18 mai, 2023 - 16:34 • Tomás Anjinho Chagas
Mais de um ano depois da queda do PAN nas legislativas, o partido vai a votos e decide, este sábado, entre Inês Sousa Real e Nelson Silva. Durante meses, foram colegas de bancada no Parlamento e agora vão disputar o lugar de porta-voz do PAN,
Em entrevista à Renascença, Inês Sousa Real assume que a atual direção do PAN cometeu erros na campanha das legislativas em 2022, mas lembra que o seu adversário também pertencia a essa direção.
A atual porta-voz do partido mantém aberta a possibilidade de negociar com o PS e PSD, está confiante na vitória no Congresso Eletivo e diz contar com Nelson Silva se ganhar. Apesar disso, garante que o seu adversário não vai ser o candidato do PAN às europeias, possibilidade admitida pelo próprio em entrevista à Renascença.
Inês Sousa Real vai apostar numa juventude partidária, diz que é preciso "honrar" os ex-líderes (onde se inclui André Silva) e diz sentir-se acarinhada pelos filiados do PAN.
Opositor de Inês Sousa Real quer partido mais aber(...)
Depois das eleições legislativas, em que o partido perdeu três dos quatro deputados, não colocou o lugar à disposição porque queria ouvir o partido. O PAN não esteve a perder tempo?
De forma alguma. Quando em 2021 assumimos esta liderança da direção, fizemo-lo numa altura muito complexa do ponto de vista interno, mas também externo do partido. O PAN tinha perdido um eurodeputado, tinha perdido também uma deputada do grupo parlamentar, fomos para eleições autárquicas, mas não estávamos a contar que o país fosse novamente para eleições a meio de um mandato. E, nesse sentido, esta direção apanhou um período muito complexo, quer da vida interna do partido, quer daquilo que era também o contexto político, de alguma forma conturbado que acabou por toldar os resultados eleitorais.
Nesse sentido entendemos por bem ouvir aquilo que os filiados tinham a dizer em relação aos resultados eleitorais e em relação a um eventual Congresso Eletivo. Houve uma vontade inequívoca por parte dos filiados, não só que a direção se mantivesse em funções, tendo em conta o contexto em que estávamos a assumir e que em que praticamente em seis meses dificilmente se aplicaria uma estratégia e a visão que temos de crescimento para o partido; como seria também uma forma de continuarmos a trabalhar para recuperar a confiança do voto dos portugueses e a ampliação da nossa representação em futuros atos eleitorais.
Se ia recandidatar-se, não teria mais crédito político se tivesse antecipado o Congresso Eletivo logo para depois das eleições?
Nós temos que olhar às vezes com alguma serenidade para a vida política, que não se presta muitas vezes aos impulsos ou àquilo que possa ser o precipitar de decisões sem ouvirmos diretamente os vários filiados e filiadas em vários pontos do país.
Houve uma clara decisão no sentido de não quererem antecipar um Congresso Eletivo. Nesse sentido, temos que saber também, por um lado, respeitar a vontade interna, como, por outro, o foco do PAN teria que ser necessariamente o trabalho político, e não estarmos a perder em questões internas. Já vimos o mau resultado que deu noutros partidos.
Quando nos candidatamos a uma liderança, não é só para os bons resultados, também é para os maus momentos que os partidos possam atravessar. Da minha parte, serei sempre a última a abandonar o navio, porque é muito fácil sermos líderes quando temos bons resultados. Quando existem maus resultados o desafio é maior, e continuamos cá para abraçar esse desafio de levar o PAN a bom porto.
Em entrevista à Renascença, o seu adversário, Nelson Silva, criticou as escolhas da atual direção por não ter conseguido passar uma mensagem durante a campanha das legislativas e de estar demasiado colada ao PS. Como é que responde a isto? Nelson Silva também tem responsabilidades nesta estratégia?
Tem responsabilidades e tem de fazer um exercício de memória, porque participou de todas essas decisões e, aliás, deu sugestões para toda essa estratégia. Evidentemente, não quer dizer que, no balanço que é feito posteriormente, não haja uma reflexão do que é que correu menos bem.
Uma das questões que identificámos foi que o facto de o PAN ser um partido que representa causas e que tem no seu ideário uma componente ambiental e de proteção animal - que, em nosso entender, deve ser transversal aos vários espectros políticos - não deve gerar confusão. Quando dizemos que não somos nem de esquerda nem de direita, mas sim um partido progressista, não pode gerar confusão naquilo que possa ser a perceção do eleitorado de que estamos disponíveis para viabilizar qualquer governo.
Essa confusão existiu, mas a responsabilidade foi de uma direção da qual Nelson Silva fez parte. Da qual tomou e participou e concordou e até instigou a esse tipo de decisões. Portanto, parece-me absolutamente falacioso esse tipo de argumentário. Mas, como digo, o nosso foco é no trabalho, reconquistarmos a confiança do nosso eleitorado, e garantirmos que o PAN consegue ampliar sua representação.
