28 out, 2024 - 06:30 • Tomás Anjinho Chagas
Davide Amado é o presidente do PS Lisboa, além de ser presidente da Junta de Freguesia de Alcântara desde 2013. No verão, iniciou também funções como deputado do Partido Socialista, ao substituir Marta Temido na Assembleia da República.
Esta entrevista à Renascença surge num momento em que o calendário começa a apertar: as autárquicas realizam-se dentro de um ano e, em Lisboa, o PS tem o objetivo de interromper a liderança de Carlos Moedas, que, apesar de ainda não ter dito se quer candidato, será provavelmente o adversário dos socialistas.
Com os tumultos registados na última semana na capital, alguns especialistas têm referido que há falta de proximidade entre a polícia e alguns desses bairros mais sensíveis. Em Alcântara, convivem realidades muito diferentes; há condomínios de luxo e também há bairros sociais. Também sente que existe essa falta de proximidade quando a polícia entra nesses bairros? É difícil para a polícia entrar lá?
O que é difícil é apenas falar deste tema quando acontecem situações deste género. O que todos temos tentado fazer em comunidade, em Alcântara, que apenas tem um bairro municipal, é um trabalho permanente e contínuo. Em Alcântara, temos feito esse trabalho e temos tido resultados positivos.
Em situações destas, as detenções por parte da Polícia Municipal continuam a não fazer sentido?
A Polícia Municipal já pode ter pessoas. As grandes cidades têm a mais-valia de ter uma Polícia Municipal, essa polícia tem atribuições e competências. Por que é que muitas dessas competências não são cumpridas? Por que não fiscaliza as faixas BUS? Eu acho que não tem orientações claras para isso. Anteriormente, era um problema de falta de recursos. Agora, pelo discurso que percebi, já não há um problema de falta de recursos, já há um problema de falta de competências. Acho que é uma falsa questão, é mais uma questão na linha da propaganda que tem sido a tónica principal da governação da cidade de Lisboa nos últimos anos.
Estamos a aproximar-nos da apresentação do Orçamento Municipal de Lisboa. A Câmara disse, em comunicado, que o PS não apresentou propostas. É mesmo assim?
Fui surpreendido com esse comunicado. O que o PS fez foi, em julho, quando fomos eleitos, pedir uma reunião ao Sr. Presidente da Câmara, que ainda não tive resposta, para falar sobre o orçamento e sobre várias coisas da gestão da cidade. Não tendo resposta, o PS, em setembro, enviou uma carta detalhada sobre uma série de preocupações que temos, na área da habitação, na mobilidade, nos direitos sociais, na questão da saúde financeira. Preocupa-nos bastante, enviámos essa carta com essas preocupações e com algumas medidas. A reunião que tivemos não é nenhuma reunião extraordinária, é do direito à oposição.
Aguardamos o orçamento da câmara para poder analisar. O que é aqui caricato é que, mesmo antes sequer do PS ter pronunciado sobre este tema, já vem esta narrativa da vitimização, de que não estamos a apresentar propostas quando não é verdade. Uma coisa que eu sei e que é factual: nos últimos três anos, a cidade de Lisboa só teve orçamento porque o PS o viabilizou.
E agora?...
O PS expressou uma série de preocupações, espera que a Câmara envie o documento e, depois, analisaremos e daremos nota do nosso sentido de voto, quer ao executivo municipal quer aos lisboetas.
Então, não está fora das hipóteses chumbar o orçamento municipal?
A questão não é chumbar, estar contra ou estar a favor.
Um voto contra o orçamento municipal por parte do PS não era uma forma de demonstrar esse descontentamento do PS na entrada para este último ano de mandato?
O PS não tem votos para expressar contentamentos ou descontentamentos. O PS é um partido responsável, o orçamento é um instrumento fundamental para o município, para Lisboa e para os lisboetas. O que vai ditar o voto do PS é o orçamento que é apresentado e as respostas que tem esse orçamento. Não vamos ficar reféns de qualquer tentativa de vitimização. Vamos ser responsáveis como sempre fomos. Não vamos poder falar de um documento que não conhecemos. O tempo que perdem a fazer comunicados para criar estas narrativas... Se dessem mais atenção ao orçamento, se calhar, teria mais proveito para a cidade de Lisboa
Hora da Verdade
Autarca de Lisboa venceu as eleições autárquicas h(...)
O PS espalhou alguns outdoors pela cidade nos quais critica Carlos Moedas por a cidade estar suja. É culpa da Câmara?
É responsabilidade da Câmara resolver o problema, sim.
O que é que está a faltar?
