07 dez, 2023 - 23:26 • Susana Madureira Martins
Na presença do Presidente da República e horas antes da demissão oficial do Governo, António Costa lembrou o papel de Mário Soares na defesa "fundamental" da "autonomia estratégica" do PS nos "anos fundadores onde teve que enfrentar várias dissidências" dentro do próprio partido.
No lançamento da nova edição do livro "Portugal Amordaçado", escrito em 1972 por Mário Soares no exílio, António Costa salientou ao mesmo tempo o modo como o fundador do PS foi formando governos ora com o partido isolado, ora aliando-se ao CDS ou ao PPD de Carlos Mota Pinto.
A "firmeza de princípios" do líder histório do PS nunca colocou em causa, segundo Costa, a "autonomia estratégica" do partido. Mesmo considerado por alguns como "o mestre da navegação à bolina", Soares é descrito pelo ainda líder socialista como alguém que tinha a "inteligência de contornar o obstáculo" sem "nunca" perder "a rota e o norte da sua vida".
António Costa deixou ainda um recado para dentro do próprio partido sobre o legado da Geringonça."Alguns herdeiros putativos de Mário Soares dizem que a Geringonça foi uma traição a Mário Soares. Acontece, porém, que ele era vivo e foi um dos grandes e principais apoiantes da Geringonça", com avisando logo no início da intervenção que falava na qualidade de líder do PS.
Numa altura em que o PS discute uma nova liderança e o debate se divide entre uma ala considera mais moderada- a de José Luís Carneiro - e uma ala à esquerda liderada por Pedro Nuno Santos, esta defesa da solução de esquerda que levou Costa ao Governo em 2015 e, por outro lado, que o partido tem de proteger a "autonomia estratégica" vem dar óbvio conforto ao lado pedronunista da corrida.
Uma semana depois de o líder do PSD, Luís Montenegro, apontar Pedro Nuno Santos como um "radical" e "esquerdista" no Congresso de Almada, António Costa salienta ainda o "radicalismo esquerdista" que alguns viram em Mário Soares no final da vida.
"Às vezes ouço as pessoas dizerem que com a idade, o Mário Soares regressou a um radicalismo esquerdista da sua juventude", começou por dizer Costa, recusando logo essa ideia, dizendo que o fundador do PS "não regressou a nenhum radicalismo esquerdista", mas "manteve-se no radicalismo próprio do socialismo democrático".
À medida que "o mundo mudou, ele manteve-se no mesmo sítio e quando o mundo mudou, a trincheira era outra e os adversários eram outros", concluiu Costa. E aqui surge o apontamento de que "é fundamental saber navegar à bolina", porque "os ventos nem sempre sopram a nosso favor".
O líder socialista refere a coerência "permanente e constante ao longo da vida, onde percebeu sempre que era preciso uma grande determinação e convicção relativamente aos princípios para ter a flexibilidade necessária em cada momento tático".
Uma explicação que cabe que nem uma luva à aproximação de Pedro Nuno Santos, o designado líder da ala esquerda do PS, a um discurso mais moderado dentro do partido, mas que ao mesmo tempo mantém todas as bolas no ar sobre entendimentos à esquerda se for eleito secretário-geral. A tal "flexbilidade necessária em cada momento tático", segundo Costa.