15 mai, 2023 - 13:52 • Inês Braga Sampaio , Daniela Espírito Santo
Fernando Negrão defende que é urgente encontrar soluções para o inverno demográfico, caso contrário corre-se o risco de a temática ser dominada por quem defende uma regressão cultural.
No discurso final na conferência "Inverno Demográfico em Portugal - O Papel da Imigração", organizada pela Renascença, esta segunda-feira, em Vila Nova de Gaia, o deputado e presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (CACDLG) defendeu que o envelhecimento da população "é o tema crucial da sociedade portuguesa".
"Há correntes de pensamento que dizem que tudo isto acontece porque a mãe saiu de casa para ir para o mundo laboral. Isto nos tempos de hoje é um erro. Há correntes de pensamento no mundo anglo-saxónico em que a estratégia é esta: regressar aos muitos nascimentos de crianças com a mãe em casa. Em Inglaterra, há uma elite muito forte que começa a professar estes princípios da mesma forma. Portanto, estamos numa situação em que se nada fizermos, alguém arranjará soluções desta natureza", declara.
A idade média da mãe no nascimento do primeiro filho, em 1960, era de 25 anos. Em 2002, era de 30,8 anos.
"Um problema muito grave", assinala Fernando Negrão, que dá um exemplo próximo para sustentar que as mulheres são mães cada vez mais tarde: "A minha mulher que é obstetra tem uma média de 40% com mais de 40 anos, para obstetrícia. Para ter filhos."
Em 1960, nasciam cerca de 235 mil crianças por ano. Em 2022, 83.760, quase metade.
Em 2021, o número de filhos por mulher em idade fértil era de 1,35. O ponto de renovação das gerações é de 2,1 filhos por mulher em idade fértil.
Em suma, "o número de filhos que nascem hoje em dia por mãe não é suficiente para renovar as gerações".
O problema é mais evidente quando se passa para o plano macroscópico. Na média europeia, segundo Negrão, a população envelheceu 2,5. Em Portugal: 4,7.
"Portugal é dos países em que se envelhece mais e mais depressa e a demografia nunca foi uma prioridade nas governações que temos tido ao longo do tempo. De acordo com o Population Survey da União Europeia, em 2100 seremos 6,6 milhões. Existem outros estudos com projeções muito mais pessimistas. Uma fundação alemã prevê que em 2100 Portugal terá 4,5 milhões de habitantes", revela.
Para facilitar as contas, segundo o Censos de 2021, Portugal tem cerca de 10,3 milhões de habitantes. Ou seja, o número pode cair para menos de metade.
Um problema "grave" para o qual urge encontrar soluções, mas que, segundo Fernando Negrão, "não tem tido a devida atenção por parte dos responsáveis políticos na definição de prioridades".
"Para isso, é preciso ter estratégias, mas, como temos assistido nas últimas décadas, estratégias para o país tem havido muito poucas e setoriais. Acho inacreditável como vivemos num país com problemas demográficos da gravidade do nosso", denuncia.
Conferência "Inverno Demográfico em Portugal"
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As consequências são "notórias" no mundo do trabalho, na assistência na saúde e na segurança social. Assim, é fundamental criar condições para que os casais possam ter filhos, para que queiram, efetivamente, tê-los.
"Qual é a prioridade de um casal quando pensa em ter um filho? É na educação, que começa cada vez mais cedo e pelo apoio para que o pai e a mãe possam trabalhar", indicou.
O presidente da CACDLG referiu que se ouve falar muito do Plano de Recuperação e Resiliência, mas fica "sempre à espera de saber se vão falar das creches, porque ainda há muita criança que não tem acesso às creches grátis que o Governo legislou".
Fernando Negrão deu o exemplo de França, que tem a taxa de natalidade mais alta da Europa há 30 anos, porque "trabalha em todos os orçamentos em prol da demografia e em prol das famílias".
O inverno demográfico contraria-se com o encorajamento da natalidade, mas também com saldo migratório positivo. Ou seja, que a entrada de estrangeiros no país seja superior à saída de jovens portugueses.
Fernando Negrão critica as políticas de incentivo à imigração adotados na maioria dos casos. Acredita que é preciso ir ao mercado de trabalho “com um enorme cartaz” a dizer, a quem quiser vir trabalhar para Portugal: “Bem-vindos, venham. Nós temos uma política para integrar. Mas não temos”, lamenta.
É preciso, adianta, criar condições para que estes trabalhadores fiquem, criem raízes e criem os seus filhos.
A extinção do SEF, que também já tinha sido mencionada na conferência por José Luís Carneiro, foi novamente abordada por Negrão, que acredita que o facto de ainda existir, “apesar de ter sido extinto há dois anos” é um problema que “veio atrasar e impedir o delinear de uma estratégia e um plano de acolhimento dos imigrantes”.
“Passamos a ter imigrantes em filas de horas, dias meses… muitos meses para conseguir resolver um problema de um papel”, desabafa.
Tal não ajuda o país, que tem “um problema gravíssimo de mão de obra”. “Por que é que o Estado não dá uma resposta rápida e atempada a este problema? Não tem dado e continua a não dar”, critica.
Um passo que já foi dado, “e bem”, foi a alteração da lei dos estrangeiros mas Negrão continua a defender que “tem de ser feita a concretização das medidas”. Os serviços públicos “continuam sem capacidade para dar resposta”.
Agora, “é necessária a criação de estratégias para agilizar a concretização das medidas”.
“Não há um grupo parlamentar que tenha apresentado uma estratégia para a imigração”
Também os restantes deputados foram alvo de crítcas do presidente da CACDLG, que garante não haver iniciativa. “Não há um grupo parlamentar que tenha apresentado uma estratégia para a imigração em Portugal”, denuncia.
Junta-se a isso o facto de termos, diz, o “mau hábito” de não falarmos “quando o problema é grave”. Quem beneficia de tal facto são “os partidos radicais”, “especialmente um que tem trabalhado na exploração desta temática”, acusa.
Como combater esta narrativa? Deixar de olhar para os imigrantes “de forma diferente”.
“Fazem parte do nosso país, fazem parte do desenvolvimento do país”, salienta, lamentando, repetidamente, a falta de estratégia de Portugal.
“Aqui não pode haver questões partidárias”, remata.
O deputado considera que o papel das Câmaras Municipais e da comunicação social é crucial, no sentido de "forçar os políticos e os partidos políticos" a tomar medidas de rejuvenescimento da população.
"Precisamos urgentemente, sob pena de a economia soçobrar e de as famílias deixarem de ter filhos, de uma estratégia para a natalidade, de uma estratégia para a imigração e de uma estratégia para a integração", concluiu.