Lisboa, neste momento, vive uma crise reputacional por causa da questão do lixo e o presidente não percebe que a responsabilidade é dele. Temos verificado que este Executivo tem o mantra de não querer fazer parte dos problemas, logo não faz parte da solução. O problema ou era do executivo anterior porque não resolveu o problema ou era das freguesias que não faziam a sua parte. Depois, era responsabilidade da reforma administrativa. Há sempre uma tentativa de desconstruir a realidade para confundir o que é a perceção da opinião pública. Não, a recolha do lixo é da Câmara. A recolha do lixo está a pior.
Mas consegue perceber porquê?
Não é a culpa dos trabalhadores da Câmara, só há três trabalhadores da Câmara que podem ser responsáveis. Neste momento existem, segundo o seu presidente da Câmara, mais meios.
Foram contratadas 200 pessoas…
Não se nota nada. Não se nota que existem essas pessoas. A responsabilidade é de quem coordena os giros, de quem faz os circuitos de recolha. Há viaturas que estão avariadas e ninguém sabe porquê nem onde estão. Enquanto não se encarar o problema, não se consegue encontrar soluções. O presidente da Câmara encontrou um diagnóstico: não há recolha ao domingo. O diagnóstico pode até nem esta errado, mas o que fez? Nada...
O presidente queixa-se que os sindicatos não deixam…
Os sindicatos não existem só há três anos, existem desde o 25 de abril. Quem governa não se pode queixar dos sindicatos, tem de trabalhae e não desculpar-se com os sindicatos. Só há três trabalhadores da Câmara que podem ser responsabilizados: o novo diretor municipal responsável pela agenda urbana, alto-quadro do PSD [Fernando Moutinho], o seu vereador que tem a responsabilidade da agenda urbana, Ângelo Pereira, e o presidente da Câmara. Não sei qual é que é o sindicato que os defende, mas são os únicos que podem ser responsabilizados por esta situação, são eles os três.
O David Amado é presidente da Junta de Alcântara. Enquanto autarca que está no terreno, o que é que falha exatamente na recolha do lixo?
Falham os circuitos, as viaturas para os circuitos. Vamos simplificar: a recolha de lixo é uma operação logística. É retirar um item de vários sítios e colocar noutros. Portanto, tem de haver homens, organização e meios. E tem de haver outra coisa que deixou de existir, que é fiscalização, que é algo que me preocupa imenso.
Está a referir-se às pessoas que deixam o lixo fora do sítio?
Claro, as pessoas deixam o lixo fora do sítio. Anteriormente, era ao pé das eco-ilhas. Agora, o que vemos é sacos de lixo um pouco por todo lado. Quando alguém coloca dois ou três, passam outras pessoas que acham que podem colocar mais um ou dois. Depois, temos cinco, seis, sete, oito ou dez. Temos ilhas de lixo espalhadas um pouco pela cidade porque não há fiscalização. Vamos dizer que 1,3 mil milhões de euros não é suficiente para criar equipas efetivas de fiscalização? Quando se passa o tempo todo só com a tónica da comunicação e da propaganda, não se tem tempo para se tratar da cidade. E a cidade está desmazelada, descuidada, como eu nunca vi em 11 anos. Hoje, junto à Rua 1º de Maio [em Alcântara], estavam turistas a tirar fotografias a umas pinturas que estão no pilar da Ponte e também estavam a tirar fotografias ao lixo que lá está. Ou seja, já começamos a ser conhecidos também pelo lixo que não recolhemos. Neste momento, estamos com uma crise reputacional.
Há dois anos, deixou um alerta aqui na Renascença de que, por causa do consumo de drogas no vale de Alcântara, aquela zona parecia o Casal Ventoso de há várias décadas. Atualmente, a situação é melhor ou pior?
Nessa altura, a Junta de Freguesia de Alcântara, em conjunto com todas as instituições e com a JF de Campo de Ourique, escreveu uma carta aberta dando nota, quer dos problemasquer de possíveis soluções para aqueles problemas. Foi enviado para a Câmara Municipal de Lisboa, para o Ministério da Saúde, para o Ministério da Administração Interna [na altura o Governo era do PS]. O que a Câmara fez eu não creio que tenha sido com má intenção, acho que foi com boa intenção.
Para quem passava na Avenida de Ceuta, havia dois sítios onde estavam dezenas de pessoas a consumir drogas à vista de todos. O que foi feito pela Câmara foi tapar o buraco e colocar umas grades por baixo da passagem.
