02 abr, 2024 - 17:10 • Susana Madureira Martins
“A capacidade de influência do Presidente da República junto do PS é praticamente inexistente.” Ascenso Simões, antigo governante e ex-dirigente socialista, blinda desde já qualquer eventual pressão que Marcelo Rebelo de Sousa venha a fazer para que Pedro Nuno Santos viabilize a proposta de Orçamento do Estado para 2025.
Questionado pela Renascença sobre se antevê o Presidente da República (PR) a fazer como nas vésperas da votação da proposta de OE de 2022, quando ameaçou os partidos políticos com a dissolução do Parlamento, Ascenso Simões é taxativo: “Pode reclamar o que quiser do PS, mas não terá até ao final do seu mandato qualquer capacidade de influenciar o PS.”
Ascenso Simões, que já foi secretário de Estado da Administração Interna de António Costa, ressalva que o PS “não deixará de ter atenção com o PR do ponto de vista institucional”, mas do ponto de vista político, “essa capacidade deixou pura e simplesmente de existir”.
Os socialistas ainda não esqueceram que Marcelo decidiu dissolver pela segunda vez o Parlamento apesar da solução proposta por António Costa de continuar a legislatura com Mário Centeno como primeiro-ministro, mas Ascenso Simões refere como anterior a isso a acrimónia em relação ao Presidente.
“É um problema que já vem de há muito tempo, de excesso do PR, de descolagem da realidade, do extravasar permanente da sua intervenção, da visão elástica dos poderes constitucionais e incontenção discursiva”, acusa o ex-dirigente do PS.
Ascenso diz que se trata de um “património que levou a que o PS hoje não tenha qualquer relação com o PR, numa perspetiva de influência para as suas próprias decisões”. E não é só isso. A relação “privilegiada” que Marcelo pudesse ter com Costa não existe com a nova geração de dirigentes do PS.
Não é que Pedro Nuno Santos não tenha boa relação com o PR. O problema, segundo Ascenso, é que “não há ninguém” no PS que “possa ter relações privilegiadas” com Marcelo. “Tudo isso se extinguiu e passou, portanto, é uma geração nova, com outra visão do mundo, com outra visão da democracia e com outra visão do PS e da governação.”
O corte em relação a Marcelo é tão marcado que, segundo Ascenso Simões, o posicionamento entre o novo PS e o Presidente é “completamente diferente e quase inconciliável” com o do Presidente.
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Nada disto isola o PS no palco político e, sobretudo, não queima a ligação do partido com o eleitorado. “Os partidos nunca estão isolados quando têm uma grande agregação ao território”. Ou seja, para o antigo dirigente socialista o PS é “o maior partido autárquico”, portanto o isolamento até pode ser político, mas a relação com “a realidade concreta no dia a dia” mantém-se.
Questionado sobre a eventual dificuldade que o futuro governo terá para aprovar leis no Parlamento, Ascenso Simões recua a 2015 e ao Governo de António Costa. “Toda a gente dizia que o Governo da Geringonça não duraria muito tempo, que as soluções que existiam da parte do PS e dos restantes partidos eram inconciliáveis e a verdade é que o Governo acabou por durar 4 anos”.
O ex-dirigente nacional do PS salienta que “esse governo de António Costa legislou pouco, viveu essencialmente do património jurídico que já existia e foi negociando o que era essencial, que eram os orçamentos”.
A diferença notada agora por Ascenso Simões é que a maioria parlamentar agora não é de esquerda, é de centro direita. As necessidades são, por isso, as mesmas. “Negociar”, ou seja, terá de ser nesse espaço político “que se deve encontrar a solução de governabilidade”.
O PS em bloco mantém-se na frase oficial que dura desde a noite eleitoral de 10 de março. É “praticamente impossível” viabilizar o Orçamento do Estado de 2025. “Não há nenhuma crise que o PS possa ajudar a resolver sob o ponto de vista da governação”, despacha Ascenso, que acrescenta: “Não podemos cruzar aquilo que são projetos muito diferentes.”
Assim, a separação entre o PS e a AD é tão “profunda” que os socialistas admitem que é difícil de “resolver”. Sarcástico, Ascenso Simões diz que não acredita que o PSD “seja de tal forma flexível, ao ponto de se permitir fazer o programa do PS para que o PS possa aprovar o OE”.
Quanto à responsabilidade do PS em provocar uma eventual crise política à boleia desta posição, Ascenso Simões salienta que os governos da AD “que caíram antes de eleições, não caíram por ação do PS, caíram por dentro, ruíram por dentro”. O ex-dirigente socialista lembra o curto governo de Pedro Santana Lopes, por exemplo.
Quanto à duração da próxima legislatura, Ascenso Simões não se atreve a colocar-lhe uma data: ”Não são as maiorias que nos levam a terminar os mandatos, nem são as minorias que nos impedem de terminar o mandato”.
Ou seja, há “outras circunstâncias mais importantes para que os mandatos se cumpram, para além da existência de uma maioria absoluta no Parlamento”. O terceiro governo de António Costa é exemplo disso.