08 nov, 2023 - 06:00 • Susana Madureira Martins
Depois de um dia vertiginoso que acabou na demissão do primeiro-ministro, o PS começa a fazer a catarse, a deixar o estado de choque e a fazer contas ao calendário. Até ao momento de António Costa falar, o partido esteve em "apneia coletiva", como descreve à Renascença um dirigente nacional socialista.
Neste momento é assumido no PS que "está tudo nas mãos do Marcelo" e a prudência de Carlos César ao manter todas as opções em aberto e garantir que o partido está "preparado" para qualquer cenário "tem a ver com isso", resume a mesma fonte.
Um outro dirigente nacional socialista diz à Renascença que essa abertura do presidente do partido permite quer as eleições legislativas antecipadas e aí "a nova geração vai querer afirmar-se", quer manter a maioria absoluta com um senador a liderar, sendo esta segunda opção vista como "possível".
Esta última opção permitiria, por exemplo, que Pedro Nuno Santos não ficasse "na posição de recuar por falta de coragem", admite o mesmo socialista. Não sendo esse o caso "é preciso encontrar alguém", que poderá ser o ex-ministro das Infraestruturas, apontado sempre como potencial sucessor de Costa.
Resta saber o que quer Pedro Nuno Santos e o modo como vai encaixar-se no calendário a definir por Marcelo. "Numa situação normal" o ex-governante "tinha o partido, teria o José Luís Carneiro como adversário", admite um membro de Comissão Política do partido, "só que isto não é uma situação normal", conclui.
Há quem no PS torça o nariz a tanto cenário. Um membro já referido da Comissão Política diz à Renascença que "Marcelo ainda não sinalizou a ninguém" o que vai fazer "e a nossa cúpula já anda a inventar uma série de sucessões e isso ainda faz muito pouco sentido".
Neste momento, e depois de um dia "bizarro e terrível", nas palavras de um outro dirigente nacional socialista, todo o calendário interno do PS terá de ser redesenhado em função do que o Presidente da República decidir.
O Congresso está marcado para Março, mas esse calendário implodiu com a demissão de Costa. E agora? "Agora tem de convocar-se um Congresso com urgência", resume um deputado ouvido pela Renascença.
Entre os dirigentes nacionais acredita-se que Carlos César "vai estar a conter danos" e a tomar decisões após o Conselho de Estado de quinta-feira. A ordem do estado maior socialista para esta terça-feira foi a de valorizar António Costa, mesmo nas redes sociais. Agora é esperar, mais uma vez, por Marcelo.
Um comunicado da Procuradoria Geral da República (PGR) de duas páginas, e sobretudo, o último parágrafo a dar conta da abertura de um inquérito autónomo pelo Supremo Tribunal de Justiça visando António Costa, deixou o PS à beira de um ataque de nervos.
Um deputado socialista refere à Renascença que "é uma coisa absurda, inacreditável a PGR abrir um inquérito autónomo, podendo fazer a investigação no mesmo processo".
Em final de mandato, a procuradora geral da República, Lucília Gago, é altamente contestada pelos socialistas, que, de resto, a escolheram para o cargo. O mesmo deputado desabafa que isto serve de lição "para aprenderem a escolher".
Depois de ver o comunicado e todo o efeito provocado - a demissão de Costa - um dirigente nacional diz não perceber "por que é que não se pede esclarecimento à PGR sobre aquilo?", lamentando que se permita que "as coisas aconteçam". Conclusão: "Como hoje, arrependemo-nos".
Os socialistas registam também que as buscas tenham batido à porta do próprio primeiro-ministro. "Em 50 anos de democracia nunca tivemos o Ministério Público a entrar por São Bento adentro", refere um membro do Secretariado Nacional à Renascença.
Também o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, não deixou de notar em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, a divulgar na íntegra na quinta-feira, que as buscas em São Bento não tinham "a dimensão de um casinho", pedindo "esclarecimentos" à PGR.
Depois do turbilhão desta terça-feira o PS começa a juntar as peças do puzzle e a colocar a questão sobre o que vai fazer António Costa após a demissão.
A convicção de um dirigente nacional do partido em conversa com a Renascença é que "a vida dele é isto" e o primeiro-ministro está longe de por os papéis para a reforma.
No PS apontam-se dois caminhos a Costa, apesar do percalço da demissão. "Pode fazer uma de duas coisas: ir para a Europa, agora já pode, e presidenciais", assume outro dirigente do partido à Renascença.
Em relação a uma candidatura a Belém, Costa já disse várias vezes que não quer, "mas agora é diferente, isto pode mudar a perspetiva" e "é uma outra porta que se abre", acredita a mesma fonte.