Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

“Campanha orquestrada contra o MP”. Lucília Gago critica declarações da ministra da Justiça

08 jul, 2024 - 22:10 • João Pedro Quesado

Procuradora-geral da República recusa ter pensado em demitir-se e admitiu a autoria do parágrafo que referia uma investigação a António Costa, mas não se sente culpada pela demissão do ex-primeiro-ministro. Na primeira entrevista desde que assumiu funções, em outubro de 2018, a responsável do Ministério Público justificou o silêncio dizendo que "a discrição é bem melhor do que o espalhafato".

A+ / A-

A procuradora-geral da República considera “indecifráveis e graves” as declarações da ministra da Justiça sobre o Ministério Público e avisou que há uma “campanha orquestrada” contra o MP. Numa entrevista esta segunda-feira à RTP, Lucília Gago garantiu ainda não se sentir responsável pela demissão de António Costa depois do comunicado da PGR no dia 7 de novembro de 2023.

Na primeira entrevista desde que tomou posse como procuradora-geral da República, em outubro de 2018, Lucília Gago criticou as declarações da ministra da Justiça. Numa entrevista ao Observador no final de junho, Rita Alarcão Júdice defendeu que o próximo procurador-geral devem pôr “ordem na casa” depois de “uma certa descredibilização” do MP.

Para a atual PGR, estas declarações são “indecifráveis e são graves”, e causaram perplexidade. “São graves pela circunstância de estarem a dizer que o MP tem falta de liderança, de capacidade de comunicação e que tem que arrumar a casa, dizendo que houve perda de confiança imputável à minha liderança”, explicou.

“A minha conclusão é que se juntam a muitas outras que imputam ao Ministério Público as coisas más que acontecem na justiça. O que recuso em absoluto”, disse Lucília Gago, lamentando ainda que o diagnóstico apontado pela ministra da Justiça não lhe tenha sido revelado “numa audiência que lhe pedi e que demorou três horas”, e que seria “uma ocasião ótima”.

Questionada se pensou em demitir-se, a procuradora-geral recusou essa possibilidade, argumentando estar “perfeitamente consciente de que há uma campanha orquestrada, na qual se inscrevem pessoas que têm ou tiveram um papel de relevo na vida da nação”.

“Há muitas formas de exercer pressão. Estas pressões decorrem de tudo o que temos assistido”, continuou Lucília Gago, que diz encarar o mandato que desempenha “como levando um cunho de rigor, objetividade e de isenção”.

Parágrafo no comunicado escrito antes de reunião com Marcelo

A Procuradoria-Geral da República divulgou, a 7 de novembro de 2023, um comunicado em que um parágrafo final referia a abertura de inquérito a António Costa devido ao “conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos”.

Interrogada sobre este parágrafo, Lucília Gago esclareceu que já estava incluído no comunicado, que “estava absolutamente preparado” antes do encontro em Belém com Marcelo Rebelo de Sousa. O comunicado, disse, não foi divulgado antes por ainda haver “uma detenção a consumar” naquela manhã.

Depois, a magistrada assumiu a autoria do parágrafo, que disse ter concebido com o gabinete de imprensa da PGR.

“É da minha inteira responsabilidade a inclusão desse parágrafo. Não era compreensível a omissão. Numa operação que envolveu buscas, detenções na residência oficial do primeiro-ministro, não se dizer naquele comunicado que, para além daquelas pessoas referenciadas, havia também um processo na sequência de referências feitas por suspeitos que apontavam ao primeiro-ministro que teria tido um comportamento determinado. Não acho que, por razões de transparência, pudesse ser omitido”, defendeu Lucília Gago.

A líder do Ministério Público recusou, depois, sentir-se culpada pela demissão de António Costa, algo que já tinha declarado em 2023. “É evidente que não me sinto responsável pela demissão do primeiro-ministro. Poderia continua a desempenhar as suas funções”, avaliou, já que “outros políticos se têm visto a braços com investigações e não se demitem” - dando mesmo o exemplo de Ursula von der Leyen e de Pedro Sánchez.

Recusando o “golpe de Estado” apontado por Pedro Adão e Silva, ex-ministro da Cultura, num texto de opinião, a procuradora-geral argumentou que “a avaliação feita pelo primeiro-ministro à época é pessoal, política, que não cabe ao Ministério Público fazer. O MP fez o seu trabalho, revelou o que tinha a revelar e não se deve preocupar com as consequências”.

Lucília Gago declarou ainda que “ninguém disse” que António Costa “estivesse indiciado seja do que for”.

