25 abr, 2023 - 16:52 • Pedro Valente Lima
No 49.º aniversário da Revolução dos Cravos, a animosidade das ruas transpareceu dentro das quatro paredes do Parlamento - muito devido à presença de Lula da Silva.
O protesto contra o convite ao Presidente brasileiro fez-se ouvir nos próprios discursos e inclusivamente nas bancadas, com os deputados do Chega a encetarem uma coreografia com cartazes e a baterem com as mãos na madeira - o que mereceu repreensão do Presidente da Assembleia da República.
Precisamente Augusto Santos Silva que inaugura a sessão, relembrando que "o cravo vermelho que hoje celebra a nossa liberdade simboliza a liberdade pela qual também lutam os ucranianos".
Já no momento da sua intervenção, Lula da Silva frisou a "inconfundível sensação de estar em casa". Durante a sua visita de três dias a Portugal. "Um sentimento que acredito é partilhado por todos os brasileiros que estão em Portugal e todos os portugueses que estão no Brasil."
O Presidente do Brasil salientou ainda o significado que a Revolução dos Cravos tem para o seu país, nomeadamente na resistência à ditadura militar brasileira, que viria a cair em 1985: "A canção 'Grândola, Vila Morena' também embalou a nossa luta".
Rui Tavares inaugurou as intervenções dos deputados na sessão solene do 25 de Abril, relembrando que "a nossa democracia não só não está garantida, como vive o momento de maior risco desde a revolução".
O líder do Livre deixou ainda o aviso para a ameaça dos "novos autoritários", que não têm "coerência", "a não ser a vontade desmedida de mandar". Relembra ainda a invasão ao Capitólio, nos EUA, sublinhando que os "mais conservadores" se demonstram "incapazes de aceitar a mais mínima crítica" e, na rua, "misturam suspeitos de crimes e políticos comuns".
Já a líder do PAN revelou "embaraço" pela forma como Lula da Silva foi recebido no Parlamento, um representante do "nosso povo irmão".
Inês de Sousa Real acabou por também deixar um recado a alguns deputados: "O ódio continua a falar mais alto, mesmo na casa da democracia, do que a tolerância e o respeito".
Na sua vez de discursar, Catarina Martins também apontou baterias à extrema-direita, referindo-se a um "bafio antidemocrático e do 'salve-se' quem puder", que "é invariavelmente alimentado pela lama de desesperança e do medo, que transforma a política num debate vazio".
No entanto, a líder do Bloco de Esquerda relembra que este "bafio desaparece pelo mesmo sol que germina a semente. Saibamos cuidar a semente de Abril".
Para Catarina Martins, "o maior perigo das celebrações de Abril é que se transformem em cerimónias fúnebres".
À semelhança do Chega, também a Iniciativa Liberal não se coibiu de criticar a presença de Lula da Silva no Parlamento. Rui Rocha, líder do partido, sublinha que Lula da Silva "não deveria ter sido recebido" na Assembleia da República nas celebrações do 25 de Abril.
"Não deveria ter sido recebido neste dia. A defesa da nossa liberdade não é compaginável com o branqueamento das tiranias do mundo."
Recordando que a liberdade foi conquistada "a pulso", o presidente dos liberais reiterou que "o 25 de Abril não tem donos" e, caso tivesse, não se "cumpriria a vontade de devolver o país a todos os portugueses".
Já André Ventura frisou que "de nada vale celebrar Abril" se a justiça não funcionar: "De nada vale celebrar Abril se não concretizarmos aquilo que os portugueses mais esperam de nós, que a justiça verdadeiramente chegue a este país. E ela tarda tanto, tanto, tanto, que muitos já perderam a fé e a esperança".
O líder do Chega deu o exemplo de José Sócrates, antigo primeiro-ministro, como "suspeito de roubar os portugueses em milhões de euros milhões", antecipando que "não irá provavelmente a julgamento".
"Quem roubou milhões anda de cravo ao peito, mas fica com os milhões na carteira."
A representar a bancada comunista, subiu ao púlpito Manuel Loff, que também aproveitou o momento para realçar a ameaça do fascismo e da falta de concretização de direitos.
"Praticamente meio século depois do 25 de Abril e das melhores esperanças que nele depositaram milhões de portugueses, milhões de democratas por todo o mundo que sentiram a nossa Revolução como sua, a democracia está sob ameaça."
O deputado do PCP considerou ainda que o Governo não pode celebrar o 25 de Abril enquanto deixa "degradar as condições de vida".
Já do lado do partido do Governo, João Torres reforçou o significado da maioria absoluta conquistada pelo PS, destacando que "melhorar a democracia é respeitar a vontade popular, a estabilidade, os mandatos que o povo confere".
O secretário-geral adjunto dos socialistas acabou por repetir uma das ideias gerais dos discursos no Parlamento: a ameaça da extrema-direita. "Hoje, os ataques à democracia chegam, desde logo, através daqueles que se sentam à extrema-direita neste hemiciclo."
Do principal partido da oposição, Joaquim Miranda Sarmento falou numa "forte degradação da vida política e da qualidade das instituições", que poderá provocar um aumento dos populismos, "quer de extrema-direita, quer de extrema-esquerda".
O líder parlamentar do PSD aproveitou também o momento para criticar a governação do PS, responsável por "25 anos de empobrecimento". "São uma consequência das políticas erradas de um Partido Socialista, que governou 21 dos últimos 28 anos, e com o PSD a governar sempre em emergência financeira", apontou.
No final, chegou a vez de Marcelo Rebelo de Sousa discursar, relembrando que "o supremo senhor do 25 de Abril se chama povo". "E o povo vai escolhendo, com sentido de Estado, com bom senso, com moderação e com boa educação, ao longo do tempo, o 25 de Abril que quer".
Entre outras questões, o Presidente da República acabaria por tocar em tópicos como a xenofobia, criticando os portugueses que são "egoístas perante os dramas dos imigrantes". Marcelo chegou também a equacionar um pedido de perdão pelo período colonialista português.
Mas no que toca ao 25 de Abril, o chefe de Estado português não tem dúvidas: "Este é um tempo de esperança, porque a liberdade e a democracia, mesmo quando nos trazem muitas desilusões - a sensação de tempo perdido, de adiamento -, dão-nos sempre a esperança que a ditadura não tolera, que é a esperança na mudança".