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Mariana Mortágua contra o "pântano". Nova líder do BE promete "luta pela vida boa"

28 mai, 2023 - 13:04 • Tomás Anjinho Chagas , Pedro Valente Lima

Deputada sucede a Catarina Martins como coordenadora do Bloco de Esquerda com o objetivo de recuperar deputados e fazer frente à maioria socialista.

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A deputada Mariana Mortágua foi eleita, este domingo, nova coordenadora do Bloco de Esquerda. Na Convenção do partido, no Pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, a moção A, derrotou a Moção E, liderada por Pedro Soares.

Nas eleições para a Mesa Nacional, de onde sai o coordenador, deram 490 votos à Moção A, 95 votos à Moção E, 13 votos em branco e 2 votos nulos. Mariana Mortágua é assim eleita a nova coordenadora do Bloco de Esquerda.

No discurso dirigido aos militantes, a deputada bloquista reforçou existirem "razões para sentir toda a esperança do mundo, numa sala a abarrotar de força".

"Sabemos perfeitamente aquilo que nos une: a consciência de que tanto do que temos e que amamos foi conquistado por quem veio antes de nós. E a certeza inabalável de que o nosso lugar é lutar para conquistar outro tanto, para responder aos problemas da vida e dos portugueses."

Mariana Mortágua rejeita quaisquer "vozes de resignação, de confusão e muito menos de medo" no Pavilhão do Casal Vistoso. "Aqui falamos da vida que queremos ter", afiançou.

"[Falamos] de como protegemos os rendimentos do choque dos juros, como destruímos as teias da corrupção, como conseguimos o acesso à saúde e a educação de qualidade, como se mobiliza a greve feminista internacional, como damos força à luta por melhores salários, por sindicatos abertos e democráticos, como se organiza uma mobilização antirracista, uma campanha pelo clima, como garantimos que os direitos LGBT continuam a marchar cada vez com mais força."

"Estes 24 anos são só o começo do Bloco", exclamou, perante uma forte ovação dos militantes presentes.

"Não deixamos a política entregue ao pântano em que verdade e mentira se confundem"

Ao longo do discurso, a nova líder bloquista também apontou à "degradação da vida pública", perante a qual o Bloco de Esquerda precisa de mostrar que "a política é e sempre será o lugar das causas e das convicções".

"Não deixamos a política entregue ao calculismo, nem a esse pântano em que a verdade e a mentira se confundem. A nossa política é uma paixão maior do que qualquer circunstância. É uma forma de impaciência, é uma vontade que ninguém pode domar."

Mariana Mortágua também deixa uma mensagem aos adversários, "para quem a esquerda é sempre um projeto condenado, a prazo": "Já nos conhecem, mas não viram nada da força que vamos saber criar, reinventar, construir, unir".

"Estes 24 anos são só o começo do Bloco."

A coordenadora eleita aponta, assim, para a "força dos mais jovens do Bloco", daqueles que "chegaram na luta contra a troika", de quem confiou no partido durante a geringonça, que o PS sempre quis dispensar", ou das mulheres que exigem "igualdade para a sociedade". E sobretudo, a "força de quem veio das lutas antigas para ligar o fio da memória aos combates de hoje".

"Esta é a força de um Bloco capaz de criar uma alternativa para o nosso povo. Porque, afinal, como canta Caetano [Veloso]: 'Gente é para brilhar'."

"Instalou-se um poder absoluto que só parece ocupado com o dramalhão do 4.º andar de um ministério"

Mariana Mortágua deixa várias farpas à extrema-direita e ainda ao governo de António Costa, que diz estar a acusar cansaço.

Para a nova líder bloquista, o "desgaste da vida democrática não é só provocado pelos arruaceiros que gritam contra ela". "É criado por quem descredibiliza a República com embaraço atrás de embaraço", sublinha, apontando para os casos a envolver o executivo socialista.

No entanto, esse desgaste não se reserva apenas às polémicas, apontando o dedo a "quem acha que o sucesso de um Governo é estar a empobrecer os cidadãos, enquanto se abre o champanhe do défice e do crescimento económico".

"Os salários e pensões ficam mais pequenos, mas o Governo pede que agradeçam o excedente orçamental. Os serviços públicos definham, mas, por favor, deem palmas ao PRR."

"Não há pior vício neste Governo do que festejar triunfos que são um tormento para as pessoas."

Para Mortágua, num "novo ciclo de incertezas, instalou-se um poder absoluto que só parece ocupado com o dramalhão do 4.º andar de um ministério, em que, para alguns governantes, as suas carreiras pessoais são mais importantes do que os seus deveres".

"A política é gerida ao sabor de aprendizes de feiticeiro e 'spin-doctors', em que os anúncios de hoje de nada valem amanhã. As patologias do poder transformaram a política num triste entretenimento."

"Para resgatar o país deste jogo vicioso, é preciso uma esquerda frontal. Não somos cravos de lapela"

É neste sentido que a nova coordenadora fala de uma "vida democrática enxovalhada", sobretudo por um governo que "se submete a regras orçamentais [da Comissão Europeia] que destroem a nossa capacidade de investir ou de planear o nossos futuro".

"A vida democrática é enxovalhada quando o Governo se submete a regras orçamentais que destroem a nossa capacidade de investir ou de planear o nosso futuro. A vida democrática é diminuída quando o Governo se submete ao sadismo do Banco Central [Europeu], que sabe, que estudou, que escreveu que a inflação é causada pelos lucros, mas que ainda assim insiste em castigar o salário e quem trabalha."