Isso significa que reconhece que houve erros. Se pudesse voltar atrás, o que é que teria feito diferente nessa mensagem a passar aos eleitores, numa em que a campanha se baseou numa dicotomia entre PS e PSD?
É evidente que nós quando fazemos um balanço é fundamental reconhecermos os erros, mas também aquilo que é a experiência que vai sendo adquirida. Estávamos num primeiro mandato, seja como porta-voz, seja enquanto direção, nós somos ativistas das várias causas que formam o nosso ideário, portanto, não sendo políticos de carreira é normal que erros sejam cometidos.
A verdade é que hoje, com a informação que detemos, há toda uma experiência. Faríamos as coisas, ou parte delas, de forma diferente. Houve um contexto político muito particular que condicionou o resultado eleitoral e que deu a maioria absoluta ao Partido Socialista. Houve um voto de medo em relação àquilo que era a ascensão da extrema-direita, que claramente condicionou esse resultado. Sabemos que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. Podemos ter cometido erros, mas o resultado não pode ser imputado única e exclusivamente ao trabalho que o PAN fez.
Posto isto, há uma mensagem que é importante passar e que as pessoas tenham a perceção: o PAN tem sido o partido da oposição que mais conquistas tem conseguido na Assembleia da República. É importante que os portugueses saibam que o PAN é verdadeiramente uma alternativa política. Não é tanto estarmos a discutir a quem é que partidos como o PAN vão apoiar, mas o que é que as pessoas podem contar quando votam em nós.
Quando conseguimos acabar com os estágios profissionais não remunerados ou alargar o prazo de prescrição para os crimes com vítimas de abuso sexual, ou até mesmo baixar a carga fiscal num conjunto de produtos que vão desde os queijos vegetais aos cremes, às manteigas vegetais, ao IVA das bicicletas ou até mesmo ao cabaz com IVA zero, que tem sido uma das medidas que o PAN mais se bateu desde que a inflação começou a subir. Tudo isso foi pela mão do PAN. A par dos 13 milhões do PAN de euros para a causa animal.
Se vencer no sábado, há alguma coisa que tenha pensada para mudar o rumo do partido?
Nós temos aqui uma estratégia, que faz parte da proposta de alteração dos estatutos, que se prende, por um lado, com a questão da representatividade dos próprios órgãos internos para que haja mais comunicação e para que haja aqui um diálogo mais permanente do ponto de vista interno. Por outro lado, também a nossa estratégia externa passa pelos canais de comunicação - não quero ser spoiler - mas iremos lançar em breve duas campanhas muito interessantes a relativamente àquilo que são as nossas causas e ao nosso formato de comunicação.
Neste momento já lançámos o Correio de São Bento, o contato direto com a Assembleia da República, que está aberto, mas vamos lançar aqui dois formatos de comunicação, caso venhamos evidentemente a ser eleitos.
Considera que o partido deve afastar-se do centro e voltar a ter causas mais fortes. Ou acredita que essas pequenas conquistas que têm feito Orçamento a Orçamento são o caminho do de um partido como o PAN?
As duas coisas não são antagónicas. (…) Nós estamos muito habituados em política a que as pessoas olhem para esta velha dicotomia de esquerda versus direita. E quando algum partido diz que não se identifica nem com a esquerda, nem com a direita, fica sem se perceber onde é que nós nos posicionamos em matérias económicas, por exemplo.
Somos - e com orgulho, pelo menos para esta direção - um partido de génese animalista e ambiental e é evidente que estamos aqui a trazer para a vida política uma diferença que nos distingue de todas as demais. Somos uma força que se distingue por aquilo que se distingue por aquilo que é a sua génese identitária, na Assembleia da República, e não devemos ter nenhum complexo com isso. Mas isso não significa que não deva haver um debate ideológico e por isso é que propusemos isso na nossa moção.
E na relação que estabelece com os dois principais partidos? Deve continuar aberto a estabelecer acordos com o PS e PSD?
Nós temos feito a oposição de forma construtiva. Isso não significa que não sejamos críticos como temos sido. Basta ver estes últimos episódios de instabilidade governativa para perceber que o PAN tem sido uma voz muito crítica em relação ao governo, na condução de toda esta trapalhice que temos visto com a gestão da TAP e com o caso do ministro João Galamba. Mas isso não significa que o PAN se demita de fazer pontes de diálogo, precisamente para fazer avançar as suas causas.
A pista de quem concorre com uma política de terra queimada já está mais do que ocupada. Não queremos estar aqui a mimetizar movimentos populistas antidemocráticos- que podem até estar a crescer- mas isso significaria trair a nossa étnica e integridade do ponto de vista das causas.
