16 out, 2023 - 15:28 • Tomás Anjinho Chagas , Susana Madureira Martins
Dentro de algumas semanas será apresentada, e mais tarde votada, a proposta de Orçamento da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e no PS-Lisboa já se vai sofrendo por antecipação sobre o posicionamento do partido.
Há uma tensão que já nenhum socialista em Lisboa esconde sobre a estratégia a adotar quando o mandato na autarquia vai a meio. Optar por uma linha mais dura de oposição ou uma estratégia "mais serena" em modo PS suave?
É este o cenário que se vive no PS-Lisboa e que é apontado como "normal" por um destacado dirigente socialista. "Há quem queira fazer oposição e outros querem uma posição mais serena" e essa é descrita como sendo "uma tensão normal de um partido na oposição".
Esta é, de resto, uma discussão que terá ficado patente num plenário de militantes na secção do PS de Benfica, São Domingos de Benfica e Carnide, realizado a semana passada em que esteve presente Marta Temido, a recém eleita presidente da concelhia do partido em Lisboa.
Temido terá assumido a ideia de que a oposição do PS de Lisboa a Carlos Moedas se trata de "uma maratona e não de um sprint", o que não terá sido consensual, segundo elementos presentes na reunião disseram à Renascença. Há quem queira uma oposição mais musculada ao presidente da autarquia.
O mesmo dirigente do PS já acima referido insiste que esta posição de Temido espelha essa "tensão normal de alguém que está a gerir e não quer desgaste em relação" a Carlos Moedas.
Para os socialistas o problema é que cada vez que fazem uma oposição mais agressiva, vêem Moedas a virar a mesa, responsabilizando os socialistas e as restantes forças partidárias por não conseguir governar. "Uma vitimização que demonstra que não tem capacidade de negociação", acusa a mesma fonte.
“Equilíbrio entre oposição agressiva e construtiva”
Do lado de quem decide, a opção a tomar é delicada. Para um alto dirigente socialista em Lisboa, a fórmula para fazer frente a Moedas está no intervalo entre uma oposição “muito agressiva” e uma oposição “construtiva”.
“Estamos a tentar fazer esse equilíbrio”, revela à Renascença. Ser alternativa sem ser um bloqueio: “Uma oposição responsável, nunca focada na inviabilização”.
Na cúpula socialista da capital assume-se que “é mais difícil fazer oposição para um partido que esteve na governação”. Isto é, o PS não pode alhear-se totalmente de problemas que a autarquia esteja a viver atualmente.
Sobre o Orçamento Municipal, a decisão está longe de estar tomada. “Ainda nem sequer conhecemos as linhas gerais”, mas a fazer fé no conceito de “oposição responsável”, dificilmente o PS vai tirar o tapete a Carlos Moedas e fazer cair a coligação Novos Tempos.
Marta Temido no meio da “guerra interna “
Há dois anos que isto dura e no PS há quem esteja farto. É o caso de um experiente quadro do partido em Lisboa que aponta aos socialistas uma “incapacidade de lidar” com os sapatos de estar na oposição.
Se por um lado a governação municipal é considerada como sendo "muito frágil” e não resolve problemas no quotidiano, por outro lado, esta fonte nota que os socialistas tiraram o pé do acelerador.
“Há uma tentativa de não fazer oposição, mas isso é errado”, declara este socialista à Renascença. E o PS-Lisboa não faz oposição porquê? Essencialmente pela estratégia de “vitimização” de Carlos Moedas na CML, que colou ao PS o rótulo de irresponsabilidade, com a qual o partido não soube lidar.
A situação é delicada, reconhece a mesma fonte socialista, mas “o PS devia pôr condições para viabilizar” o Orçamento Municipal, diploma que até ao fim do ano deverá ser apresentado e votado. A ideia não é que o partido seja obstáculo ou força de bloqueio em Lisboa, mas que exerça uma oposição dura e conquiste algumas bandeiras todos os anos.
“Contam-se pelos dedos as propostas chumbadas pelo PS”, lamenta ainda. E a cidade não está melhor, aponta, está mais suja, mal iluminada, e os problemas com as drogas manifestam-se em vários pontos.
Há um problema apontado dentro do próprio PS: “Há malta que fica mais satisfeita quando as coisas nos correm mal do que quando correm mal ao PSD”, conclui a mesma fonte. A razão prende-se com as tensões entre diversas sensibilidades do partido que se debate com a pergunta: E depois de Costa?
Recuperar a maior autarquia do país é o objetivo claro e, para essa tarefa, Marta Temido “é a melhor candidata que o PS pode ter”, mas este antigo dirigente socialista acredita que a ex-ministra da Saúde está “apanhada no meio da guerra interna” pela futura liderança do partido.
“Devíamos estar mais concentrados em fazer oposição ao Moedas do que em guerras”, lamenta a mesma fonte conhecedora do PS-Lisboa.
“Não é um PS beligerante”
Há, no entanto, quem defenda que a estratégia seguida pela recente direção de Marta Temido vai no sentido certo. É o caso do presidente da Junta de Freguesia de Benfica, Ricardo Marques, que, em declarações à Renascença, elogia a “estratégia definida de crítica positiva e construtiva”.
O líder da secção socialista de Benfica diz perceber que "muitas pessoas" ainda não vejam um "PS beligerante", mas justifica que o partido está "a passar uma fase nova" em Lisboa. Há "uma nova presidente, uma presidente que tem uma estratégia definida de construção e de crítica positiva". É o tal cenário de um PS em versão suave que muitos criticam.
Ricardo Marques diz acreditar na linha que tem sido definida: “se há alguém que tem feito oposição é o PS Lisboa”. O dirigente concelhio dá o exemplo da recente aprovação da Carta Municipal de Habitação de Lisboa, que os socialistas chumbaram em junho e que viabilizaram agora, após as alterações.
