07 dez, 2023 - 07:35 • Tomás Anjinho Chagas
419 semanas separam o dia em que António Costa tomou posse pela primeira vez enquanto primeiro-ministro e esta quinta-feira, dia em que é exonerado pelo presidente da República.
Oito anos, uma geringonça, uma pandemia e uma guerra depois, Costa passa a primeiro-ministro de gestão, leia-se, de um governo que não pode tomar decisões estruturais e está limitado à gestão corrente.
O que deixa feito? O que deixa por fazer? Que legado fica? Qual é a marca de António Costa? Foi a pergunta que a Renascença fez a duas figuras de quadrantes políticos bem diferentes, mas que não estão muito distantes na opinião que têm sobre o tema.
As palavras são de José Miguel Júdice e não são novas. Carregam com elas o conhecimento de quem trabalhou de perto com António Costa, mas não são exclusivamente elogiosas.
O advogado e comentador – que foi mandatário de António Costa na corrida à Câmara Municipal de Lisboa em 2007- descreve o até aqui primeiro-ministro como o “político mais brilhante da sua geração”.
As causas? Júdice aponta o “pragmatismo absoluto” e o “tacticismo” como principais traços políticos de Costa e puxa a fita do tempo atrás para lembrar o ano de 2015, em que formou a geringonça mesmo perdendo as eleições: “Nunca acreditou muito nisso, mas teve de o fazer. Teve de negociar em desespero”.
Se por um lado, o antigo bastonário da Ordem dos Advogados reconhece a capacidade de “tirar pão das pedras” de António Costa, conseguindo dialogar e alcançar consensos com praticamente todos os quadrantes políticos, por outro José Miguel Júdice aponta a falta de um ímpeto reformista por parte do primeiro-ministro demissionário”.
“As reformas e o adaptar ao século XXI não aconteceram”, diagnostica Júdice, que acredita que em momentos de “escolhas dilemáticas” Costa tentou sempre encontrar soluções “harmoniosas” para diluir as responsabilidades.
A grande marca de António Costa, na visão do advogado e comentador, são as “contas certas” e há uma explicação para isso: “Conseguiu enganar muita gente, disse que ia acabar com tudo o que a troika tinha trazido, mas fez muito pouco disso”.
Ou seja, Júdice defende que Costa foi adiando sistemática e intencionalmente a revogação de muitas medidas que ajudaram a controlar a despesa pública e isso permitiu manter o rigor nas contas.
“Deixou ficar muita coisa sempre com a ideia que não concordava e que ia mudar, mas não mudou”, assinala o antigo bastonário dos advogados para explicar o sucesso orçamental: “paradoxalmente vai ficar conhecido pelas contas certas”
Elogiando enquanto critica, Júdice acredita que a maioria absoluta foi a “surpresa absoluta” porque resultou em “abusos” por parte do Governo. A principal razão foi ter trazido as pessoas erradas para os cargos.
“Teve uma oportunidade para ir buscar os melhores e não o fez. Trouxe para dentro do Governo o conflito dos seus delfins. É 90% culpado daquilo que lhe aconteceu”, sintetiza José Miguel Júdice.
Mas o advogado encontra uma razão para isso: “Ele nunca viveu no mundo real, nunca teve contacto com o privado, portanto não conhece pessoas”. Ou seja, recorre sempre aos militantes do PS.
Em suma, Júdice acredita que António Costa “vai ficar conhecido por ter desbaratado uma maioria absoluta” por ter liderado um Governo que se “desfez tão depressa”.
Paulo Pedroso, ex-militante do PS que foi ministro no governo de António Guterres, começa por apontar a “ambição de ultrapassar bloqueios” que permitiu a António Costa formar Governo mesmo sem ter ganho as eleições de 2015.
O antigo dirigente socialista destaca as “contas certas” como um dos principais marcos da era Costa à frente do Governo. “Uma correção estrutural do rumo da política portuguesa”, classifica Paulo Pedroso.
Trata-se de algo que até então era visto como “impossível”, assinala o antigo deputado e dirigente do PS que é atualmente líder da associação “Causa Pública”, que junta figuras da esquerda portuguesa.
“São anos em que os portugueses viveram melhor”, sintetiza Paulo Pedroso que destaca também a capacidade de António Costa de ultrapassar crises durante os últimos oito anos.
O ex-militante socialista, que abandonou o partido em 2020, fala mesmo numa “obra” do até aqui primeiro-ministro na maneira como geriu a pandemia “amortecendo de forma importantíssima o seu impacto social. É uma marca do governo de António Costa”.
Apesar disso, Paulo Pedroso assume que há “disfunções que foram acumuladas nas últimas décadas”, referindo-se aos problemas na formação de médicos, na função pública ou na educação.
Quanto à área da habitação, o antigo ministro admite que o executivo “teve um desempenho abaixo daquele que era esperado” e que não reagiu ao engrossar dos problemas.
“Ou o Governo não se apercebeu, ou apercebeu-se e não agiu”, lamenta.
Entre os legados negativos de António Costa, Paulo Pedroso identifica a forma como o PS geriu a vitória de 2022 que culminou num governo de maioria absoluta.
“Claramente em situação de maioria absoluta não conseguiu gerir bem a solidão. Não houve estímulo para cooperar, não havia contrapesos”, aponta Paulo Pedroso, comparando com o período entre 2015 e 2021, em que o PS teve de se entender com os parceiros de esquerda.
O antigo dirigente do PS assinala ainda um “governo a sentir-se autossuficiente e insensível à crítica” que durante meses ficaram marcados pelos “casos e casinhos” dignos de um executivo “isolado sobre si próprio”.
A culpa é também dos escolhidos por António Costa, defende Paulo Pedroso: “os portugueses não reconheciam autonomia política e responsabilidade a alguns membros do Governo”.
Em relação à forma como António Costa caiu politicamente, o antigo dirigente socialista acredita que deriva de uma "relação não-saudável" entre a política e a justiça.
Paulo Pedroso- que se viu envolvido no processo Casa Pia, foi detido no Parlamento mas nem sequer chegou a ser julgado por- lamenta que a classe política se escuse a fazer uma reforma na justiça e lembra que Rui Rio, antigo líder do PSD, ficou isolado quando tentou travar essa luta.