Costa ainda pode vir a ser arguido

Depois de semanas em que a falta de indiciação de António Costa, após ser ouvido pelo Ministério Público no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) a 24 de maio, foi tomada como um sinal de provável inocência, Lucília Gago veio recordar que nada está fechado.

“O ex-primeiro-ministro foi ouvido a pedido do próprio e, na altura, o magistrado entendeu que não havia indícios fortes e não o constituiu arguido. Naquela altura. Não sei quanto tempo vai demorar, nem o resultado”, afirmou a magistrada, que apontou que essa investigação “decorre a par e passo com o resto do inquérito”.

“O ex-primeiro-ministro não foi constituído arguido no momento em que foi ouvido. Entretanto, passaram duas, três ou quatro semanas. Se o inquérito não foi agora arquivado é porque algo restará que impede o despacho final deste inquérito, qualquer que ele seja”, alegou Lucília Gago.

Depois de recusar ter “responsabilidade inteira” sobre o processo que envolve António Costa - “porque não conheço os processos à minúcia” -, a procuradora-geral da República também considerou que o MP “não deve um pedido de desculpa” ao ex-primeiro-ministro “se o processo for arquivado”.

Justiça comete erros ou faz “leituras distintas”?

Já sobre potenciais erros do Ministério Público na operação Influencer, como os apontados pelo Tribunal da Relação às interpretações feitas durante a investigação, Lucília Gago disse que “acontece haver leituras distintas”.

“O Ministério Público, com a prova que recolheu, fez uma leitura com elementos de que dispunha. Esse juízo que fez não foi subscrito pelo magistrado judicial, ou pelo Tribunal da Relação. Ora bem, a investigação prossegue”, afirmou.

A procuradora-geral justificou ainda as escutas a João Galamba durante quatro anos, declarando que, se isso, aconteceu, é porque “se foram encontrando elementos”.

“Faz-se uma escuta, autorizada por magistrado judicial, e que é sujeita a espaços a nova autorização. Continuar a submeter aquele cidadão a escutas, apenas significa que se entendeu que era muito relevante continuar a escutá-lo”, explicou, mesmo sublinhando que “não é desejável nem é comum” alguém ser escutado durante tanto tempo.

Mas Lucília Gago lamentou a detenção de três pessoas durante 22 dias, na sequência de investigações por alegada corrupção na Madeira, apenas para saírem em liberdade. “A imagem da justiça sai muito fragilizada”, reconheceu. Contudo, justificou a demora com a greve dos oficiais de justiça que estava em curso no início do ano.

“Não acredito de todo que os colegas no terreno escolham datas”

À boleia dos comentários de Marcelo Rebelo de Sousa num jantar, em abril, com os correspondentes brasileiros em Portugal – em que, entre muitas considerações, disse que Lucília Gago teve um ato “maquiavélico” no dia em que o caso Influencer foi conhecido, ao abrir o inquérito do caso das gémeas – a magistrada falou sobre coincidências de datas em investigações.

“Quero esclarecer que não há quaisquer critérios desse tipo na atuação do MP. Não fui eu que instaurei esse inquérito em específico. Aliás, eu desconhecia esse inquérito, soube depois. Não recebi essas declarações com agrado, fazem criar na opinião pública um propósito de concertação destas datas. E esse propósito não existiu – muito menos da minha parte”, esclareceu a procuradora-geral da República.

A responsável do MP afirmou que os magistrados tentam ter as datas em conta “para não causar perturbação”, em vez de as conjugarem, e não acredita “de todo que os colegas no terreno escolham datas”, já que “o Ministério Público não se pauta por esse tipo de critério”.

Sobre os comentários propriamente ditos do Presidente da República, Lucília Gago esforçou-se para evitar responder, referindo apenas que “causaram alguma perplexidade, surpresa, algum desconforto a um conjunto de pessoas”.

Esclarecimentos e escrutínio são “espalhafato”?

No início da entrevista, a magistrada foi confrontada com a recusa de entrevistas e falta de esclarecimentos em seis anos de mandato. Questionada se se considerava acima do escrutínio público, disse ter preferência pela discrição.

“Eu sempre considerei que a discrição é bem melhor do que o espalhafato, nunca tive o culto da imagem, não preciso de popularidade, de modo algum de estrelato. A minha prioridade é dar um contributo sério, honesto. O que procurei fazer numa lógica de absoluta isenção, de retidão”, declarou Lucília Gago,

A procuradora-geral da República apontou ainda a uma duplicação do “número de elementos para a assessoria de imprensa”.

Saiba Mais
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+