Ricardo Marques puxa os louros ao PS, alegando que o documento incorpora ideias e "linhas vermelhas" dos socialistas que antes não constavam. O dirigente socialista refere, por isso, que a Carta Municipal "é um bom exemplo das vitórias que se conseguiram com esta negociação musculada".
O PS-Lisboa não quer entrar (ainda) numa oposição mais dura a Carlos Moedas, tendo em conta que o mandato vai a meio, mas ninguém esconde irritação quando o presidente da autarquia assume para si os créditos de eventos como a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
Ricardo Marques assume que “caiu mal” a “apropriação abusiva” dos louros do evento por parte de Moedas e a secundarização das Juntas de Freguesia. “Lisboa não vive de parangonas de jornais e de grandes anúncios”, critica o autarca que assume até ter uma “boa relação” com o presidente da câmara.
"Não podemos ir a todas"
Na oposição, a aposta, segundo um antigo dirigente concelhio, deve ser em áreas concretas, como a habitação, onde “não devemos ceder um milímetro”, alertando à Renascença que “nesses eixos temos de ser muito exigentes" e apresentar alternativa. Ou seja, “não podemos ir a todas”, resume este socialista.
Para outros, há que fazer oposição, “mas oposição construtiva”, a linha seguida pela atual presidente da concelhia. A receita é identificar problemas, apresentar soluções e nunca ser bloqueio. “Nunca fez parte do PS impedir a governação”, assegura um dirigente socialista à Renascença.
Ou seja, é a estratégia que tem sido assumida praticamente desde que o PS perdeu as eleições em Lisboa. Uma oposição menos agressiva, onde se aponta o que o presidente da Câmara de Lisboa promete, mas não faz.
Por exemplo, o élan de Moedas no período após a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) No PS local, o entendimento é que os louros estão mal distribuídos: “O sucesso da JMJ foi nacional, apesar de Moedas se ter metido em bicos de pés”, conclui o mesmo dirigente do PS, em linha com a irritação manifestada pelo líder da secção de Benfica.
"Marta Temido é líder incontestada"
Em relação à nova líder da concelhia de Lisboa, o partido está tranquilo, garantem diversas fontes. “Não há uma fratura. Marta Temido é líder incontestada”, assegura um antigo dirigente concelhio.
Onde não há unanimidade é precisamente sobre como é que deve ser feito o embate com o atual presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
Esta fonte socialista reconhece à Renascença que Carlos Moedas “é muito simpático”, e admite que isso se sente especialmente depois de um autarca como Fernando Medina, menos próximo. “É como o Marcelo chegar depois do Cavaco”, compara. Ou seja, “é simpático, mas não faz nada”.
Em relação a Temido, um destacado dirigente do PS, salienta que "quis ser" presidente da concelhia, "tem elevada notoriedade e promoveu com essa decisão uma expetativa positiva".
Entretanto, a ex-ministra da Saúde já assumiu abertamente numa entrevista ao jornal Expresso, que "gostava de ser autarca", e, segundo, a mesma fonte socialista, está "bem posicionada para ser candidata". O PS está sereno com esse "pré-posicionamento", até porque "aparece sempre bem classificada nas sondagens".
"O PS nesse essentido está tranquilo, em ter uma pessoa que pode ser candidata à câmara", ou seja, "não há a situação de uma concelhia que não sabe quem pode ser" o rosto da oposição a Carlos Moedas, de acordo com o mesmo dirigente, que remata: "A coisa pode correr mal ou bem, mas tem um bom posicionamento".
Moedas “eufórico” no pós 25 novembro
Já aqui foi referida a irritação que Carlos Moedas provoca aos socialistas quando puxa para si os louros de eventos como a JMJ ou quando no discurso solene do 5 de outubro anunciou que quer a cidade a comemorar o 25 de novembro.
Os socialistas registaram a provocação do autarca sobre uma data ideologicamente fraturante, mas desvalorizam-na e até se considera na direção socialista que a posição "diminuiu" Moedas e "favorece o setor mais extremista da direita", segundo um destacado dirigente socialista.
Moedas "saiu do centro", "está a perder a capacidade e disfarça com a vitimização", conclui-se na direção socialista, que critica ainda a liderança do autarca do PSD: "Lisboa não lidera nada", dando o exemplo da habitação e temas relacionados com a crise climática.
Uma tese partilhada pelo universo socialista, mas que levanta dúvidas, por exemplo, a Luís Paixão Martins, consultor de comunicação do primeiro-ministro, que se refere a Carlos Moedas como alguém que criou uma “plataforma política” ao irromper com o anúncio da celebração dos 50 anos do 25 de novembro em plenas celebrações do 5 de outubro.
Numa entrevista à Renascença que será divulgada esta quarta-feira e a propósito do livro - que lançou este mês - "Como mentem as sondagens" - o especialista em comunicação é taxativo sobre a razão da "euforia" de Carlos Moedas agora e a prazo.
“Quando chegar a essa altura [próximas legislativas], Luís Montenegro pode estar desgastado por ter o pior emprego do mundo, e Carlos Moedas pode estar eufórico com a comemoração do 25 de novembro”, analisa Paixão Martins.
O especialista em comunicação política diagnostica um “rearranjo” no discurso de Montenegro, onde o atual líder do PSD começou a usar o “soundbite” e um estilo “mais agressivo” com António Costa.
Paixão Martins vê em Carlos Moedas um perfil político diferente e considera que a estratégia de Montenegro não está a funcionar.
Para já, na cúpula socialista "não há nenhuma ansiedade em relação a Lisboa", garante o dirigente socialista acima referido. Nas eleições autárquicas de 2025, logo se verá.