24 mar, 2023 - 06:31 • Susana Madureira Martins
Na próxima semana, o Governo cumpre um ano de mandato e está previsto mais um Conselho de Ministros descentralizado, desta vez em Setúbal, que irá servir para aprovar o programa "Mais Habitação", após a discussão pública que termina esta sexta-feira.
Com a pressão de Marcelo Rebelo de Sousa e conhecendo o feitio de António Costa, os socialistas acreditam que a medida do arrendamento coercivo seguirá mesmo em frente. "Agora é que Costa não deixa cair a medida", acredita um deputado e dirigente do PS que desconfia que "se calhar era o que o Presidente queria".
A mesma fonte diz à Renascença que "mais depressa" o primeiro-ministro deixa cair a proposta do alojamento local ou "mexe nas exceções previstas na medida", que é, aliás uma hipótese que tem sido discutida no PS.
Um outro dirigente do partido acredita que Costa "é suficientemente casmurro" para apresentar a lei do arrendamento coercivo e "se for vetada diz que a responsabilidade não é dele", ficando o ónus em Marcelo.
A questão que se coloca, entretanto, é se o plano para a Habitação - ainda sem articulado, sem propostas em concreto e com o Presidente da República a manifestar tantas reservas - não fica fragilizado.
Um alto dirigente socialista responde à Renascença que isso só é hipótese "se for mal aplicado" e avisa: "o Governo não lhe pode dar razão"e "não tem licença para falhar". A ordem é para não dar o flanco a Marcelo na execução do programa.
Acusado pelo Presidente da República de ser "inoperacional", o plano que vai ser aprovado na próxima semana em Conselho de Ministros está, por isso, sujeito ou ao veto de Marcelo ou ao pedido de fiscalização ao Tribunal Constitucional.
Questionado se um eventual veto do arrendamento coercivo pelo Presidente da República é preocupante, um governante responde à Renascença com um taxativo "não", devolvendo a questão:"Porque é que haveria de ser preocupante?".
A mesma fonte argumenta que "a medida está longe de ser a mais relevante do pacote" e que "o que é criticável é dar essa relevância a uma medida que já existe em vez das restantes que têm um impacto brutal na vida das pessoas". Conclusão: Marcelo "é um Presidente da República apostado em gerar polémica".
À Renascença, um deputado e ex-dirigente nacional segue a mesma linha e questiona-se: "Vai vetar porquê? Porque acha que não vai produzir resultados? É suficiente?". Questões que levam a mesma fonte a concluir: "Se vetar, o PS aprova outra vez".
Este ainda é o tempo do Governo, como tem insistido o primeiro-ministro. Um governante admite à Renascença que, à medida que o processo avance, a tensão vá baixando. "Este pacote irá ao Parlamento e muito deste ruído diminuirá".
Entre os socialistas, o entendimento é que o programa para a Habitação "tem falhas", mas depois de ser encharcado de casos e casinhos o Governo "voltou a ter iniciativa política". O facto é assinalado por um dirigente socialista que nota ainda que esta semana "foi bom" Costa "ter anunciado mais medidas de apoio às famílias".
Em relação à Habitação agora "já não há nada a perder", admite a mesma fonte que reconhece que com o ruído em torno do arrendamento coercivo "o estrago já está feito".
As dúvidas de Marcelo em relação a esta medida prendem-se com a execução no terreno, sendo os autarcas peças fundamentais. Ouvido pela Renascença, o presidente de uma câmara socialista admite que no plano "há falhas, não é perfeito, mas tem coisas boas que devemos enaltecer".
Mas há quem tenha um ponto de vista mais radical sobre essas "falhas". Um dirigente e ex-governante do PS diz que as propostas em torno do arrendamento coercivo, o fim dos vistos gold e a limitação ao alojamento local "não têm pés nem cabeça".
A mesma fonte socialista adianta que Costa "devia perceber que um pacote de habitação resolve-se no imediato com rendas acessíveis, mas a prazo é difícil", tendo em conta que "criar habitação demora muito tempo, fazer uma casa em Lisboa são dois anos".
E em relação ao arrendamento coercivo de devolutos, o mesmo dirigente socialista levanta a questão: "Alguma câmara do país vai fazer isso?". Carregando mais nas tintas, condena o plano a "mera demagogia" e "uma imponderação global"
"Não se passa nada". É desta maneira que um ex-governante do PS resume o atual estado da relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Mesmo com a escalada na troca de galhardetes e assumindo que esta semana o tom tem estado no limite, os socialistas ouvidos pela Renascença desvalorizam a tensão entre ambos.
A relação entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa é vista muitas vezes pelo PS como algo bipolar, em que até se podem dizer coisas mais graves, com avisos para aqui e para ali, mas não há propriamente um corte.
Nas palavras de um alto dirigente socialista ouvido pela Renascença, os episódios à volta do programa "Mais Habitação" são "arrufos", antevendo que "depois caem nos braços um do outro". No mesmo sentido vai um ex-governante do PS que sintetiza: "O Presidente da República faz os números dele e o primeiro-ministro assobia para o lado".
Divertido, um membro do Secretariado Nacional reconhece à Renascença que, mesmo com a ordem no PS de não reagir a Marcelo, o primeiro-ministro "não resistiu" em atirar a frase sibilina no debate de quarta-feira no Parlamento e que toda a gente entendeu que tinha o Presidente da República como alvo.
“A razão pela qual eu prefiro funções executivas a outro tipo de funções políticas é que noutras funções fala-se, fala-se, fala-se. Mas no executivo ou se faz ou não se faz, e a medida do que se faz está nos resultados”, atirou Costa a meio da discussão.
Questionado sobre se Costa esteve no limite e se é para continuar este tipo de resposta a Marcelo, um dirigente do PS diz à Renascença que ficou "satisfeito com as intervenções do primeiro-ministro", apesar de se assumir como "ainda mais crítico do Presidente da República" do que o líder se mostrou em plenário.
Mesmo com a relação Marcelo/Costa a parecer tremida nos últimos dias, o ambiente entre os socialistas é de alguma distensão, mesmo que o Presidente acabe por decidir contra o Governo sobre o pacote da Habitação.
"Com Marcelo é sempre assim, há um equilíbrio na corda bamba", resume um deputado e dirigente nacional socialista que antevê que "provavelmente, nos próximos dias já vai estar menos desequilibrado".
Um ex-governante do PS diz ainda à Renascença que, passados sete anos, a relação entre Costa e Marcelo é do tipo "não se passa nada, está sempre tudo bem" e conclui com um "sim, esse é o género (errado) do primeiro-ministro e do Presidente da República".
A mesma fonte acredita que Marcelo "só fala motivado por razões de popularidade, diz o que acha que é popular em determinado momento". E um outro ex-governante e dirigente socialista acrescenta: "se há característica que o Presidente tem é por o dedo de fora do carro e ver para onde corre o vento".
O desanuviamento pode acontecer já esta sexta-feira e até domingo, já que Costa e Marcelo irão estar juntos na cimeira Ibero-americana na República Dominicana e depois na visita ao Luxemburgo onde irão estar com a comunidade portuguesa e à noite no mesmo camarote, lado a lado, a ver o jogo da seleção nacional de futebol.