Para Mortágua, o "labirinto deste entretenimento triste não consegue esconder as evidências esmagadoras". "Tudo é fácil para quem torna impossível a vida da maioria."

"Sabemos que o mal não é de hoje, porque sempre denunciámos o sistema de poder económico absoluto, que agora assume esta forma de especulação imobiliária para o turismo e para a finança. O milagroso crescimento económico é um logro, porque Portugal nunca se libertou da prisão do rentismo."

Face ao "jogo vicioso" do executivo de António Costa, a nova líder bloquista salienta que, "para resgatar o país, é preciso uma esquerda frontal". "Quero dizê-lo com muita clareza: a esquerda que desistir de ser exigente para aceitar a chantagem do medo não serve ao país. Não somos biombos de sala, não somos cravos de lapela."

"As sementes do ódio estão aí"

É perante um "jogo perigoso" de política que Mortágua alerta para a extrema-direita: "As sementes do ódio estão aí". "Há na direita uma ânsia de vingança contra os trabalhadores, de desprezo pelos pobres, de regressão dos direitos que conquistámos a pulso", frisa.

A recém-eleita coordenadora do Bloco de Esquerda aponta que "a direita, que bebe do ressentimento e da angústia dos problemas reais é a primeira a querer impos medidas contra o povo, a apoiar a especulação imobiliária, os interesses da banca, a venda ao desbarato dos recursos estratégicos do país, que são nossos e constroem a nossa democracia".

"Se escolheram contar comigo, mesmo sabendo das perseguições da extrema-direita ou de uma nata da comunicação social, então vamos a isso! Que essa gente sem escrúpulos saiba que este partido não se cala perante o abuso e não se encolhe perante a intimidação."

Objetivos traçados: oposição na Madeira e crescer na Europa

Ao longo de um discurso de mais de meia hora, a coordenadora eleita também enumerou alguns dos principais objetivos eleitorais no curto prazo. Na Madeira, com as eleições legislativas regionais em contagem decrescente, o Bloco quer "erguer a oposição a Miguel Albuquerque".

"A oposição que não se cala perante os interesses que abraçam o PSD e o PS Madeira. Haverá uma oposição que leva a sério a vida dos madeirenses. Essa oposição terá a força do Roberto Almada no Parlamento da Madeira a partir de outubro."

Já quanto às eleições europeias do próximo ano, a deputada bloquista revela "entusiasmo e determinação" para que o partido se torne na "terceira força" política, ultrapassando Chega e Iniciativa Liberal e "enfrentando as alianças da extrema-direita". "Para mostrar que há aqui uma esquerda que disputa a política de sempre do PS e do PSD."

"Não aceitamos que Bruxelas e Frankfurt nos imponham austeridade, que obstruam a possibilidade de uma política industrial, ou que decidam a que serviços públicos estamos autorizados a ter. Não alinhamos em devoções belicistas, não aceitamos as trincheiras da guerra nem nos deixamos condicionar por tiranos que usam o seu poder para o massacre."

"Vi de perto a força imparável da Catarina Martins"

Numa palavra de apreço à antecessora, Mariana Mortágua realça a "força imparável de Catarina Martins". "Desde o primeiro dia dos seus mandatos, a Catarina provou ser a melhor de todas nós e de todos nós."

"Podes ter a certeza, Catarina, que contamos contigo para todos os anos que estão para vir."

Ao longo de mais de 10 anos de liderança de Catarina Martins, a nova líder bloquista fala de um percurso de conquistas, que "muitos achavam inviáveis": "Revertemos cortes de salários e de pensões impostos pela direita, baixámos o valor das propinas e dos passes sociais, tributámos patrimónios milionários para proteger a Segurança Social e não cedemos na luta pelo SNS."

Mesmo nos últimos momentos de Catarina Martins como coordenadora do BE, Mariana Mortágua exalta a promulgação do direito à morte medicamente assistida. "Com a força simbólica de concluir uma luta de 14 anos, que tem a marca de João Semedo, conseguimos o direito à escolha pela morte assistida. Foram anos incríveis de coragem e convicção."

"Lutamos por serviços públicos que nos deem descanso, em vez de transformarem a idade e a doença num negócio"

Num momento em que se "definham os serviços públicos", a nova coordenadora do Bloco realça o "programa da esquerda", "um contrato com o povo": "Esse compromisso é a luta pela vida boa."

"Não aceitamos que viver pior seja o nosso destino. Temos o direito - mais do que isso, o dever - de lutar por uma vida boa." Mas o que é a "vida boa"?
"Uma vida que não seja consumida, num esforço inglório, pelo mínimo dos mínimos, que é ter uma casa, ter um salário decente, ter cuidados na doença, quando tivermos filhos, quando a idade pesar, quando a idade pesar aos nossos pais. É exigir demais?"

E "no meio do vazio ideológico corrosivo", deste "nevoeiro em que os governantes não sabem para onde vão nem querem ir para lado nenhum", Mariana Mortágua diz que a resposta é "clara": "Lutamos por serviços públicos que nos deem descanso, em vez de transformarem a idade e a doença num negócio".

[Atualizado às 15h23 de 28 de maio de 2023]

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