07 jun, 2024 - 06:30 • Susana Madureira Martins
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Houve duas campanhas no PS dentro da campanha das europeias. A oficial, da cabeça de lista, Marta Temido, e a campanha do líder, Pedro Nuno Santos, pelo “diálogo” pós-eleitoral com a AD sobre o Orçamento do Estado (OE) para 2025.
Nem sequer houve muitas entrelinhas sobre esta segunda campanha. Em todos os comícios em que participou, fosse nos discursos na tribuna ou nas diversas declarações aos jornalistas, Pedro Nuno Santos apelou abertamente e por diversas vezes ao “diálogo” com o Governo e garantiu a “cooperação” do PS.
Ao mesmo tempo que o líder socialista parece romper com Luís Montenegro, pedindo aos socialistas que derrotem a extrema-direita e a direita “toda” nestas europeias, há um lado do discurso que coloca o pé na porta e deixa aberto espaço ao diálogo.
Na verdade, ganhar as eleições europeias de domingo dá mais legitimidade ao PS para se impor nessa negociação do OE. Pedro Nuno Santos assumiu mesmo como “muito importante” a vitória, porque “dá força a uma visão da sociedade mais justa”. Para o líder socialista é, sobretudo, “muito importante” que o PS consiga “contrabalançar” a governação da AD.
Sendo esta uma governação que dá “sinais” de que “pretende governar apenas para uma minoria da população”, segundo Pedro Nuno, o PS assume que precisa nestas europeias de obter músculo eleitoral para o futuro debate mano a mano com a AD. O PS não se inclina, para já, em fazer precipitar eleições legislativas antecipadas e o presidente do partido já veio mesmo pedir “paciência” aos socialistas.
Carlos César meteu travão à eventual ansiedade interna em apressar uma crise política na eventualidade de a AD perder as europeias. "Se a AD não tiver uma votação boa nestas eleições vai fazer-lhes muito bem, pelo menos, para adquirirem maior humildade na governação do nosso país", disse o dirigente socialista no meio de uma arruada em Braga.
Depois de num debate numa das televisões ter pronunciado a palavra “imaturidade” para classificar uma das ideias do cabeça de lista da AD, Marta Temido corrigiu o tiro e, a partir daí, adotou como prática permanente de não atacar e não responder a ataques diretos de Sebastião Bugalho ou de dirigentes da coligação PSD-CDS-PPM. E assim foi durante quase duas semanas.
A estratégia de campanha do PS passou por fazer render na rua um ativo que o partido tem e que funciona às mil maravilhas. A caravana multiplicou arruadas com Temido e a cabeça de lista evitou nos discursos ir além do combate às posições não só da AD, mas da respetiva família política europeia, o Partido Popular Europeu (PPE).
A outra parte da estratégia socialista passou por colar o PPE e, por arrasto, a AD à extrema-direita europeia, tendo em conta a aproximação que Ursula von der Leyen ensaiou aos conservadores do ECR. A reeleição da presidente da Comissão Europeia é, de resto, vista pelos socialistas como muito difícil sem o apoio quer do ECR, quer dos radicais da Identidade e Democracia (ID), de que o Chega faz parte.
Sem nunca juntar multidões, Temido conseguiu capitalizar na rua uma certa popularidade que adquiriu enquanto ministra da Saúde nos tempos da pandemia. Sem falar muito e abordando banalidades e cenas do quotidiano com os populares que ia encontrando, a candidata conseguiu chegar politicamente viva ao fim da campanha.
Mesmo tendo em conta que na reta final foi abalroada pelas buscas judiciais ao Ministério da Saúde pela Polícia Judiciária, na sequência do designado caso das gémeas brasileiras. “Não comento timings”, foi a resposta de Temido a umas buscas que aconteceram a três dias das eleições europeias.
Ficou também no ar que a ex-ministra deixou cair o seu ex-secretário de Estado, António Lacerda Sales, entretanto, constituído arguido. Marta Temido não se estendeu na defesa do seu ex-adjunto, com quem diz não ter falado, entretanto, sobre o caso e que o único contacto que teve com Sales nos últimos dias foi para lhe dar os parabéns pelo aniversário esta semana.
A candidata socialista fez, aliás, questão de dizer que a sua intervenção “relativamente à autorização de medicamentos, não existe”, já que “os ministros não autorizam a administração de medicamentos, sobretudo quando não são médicos”. Temido não é médica, mas António Lacerda Sales, o então secretário de Estado, é médico ortopedista.
Dificilmente, as buscas em plena campanha eleitoral poderão arrasar drasticamente a campanha e o resultado eleitoral da ex-ministra, resta saber o que acontecerá a partir de segunda-feira, após as eleições.