado Nacional, por seu turno, desdramatiza a relação do Presidente da República com a maioria absoluta, vincando o "bom relacionamento" de Costa com Marcelo, preconizando que, "neste momento", o chefe de Estado "prefere estar a escolher e a opinar sobre o líder do PSD".
Para já os socialistas não dramatizam o efeito Marcelo numa maioria absoluta do partido. O maior receio é a contestação social e o isolamento do PS no Parlamento, com o desgaste que isso pode implicar ao longo dos próximos quatro anos.
Um membro do secretariado nacional do PS considera mesmo que "Marcelo pode não ser bonzinho, mas não será ele o problema maior" da maioria absoluta. "Os maiores problemas são um parlamento hostil e uma rua mais brava".
A contestação social é mesmo vista como a "a principal dificuldade de Costa", tendo em conta que o PCP já avisou que "vai para a rua, vai para essa luta". Um deputado socialista questiona é com que força isso será feito e "se os sindicatos mantêm a força que tinham", levantando outra questão: "será que o PCP consegue mobilizar os sindicatos?".
Até que ponto a contestação na rua poderá ou não pôr em causa a governação é outra questão. Mas um membro do secretariado nacional do PS desdramatiza: "todas as maiorias foram até ao fim". O problema é depois. Como desabafa este dirigente socialista: "a seguir é que é". Ou seja, no pós-Costa e após quatro (?) anos de eventual desgaste.