Para nós é mais importante que, ao final do dia, quando fechamos a loja, saber que acabamos com estágios profissionais não remunerados, por exemplo.
Não nos faz qualquer tipo de sentido estarmos aqui a ser apenas uma força política que vem contestar só por contestar e que não oferece alternativas. Há uma postura diferente que continuaremos a ter, seja qual for a força política que esteja no Governo.
Em relação à sua recandidatura, não considera que tem a imagem política gasta depois destes anos à frente do PAN?
De forma nenhuma. Estamos a falar de um mandato de dois anos, não estamos a falar de uma década de liderança. Pelo contrário, tenho sentido um grande carinho por parte dos nossos filiados, quer por parte do eleitorado e até de pessoas que não votando no PAN, simpatizam connosco e com o nosso trabalho.
Estou no PAN desde a fundação, sempre fui voluntária, sempre colaborei com o partido e onde é onde está o meu coração. Sinto que há muito trabalho ainda a fazer, tendo em conta que estes últimos dois anos foram tão complexos e tão atribulados. Nós passamos por uma pandemia, por uma guerra, por um Estado de emergência, por atos eleitorais completamente inusitados. Não houve espaço para implementarmos a nossa visão estratégica para o partido. Decidi abraçar este desafio de me recandidatar, enquanto porta-voz, porque para além daquilo que sinto que possa ainda dar ao partido, eu recordo que em política eu sou apenas a quinta mulher a liderar um partido.
Nessa perspetiva, sinto também que há um exemplo aqui que temos e que continua a ser preciso dar na nossa sociedade, porque infelizmente, a nós mulheres facilmente nos perguntam isso, se já não nos esgotámos, se o nosso lugar não deveria ser outro sítio que não na política. Temos aqui uma oportunidade não só para defender as nossas causas, como também de, como mulher, poder representar aquilo em que acredito, até como feminista.
Na leitura que faz do partido, e já disse que se sentia “acarinhada”, tem boas hipóteses de voltar a vencer no sábado?
Nós apresentámos as nossas listas de delegados ao Congresso nas várias distritais. A lista “Pelas causas que nos une” representa 70% dos delegados eleitos. É evidente que prognósticos só depois do jogo, mas as perspetivas são positivas. O balanço é positivo até esta data, o que faz com que tenha uma responsabilidade acrescida, até porque vamos ter desafios muito em breve, com as eleições na Região Autónoma da Madeira, vamos ter também eleições ao Parlamento Europeu daqui a um ano e para nós será fundamental resgatar e recuperar o voto de confiança dos portugueses no PAN.
Nelson Silva disse que se ele vencesse Inês Sousa Real seria bem-vinda ao partido. Se Inês Sousa Real vencer, conta com Nelson Silva?
Nós iremos contar com todos aqueles que estejam disponíveis para trabalhar em prol do PAN e há uma proporcionalidade de eleição para a Comissão Política Nacional.
Apesar de, quer Nelson Silva, quer a lista que encabeça, já terem demonstrado no que não poderíamos contar com eles no momento em que o PAN mais precisava; contarei com todos aqueles que vierem por bem depois deste ato eleitoral. O PAN precisa de estar forte, unir e ter pessoas que trabalhem em prol das suas causas.
E pessoas como, por exemplo, André Silva (ex-líder do PAN), também são bem-vindas?
Todos os anteriores porta-vozes, os fundadores do partido, todos aqueles que quiserem contribuir positivamente para o partido, serão sempre bem-vindos. Há um legado que nós temos que honrar. O PAN não surge nem se esgota nos seus porta-vozes, é feito por um coletivo, às vezes muito invisível, que trabalha diariamente para o partido. Temos de saber honrar não só os nossos fundadores, os anteriores porta-vozes, Paulo Borges e André Silva, o legado que estamos a herdar, mas também o legado que irei deixar.
Vamos criar a Juventude, para que haja esta renovação de quadros dentro do partido. Acreditamos que a juventude também poderá contribuir para o crescimento do PAN, para a aproximação de mais jovens da vida política. Mais do que olharmos para o passado, temos de olhar para o presente e para o futuro, aquilo que acaba por ser o legado que queremos deixar.
Nelson Silva disse que estaria disponível para ser, por exemplo, candidato do PAN às europeias do próximo ano. É uma possibilidade?
Não faz qualquer tipo de sentido esse tipo de candidatura.
Nelson Silva não esteve comprometido com o PAN. Nós não estamos aqui para arranjar cargos às pessoas, estamos aqui para lutar pelos nossos ideais e pelas nossas causas.
O candidato escolhido por esta lista será alguém fortemente comprometido com as causas do PAN e que represente o nosso ideário.
Lamento a visão que Nelson Silva traz para a sua candidatura em que quer, por exemplo, deixar cair a causa animal. Não representa de todo o ideário do PAN e, portanto, não será certamente uma escolha desta liderança.