03 jul, 2024 - 16:28 • Miguel Marques Ribeiro , Filipa Ribeiro
"Pelas razões que referi não responderei". Esta foi praticamente a única frase que se ouviu da boca de Nuno Rebelo de Sousa na tarde desta quarta-feira, no Parlamento.
O filho do Presidente da República, que reside no Brasil, respondeu por videoconferência às perguntas dos deputados, durante a audição parlamentar da comissão de inquérito ao caso das gémeas.
A conselho dos seus advogados, o filho do Presidente da República invocou o estatuto de arguido no processo-crime que está a ser investigado pelo Ministério Público para não prestar esclarecimentos sobre um alegado envolvimento no favorecimento às duas gémeas brasileiras que foram tratadas no Hospital Santa Maria, em Lisboa, com o medicamento Zolgensma — um tratamento que tem um custo de dois milhões de euros por pessoa.
"Como se remete ao silêncio, todas as hipóteses estão em cima da mesa", afirmou Joana Mortágua
Uma posição que provocou grande descontentamento entre os deputados. João Paulo Correia, do Partido Socialista, sublinhou que “esse silêncio vem adensar as dúvidas e as contradições", enquanto Joana Cordeiro, da Iniciativa Liberal, foi taxativa: "Isto para mim tem um nome. Chama-se cobardia".
Nuno Rebelo de Sousa, porém, manteve-se irredutível e João Almeida foi o único que lhe conseguiu arrancar a resposta a uma pergunta. O deputado do CDS-PP quis saber se o presidente da Câmara de Comércio de São Paulo tinha alguma outra atividade remunerada para além da de executivo da EDP Brasil. Depois da insistência do presidente da comissão, Rui Paulo Sousa, a resposta (negativa) acabou por chegar.
Assim, na ausência de contraditório, as intervenções dos diversos deputados acabaram por ser também exposições sobre as contradições e alegadas irregularidades cometidas pelo filho de Marcelo. O Livre optou por não colocar perguntas e Alfredo Maia, do PCP, tentou colocar questões não relacionadas diretamente com o processo, que mesmo não obtiveram resposta.
A bloquista Joana Mortágua disse achar estranha a insistência com que Rebelo de Sousa intercedeu no processo: "Como se remete ao silêncio, todas as hipóteses estão em cima da mesa: desde o altruísmo mais desinteressado até ao lobismo com contrapartidas", argumentou.
Daniela Martins garantiu não conhecer Nuno Rebelo (...)
João Paulo Correia, do Partido Socialista, designou Rebelo de Sousa de "lobista e facilitar de negócios", que com “o estatuto de filho de Presidente da República [tentou] abrir portas em vários domínios públicos, desde a casa civil, hospitais, o contacto com o secretário de Estado da Saúde".
Uma atitude que para o deputado do PS compromete Marcelo.
"Coloca a Casa Civil do presidente da República em cima de um grave caso político", afirmou João Paulo Correia.
Uma ideia que foi validada por André Ventura. O líder do Chega disse que o Presidente da República fica “sob suspeita” com este caso, acusando Nuno Rebelo de Sousa de ser “o pivot principal de um processo que se moveu ilicitamente em Portugal, envolvendo outros orgãos de soberania para contornar a lei portuguesa e para dar a alguém beneficio indevido à saúde". Para Ventura, o filho do Presidente criou um “enorme problema” para Marcelo Rebelo de Sousa e para a imagem de Portugal.
Os membros dos restantes partidos alinharam as suas intervenções pelo mesmo diapasão. Inês Sousa Real, do PAN, afirmou que "há desrespeito por este Parlamento" e alertou para um eventual interesse económico relacionado com o uso do medicamento. Já António Rodrigues usou de um tom irónico para criticar Nuno Rebelo de Sousa: "Nada da sua intervenção aparentemente constitui um crime, não obstante tem a condição de arguido”. O deputado do PSD acrescentou que, face ao que os inquiridos vão afirmando, "estamos no domínio quase que da comédia, é uma história de ficção que aqui estamos a criar".
João Almeida acabou por ser protagonista de um dos momentos de maior tensão com Rebelo de Sousa, ao garantir que existe matéria para "participação por um crime de desobediência qualificada" ao Parlamento. O deputado do CDS-PP, João Almeida, fez uma pergunta sobre a relação de Nuno Rebelo de Sousa “com outras testemunhas, nomeadamente Lacerda Sales, a mãe das crianças em causa e Wilson Bicalho", advogado da mãe das gémeas.
Nuno Rebelo de Sousa invocou, mais uma vez, o estatuto de arguido para se remeter ao silêncio, mas o deputado do CDS-PP sublinhou que a questão em causa "não está abrangida por essa exclusão". "Desobedeceu àquilo que é a obrigação de qualquer testemunha no âmbito da lei", declarou.
Antes da audição a Nuno Rebelo de Sousa, a mesa dos deputados aprovou a audição de Augusto Santos Silva e de Francisca Van Dunem, respetivamente ministro dos Negócios Estrangeiros e ministra da Justiça à data dos acontecimentos de eventual favorecimento às gémeas que sofrem de atrofia muscular espinhal tipo 1.
Juliana Vilela Drummond, companheira de Nuno Rebelo de Sousa, vai também ser ouvida.