Isso agora impede que as pessoas estejam à vista, mas elas continuam a consumir…
O que resolveu foi, obviamente, naquele sítio deixou de haver essa concentração de pessoas a consumir. As pessoas que se deslocam para a Escola Superior de Saúde e para alguns estabelecimentos que ali estão não têm a questão que tinham anteriormente. As pessoas que passam de carro na Avenida de Ceuta também não vêm o problema. Não quer dizer que o problema não exista, só está escondido nas encostas do vale. Do lado de Alcântara, nos terrenos que são da IP e, mais perigoso ainda, atrás da Quinta de Loureiro, ao pé da linha do comboio. Estão em tendas, estamos a falar de dezenas de pessoas. O problema não está resolvido. Também não se consegue resolver de um dia para o outro, nem é só a Câmara que tem de o resolver...
Como é que o PS avalia a situação, o caso das pessoas sem-abrigo que estavam acampados à volta da Igreja dos Anjos? Foram realojados em hostels, em pensões...
Não sei se é propaganda ou não, mas foi apresentado um plano com um valor de 70 milhões de euros. Se é apenas para colocar pessoas em hostels, já poderia ter sido feito há bastante tempo. Retirar as pessoas da rua, ninguém pode dizer que não é algo que seja positivo. A forma como foi feito, no dia 4 de outubro à noite, para poder ser apresentado como algo triunfal num discurso ao país [discurso do 5 de outubro de Carlos Moedas] é que não cai bem. Isto é um problema grave da cidade. Nos últimos anos, a situação de sem-abrigo tem aumentado bastante, tem de haver respostas integradas e coletivas. Não é colocando as pessoas em hostels, escondendo o problema, que se resolve. Pode até ser uma situação temporária de uma ou duas semanas, mas tem de haver aqui uma resposta contínua para esta situação.
Apenas criticamos a forma como foi feito o anúncio e toda aquela operação. Parece que, agora, se calhar na véspera de Natal, vamos ter outra vez uma ação para apoiar sem-abrigo na cidade, se calhar no 10 de junho ou em campanha eleitoral. Não nos revemos. Não é assim que nós nos revemos, achamos que isto é um problema sério da cidade.
O que é que podia ser uma resposta integrada?
Cada indivíduo tem um motivo que o levou a estar na rua. Muitos destes casos são associados a problemas de saúde mental, a problemas de consumos e quem avalia e quem acompanha estas situações tem de ter a capacidade de perceber que é preciso um investimento grande em técnicos, sobretudo.
Estamos a menos de um ano das Autárquicas. Pretende evitar um segundo mandato de Carlos Moedas?
O que o PS pretende fazer é apresentar um projeto para a cidade, soluções concretas para os problemas reais da cidade. Para os problemas da habitação, mobilidade, com o cuidado da cidade, como a recolha do lixo. O presidente da Câmara fala da questão da segurança. Se a Câmara resolvero problema d os candeeiros que estão sem lâmpadas e os problemas de espaço público também resolve muitos dos problemas de segurança da cidade.
Tem já alguma grande medida pensada para a campanha do PS? Uma grande bandeira?
O PS tem de liderar um projeto para a cidade, não precisa de ir sozinho, acho que tem até que procurar com entendimentos com outros partidos.
Com o Livre, que já se manifestou aberto a isso?
Com partidos que pretendam connosco fazer parte deste projeto progressista.
O Bloco também se inclui nesse lote?
Todos os partidos que queiram connosco fazer parte deste processo, que tem de ser de diferença para a cidade. Sempre que Lisboa precisou, a esquerda uniu-se para defender e proteger Lisboa. Quando acabarem as inaugurações das obras que os executivos anteriores deixaram, o que é que ele vai inaugurar? Não vai inaugurar nada. Porque não há um projeto, não há uma ação, não há um problema que queira resolver.
E quem será a pessoa indicada para encabeçar essa frente de esquerda?
O PS tem muitos e muitos bons candidatos que podem liderar este projeto progressista para a cidade. Várias pessoas que podem encabeçar esse projeto. O PS agora está na discussão do Orçamento de Estado. Como calculará, o candidato para Lisboa ou para o Porto, Coimbra ou para as grandes capitais de distrito não depende apenas dos órgãos locais…
O secretário-geral e a direção do partido têm de se pronunciar….
Em conjunto os órgãos do partido refletirão e tomarão a melhor decisão. O que lhe posso dizer é que o PS tem muitos bons candidatos e, certamente, terá um candidato que terá o único objetivo de cuidar da cidade, ter ambição para a cidade e visão para a cidade.
Duarte Cordeiro, Mariana Viera da Silva, Alexandra Leitão... Todos bons candidatos?
Tudo bons candidatos.