28 set, 2022 - 14:21 • Manuela Pires , Rosário Silva
A Assembleia da Républica viveu esta manhã de quarta-feira um episódio insólito, quando o PS sugeriu que a intervenção de um deputado da Iniciativa Liberal (IL) fosse apagada da gravação.
Em causa, o pedido de demissão da ministra da Coesão Territorial feito pelo deputado da IL, Carlos Guimarães Pinto, no decorrer da Comissão de Administração Pública, Ordenamento do Território e Poder Local, na qual, a pedido do PSD, a Ana Abrunhosa foi chamada para dar esclarecimentos a propósito da falta de um relatório obrigatório sobre o estado do ordenamento território.
“Ou as empresas do seu marido se comprometem a devolver os fundos europeus ou a senhora ministra demite-se do cargo, onde existe obviamente um conflito de interesses”, disse, o deputado da IL.
“É uma chatice que, por ser marido de uma ministra não poder aceder a fundos europeus”, ironizou, Carlos Guimarães Pinto, para lembrar que “há muitos empresários que não acedem a fundos europeus e conseguem viver ainda assim”.
Por esta altura já se ouvia, em fundo, a voz da deputada do PS, Isabel Guerreiro, indignada com a pertinência da intervenção, acabando por pedir que a intervenção fosse apagada da gravação.
“Não pode o senhor deputado, com a devida vénia, fazer a intervenção que faz, fora do contexto e continuar a falar como se nada fosse. Não está na ordem de trabalhos e, portanto, eu não posso vir para aqui falar sobre o concerto que fui ver este verão, porque não está na ordem de trabalhos”, argumentou.
“Por esse facto”, prosseguiu, convicta, "acho que deve ser retirada da gravação e deve ser retirada essa parte da ata. Não pode ficar a constar”.
Conflito de interesses?
A Thermavelt, empresa detida a 40% pelo marido da (...)
O pedido da deputada socialista, feito naquela que é a “casa da democracia”, deixou vários deputados de “boca aberta”, com o PSD a lamentar o sucedido e a lembrar os anos da censura.
“Soubemos agora o que é voltar o ‘lápis azul’ à democracia e ao sistema político português. É uma circunstância absolutamente lamentável e só demonstra que este Governo, com esta maioria, tudo quer poder para levar a bom porto, as suas ideias”, inclusive “apagar declarações de deputados através do ‘lápis azul’”, afirmou, Luis Gomes, deputado social-democrata, presente na comissão.
Na rede social Twitter, o presidente do PSD não deixou passar o caso em branco. "Apagar intervenções de deputados no Parlamento? Isso é próprio das ditaduras", escreveu, Luís Montenegro.
Para o líder laranja, "este PS não tem emenda", uma vez que "em seis meses já mostrou que não é digno da maioria que o povo lhe concedeu”.
Entretanto, o PS já veio a terreiro apresentar ,formalmente, um pedido desculpa pelas declarações de Isabel Guerreiro.
“O PS pede desculpa à instituição parlamentar, à Iniciativa Liberal em particular e aos demais partidos que estiveram presentes na comissão pela forma infeliz como a senhora deputada do PS tinha solicitado a remoção de elementos da ata e da gravação da reunião que tinha decorrido”, disse o vice-presidente da bancada socialista.
No 'mea-culpa' , Pedro Delgado Alves argumentou que “a lei pode ser aprimorada e melhorada”.
Para o deputado, “tudo o que foi relatado e do que tem sido discutido”, a legislação atual “garante que não só, não há intervenção dos membros do Governo ou de quaisquer outros responsáveis políticos, quando estão em causa matérias que respeitam aos seus familiares próximos, como, para os próprios que são também objeto de inibições”.
Assim sendo, o PS diz-se recetivo a melhorar a legislação.
“Se forem propostas que possam aprofundar estas garantias e que assegurem transparentemente e com clareza que a legislação é boa, obviamente, temos manifestado recetividade para isso, nesta legislatura, na anterior e na anterior a essa”, declarou.
Apesar da questão ter ficado esclarecida, o líder da bancada da Iniciativa Liberal, deixou o alerta.
“Quando uma deputada do Partido Socialista tem o à-vontade para ter a atitude que teve, isso é um sintoma daquilo que é a prática e a forma como o PS governa e gere a coisa pública”, observou, Rodrigo Saraiva.
O deputado rematou, considerando que “este episódio” deve servir para o PS “fazer uma reflexão daquilo que é a sua prática que permite que deputados seus se achem ‘donos disto tudo’ e que se possam, inclusive, apagar atas e gravações de deputados democraticamente eleitos”, rematou.