17 jun, 2024 - 13:12 • Filipa Ribeiro , Ana Kotowicz
António Lacerda Sales não respondeu a várias questões sobre o caso das gémeas na comissão parlamentar de inquérito, algo que o seu estatuto de arguido no processo judicial (que decorre em paralelo) lhe permite. Além disso, e pouco antes de deixar claro que não iria falar sobre o caso para não ser "bode expiatório", explicou aos deputados que pediu adiamento da sua audição antes de ser constituído arguido.
Acrescentou ainda que nunca falou com o Presidente da República sobre o caso das crianças que foram tratadas em Portugal, no SNS, com um dos medicamentos mais caros do mundo, nem tão pouco com o primeiro-ministro ou com a ministra da Saúde.
"No dia 31 de maio recebi uma convocatória para prestar declarações na CPI, no dia 1 de junho, sábado, requeri ao presidente da CPI o adiamento, atendendo as obrigações profissionais enquanto médico", explicou o antigo secretário de Estado da Saúde aos deputados da comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas. Só a 4 de junho, esclareceu, é que foi constituído arguido. "Cai por terra a ideia de que pedi adiamento após a constituição de arguido", sublinhou na sua intervenção inicial.
Sobre o seu silêncio, ainda durante a intervenção inicial, foi claro: "O meu estatuto de arguido confere-me o direito de me manter em silêncio para não me autoincriminar. Estou proibido de fazer qualquer declaração sobre factos. Vou manter-se em silêncio em todas as questões."
Além disso, sublinhou Lacerda Sales, "foi por decisão das autoridades judiciárias que este processo passou a correr em segredo de justiça".
Apesar do que Lacerda Sales defendeu na intervenção inicial, e de pretender manter-se em silêncio, a audição manteve-se, com o deputado do Chega a recordar que o antigo secretário de Estado poderia ficar em silêncio sempre que o desejasse. Assim, confrontou Lacerda Sales com a ideia de que favorecimentos de doentes no Serviço Nacional de Saúde são habituais e com alegadas pressões políticas para que as gémeas fossem tratadas com maior rapidez.
Ouça aqui: Lacerda Sales nega ter falado com Presidente da República, primeiro-ministro ou ministra da Saúde
Nesta fase de perguntas, Lacerda Sales negou ter falado com o Presidente da República sobre o caso das gémeas — Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente, é arguido no processo. Também disse não ter falado com António Costa ou Marta Temido, então primeiro-ministro e ministra da Saúde, respetivamente. Foi então que citou Fernando Pessoa, como uma forma de expressar estar de consciência tranquila: “Eu sigo o meu destino, rego as minhas rosas e o resto são as sombras das árvores.”
Em contrapartida, António Lacerda Sales não negou a reunião com Nuno Rebelo de Sousa em 2019. O antigo secretário de Estado diz que "nunca disse que não tinha reunido com o filho do Presidente da República".
Ainda assim, questionado sobre o que foi conversado nesse encontro e onde decorreu, optou por se remeter ao silêncio.
Questionado por várias vezes sobre se recebeu, ou não, o alegado email enviado pela Casa Civil ao gabinete do primeiro-ministro e, posteriormente, ao gabinete do ministério da Saúde, António Lacerda Sales pediu ao deputado André Ventura do Chega para lhe "olhar bem nos olhos", assegurando que "nunca chegou nenhum email, nem processo formalizado ao gabinete" do então secretário de Estado da Saúde.
Durante a audição, António Lacerda Sales sugeriu que fosse requerida a audição da secretária geral do Ministério da Saúde para esta esclarecer se foi ou não enviado algum email.
Relativamente aos procedimentos para a marcação da consulta para as crianças no Hospital de Santa Maria, Lacerda Sales não confirmou se autorizou ou não a sua secretária pessoal da altura, Carla Silva, a agendar a consulta. À comunicação social, Carla Silva disse ter agendado uma consulta a pedido do ex-secretário de Estado. Assim, Lacerda Sales defendeu já ter "assumido responsabilidades políticas" como responsável pela secretaria.
Sobre os alegados favorecimentos no SNS, o antigo secretário de Estado recusa a ideia de que estes sejam normais e recorrentes. Antes disso, e sobre o tratamento de crianças com o mesmo tipo de doença rara das gémeas — atrofia muscular espinhal —, frisou que ninguém passou à frente de ninguém.
É já no final desta semana, mas remotamente. A audição da mãe das gémeas luso-brasileiras – tratadas com o medicamento Zolgensma no Hospital de Santa Maria, em Lisboa – está agendada para sexta-feira, 21 de junho. No Parlamento, no final da reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito àquele que ficou conhecido como o caso das gémeas, o presidente da comissão e deputado do Chega, Rui Paulo Sousa, confirmou que a audição "deve acontecer por videoconferência".
Já sobre a audição do pai das crianças, o presidente da CPI indicou não haver ainda informação. "Ainda não tivemos qualquer resposta por parte do pai, não sabemos quando será agendada a audição ou se deveremos tomar outras diligências para entrar em contacto com ele", acrescentou o parlamentar.
De resto, houve consenso na mesa da Comissão de Inquérito Parlamentar sobre o pedido do presidente da Assembleia da República. Assim, e ao contrário do que pedia Aguiar-Branco na CPI em despacho – a suspensão dos trabalhos até ao trânsito em julgado da correspondente sentença judicial que decorre sobre o caso —, a mesa decidiu manter os trabalhos da comissão.
"Ficou acordado que os trabalhos não serão suspensos apesar de haver o inquérito do Ministério Público", assegurou Rui Paulo Sousa. A votação do despacho já foi, entretanto, formalizada com a abstenção do PCP.
Os trabalhos da comissão, que prosseguiram com a audição de Lacerda Sales, vão continuar até 25 de julho e, depois de uma pausa, serão retomados a 10 de setembro.