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Plataforma com rendimentos dos políticos arranca com mais de um ano de atraso

06 mar, 2024 - 22:12 • João Pedro Quesado

A plataforma da Entidade para a Transparência está viva, mas vazia: não há declarações disponíveis e, segundo o site, apenas as que forem entregues eletronicamente vão ser publicadas. O acesso aos dados de rendimento e património de políticos e dirigentes vai ser público, mas é preciso pedir, e nem toda a informação vai ser acessível. João Paulo Batalha sublinha que "só agora" vai ser possível avaliar os mecanismos de controlo previstos na lei.

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A plataforma eletrónica da Entidade para a Transparência vai entrar em funcionamento esta quinta-feira, mais de um ano depois do previsto e mais de quatro anos depois do primeiro anúncio.

O site, essencial para o funcionamento pleno da Entidade, vai permitir o registo e consulta das declarações de rendimentos, património e interesses dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos - que têm agora 60 dias para entregar as declarações eletrónicas.

Já está disponível, em entidadetransparencia.pt. Segundo o aviso publicado em Diário da República esta quarta-feira, a plataforma entra em funcionamento “no dia seguinte ao da publicação do presente aviso”.

O desenvolvimento e publicação do portal durou pelo menos um ano e três meses a mais do que era suposto. O contrato com a empresa Babel Ibérica foi assinado a 9 de maio de 2022, e exigia a “entrega definitiva” da plataforma “no prazo de 37 semanas a contar da data de entrada em vigor” do contrato. Ou seja, até à última semana completa de janeiro de 2023.

Em janeiro deste ano, o Tribunal Constitucional disse à Agência Lusa que, em conjunto com a Entidade para a Transparência, estavam a fazer “todos os esforços” para a plataforma entrar em funcionamento antes das eleições legislativas de 10 de março.

Sediada no Palácio dos Grilos, em Coimbra, a Entidade para a Transparência está ainda há mais tempo sem conseguir entrar em funcionamento. Criada em 2019, o início de funções foi sendo adiado por os Orçamentos de Estado preverem verbas inferiores ao necessário e não haver instalações prontas, e a direção apenas foi nomeada em janeiro de 2023, tomando posse no mês seguinte.

João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica, entende que "só agora vamos ter finalmente oportunidade de ver quer o sistema informático, quer a própria Entidade, a trabalhar", o que vai permitir "fazer o julgamento sobre quer a eficiência dos mecanismos digitais, quer da cultura de transparência da própria Entidade".

60 dias para entregar as declarações

Com a entrada em funcionamento da plataforma eletrónica, começa a contagem de um prazo de 60 dias, previsto no artigo 25.º do regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, para a entrega da declaração através da plataforma. Na prática, isso significa que neste momento não há nenhuma declaração disponível para consulta.

Quem ainda não tinha entregado a declaração única, em papel, junto do Tribunal Constitucional, mas ainda estava dentro do prazo de 60 dias após o início de funções, vê o prazo a recomeçar do zero e pode fazê-lo a partir da plataforma.

A lei que criou a Entidade para a Transparência alargou o dever de declaração de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos a mais titulares de cargos. Agora, o dever de declaração estende-se a políticos nos órgãos executivos das juntas de freguesia (com mais de 10 mil eleitores e sem estar em regime de permanência), e magistrados judiciais e do Ministério Público.

As regras para o registo informático das declarações únicas também foram publicadas em Diário da República esta quarta-feira. O Regulamento de Normalização dos Procedimentos estabelece as competências da Entidade para a Transparência sobre a declaração única e a comunicação com as entidades públicas.

Os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos têm que declarar os rendimentos brutos para efeitos da liquidação do IRS, todo o património mobiliário, imobiliário, financeiro e participações em sociedades civis e comerciais, assim como passivos - quer em Portugal, quer no estrangeiro.

Quanto ao registo de interesses, é preciso declarar as atividades profissionais e a participação em associações nos três anos anteriores à declaração, assim como nos três anos após a cessação de funções. Estão ainda incluídos apoios e benefícios usufruídos, e serviços prestados.

Cada titular pode fazer um pedido de oposição “ao acesso parcelar ou integral” dos elementos da declaração. A mera entrega desse pedido provoca a suspensão da publicação dos elementos em causa até ser tomada a decisão final.

O antigo presidente da Transparência Internacional Portugal não fica chocado que haja "mecanismos para que os titulares dos cargos políticos possam apresentar um argumento legítimo de questões de privacidade ou até, eventualmente, de questões de segurança", apesar de várias questões já estarem previstas na lei.

No entanto, e considerando que "seguramente vai haver responsáveis políticos a querer fazer pedidos especiais alegando questões de privacidade para não revelar dados que são dados públicos e de interesse", João Paulo Batalha aguarda para saber de que forma a Entidade para a Transparência "vai interpretar a lei e que resposta vai dar".

"Se a Entidade começar a ganhar o hábito de, por qualquer razão, ou sem razão nenhuma, começar a sonegar informação com base em pedidos dos próprios políticos, aí entramos por mau caminho", avisa.

Acesso livre, mas a pedido

O registo de interesses pode ser acedido por qualquer pessoa “livremente, sem necessidade de qualquer autenticação”, bastando pesquisar e, segundo o regulamento, fazer um pedido de consulta.

A Entidade para a Transparência pode pedir esclarecimentos, incluindo prova de identidade, e tem 25 dias úteis para tomar uma decisão. Se o acesso for aprovado, a declaração em causa fica disponível durante cinco dias consecutivos.

"Eu acho que não faz sentido o pedido formal para uma entidade que depois tem de aprovar, ou não", avalia João Paulo Batalha, que também critica as diferenças entre os registos digitais e os que estão disponíveis fisicamente, no Tribunal Constitucional.

"Melhora-se o acesso, porque deixa de ser preciso ir a Lisboa pessoalmente para consultar, mas há informação que se vai perder", assegura.

Nem todos os dados vão estar disponíveis. Além de dados pessoais, como a morada e contactos, há dados cujo acesso não vai ser total: os dados de rendimento e património.

Vai ser possível consultar valores totais de cada categoria de rendimentos, a identificação dos imóveis (por matriz, localização e valor patrimonial), as sociedades em que o titular detém participações (e quantas detém), a marca, ano de matrícula e cilindrada de veículos e o valor total de cada ativo financeiro. Quanto ao passivo, vai ser possível saber a quem é devido dinheiro.

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