25 nov, 2024 - 06:00 • Raul Santos
“Golpe militar”, “movimentação militar”, “intentona”, “pronunciamento”, “sublevação”, “enfrentamento militar”… Há — houve sempre — várias termos e expressões para definir os acontecimentos de 25 de novembro de 1975. E múltiplas interpretações dos factos. Até hoje.
A caminho da primeira comemoração solene da data na Assembleia da República, foi possível ouvir dizer a Vasco Lourenço, um militar do 25 de abril e do 25 de Novembro, que os acontecimentos de há 49 anos constituíram uma derrota da Direita. Já Rodrigo Sousa e Castro, hoje coronel e também ele um homem dos “dois 25”, considera que “quem foi derrotado foi a extrema-esquerda e a extrema-direita, não foi a direita nem a esquerda democrática”.
Múltiplos testemunhos de protagonistas recolhidos ao longo de cinco décadas não são unânimes na enumeração e mesmo na cronologia dos factos, mas poder-se-á dizer que nessa data, estando em confronto duas visões houve uma sublevação das tropas paraquedistas que, saídas de Tancos, ocuparam várias bases e pontos tidos como nevrálgicos na região de Lisboa.
Por que saíram? Quem ordenou o avanço? Que se lhes opôs? Quem acabou por recuar? Em rigor, não há uma resposta clara e inequívoca para cada uma das questões — a estas e a muitas outras. Fruto, em grande parte, da confusão instalada na época, de falhas de memória posteriores e, certamente, de conveniências.
Certo é que os acontecimentos de há 49 anos puseram fim às pulsões mais revolucionárias de sectores militares e políticos, permitindo que fosse seguido o caminho da democracia parlamentar de tipo ocidental, na linguagem de uns, ou democracia burguesa, conforme outras interpretações.
Um ano e meio depois do 25 de Abril, o país estava dividido política e, acima de tudo, militarmente e essas divisões nem sempre eram claras. Falar em dois polos é simplificar uma teia complexa e dinâmica de pulsões. Quatro dias antes do episódio que a Assembleia da República evoca de modo solene esta segunda-feira, nas bancadas de São Bento, onde se construía um projeto de Constituição, o deputado Adelino Amaro da Costa advertia: “A presente crise, crise que quase é permanente, não é civil. É militar.”
Os meses anteriores tinham sido de alta tensão. A 11 de Março, foi travada uma tentativa quixotesca de golpe do general Spínola e o Governo de Vasco Gonçalves fez avançar as nacionalizações nos principais setores da economia. Simbolicamente, começava o PREC. Em agosto, era publicado o Documento dos Nove, uma tomada de posição liderada por oficiais moderados, entre os quais se destacava Melo Antunes. “Era um documento, se assim se pode dizer, revolucionário (…). O que estava em jogo era, realmente, uma confrontação entre posições radicalmente diferentes”, dizia, em finais da década de 1990, pouco antes de morrer, o mais politizado dos militares de Abril a Maria Manuela Cruzeiro, numa entrevista para o Centro de Documentação 25 de Abril.
No plano militar, os moderados prepararam-se para responder a uma tentativa de golpe que se adivinhava e ao então tenente-coronel Ramalho Eanes foi entregue a tarefa de gizar o plano de reação. No grupo de operacionais viria a destacar-se Jaime Neves, comandante do Regimento de Comandos, determinante para o êxito da operação.
Onde estavam? Como viveram o dia? Que memória guar(...)
O confronto fazia-se, de algum modo, à Esquerda, entre radicais e moderados, mas também a Direita se juntou contra Esquerda mais radical. De volta a Melo Antunes: “O 25 de Novembro aparece como uma resposta a uma tentativa desesperada da extrema-esquerda, que se alia provisória, e até certo ponto precariamente, a certas forças do Partido Comunista. Digo certas porque acho que não foi o partido no seu conjunto.”
Ao fim da tarde, o então Presidente da República, Francisco da Costa Gomes, decretou o estado de sítio na região de Lisboa, e a situação foi controlada pelos militares afetos ao Grupo dos Nove no MFA. Otelo era afastado e Vasco Lourenço já tinha assumido o comando militar da região de Lisboa.
A Melo Antunes, provavelmente o mais respeitado elemento do Conselho da Revolução, coube, no dia seguinte, 26, a intervenção apaziguadora. Criticou os radicalismos, defendendo a construção de uma "sociedade pluralista, em transição pacífica para o socialismo". Considerou, então, que o PCP era um elemento fundamental nesse caminho, puxando o partido de Cunhal para o lado dos vencedores.
A historiadora Maria Inácia Rezola considerava em 2017 que o 25 de Novembro tinha sido “um dos episódios mais polémicos e, em alguns aspetos, nebulosos” do chamado PREC, o Processo Revolucionário em Curso.
“Há um consenso na historiografia portuguesa de que as movimentações militares foram provocadas pela saída dos paraquedistas, e de que, também conforme os seus protagonistas, os acontecimentos não se baseavam apenas numa simples reivindicação corporativa. Contudo, não há consenso se houve, ou não, uma tentativa de golpe de Estado, e quais foram os responsáveis”, indica a historiadora no Dicionário de História de Portugal, editado pela Figueirinhas.
Prossegue Rezola: “Também há falta de consenso em várias outras questões, que têm como causa a falta de resposta à questão de quem ordenou a saída dos paraquedistas: por exemplo, se foi uma tentativa de golpe de Estado ou uma ação provocada para clarificar a situação político-militar.”
Este ano, numa entrevista à SIC, por ocasião do cinquentenário do 25 de Abril, o comandante operacional do 25 de Novembro, Ramalho Eanes, considerou que “faz inteiramente sentido" que o 25 de Novembro de 1975 seja celebrado, tal como o 25 de Abril de 1974. Para Eanes, separar as duas datas constitui “um erro histórico”.
“Os erros históricos nunca são convenientes, porque a história, quando é apresentada na sua totalidade, permite-nos que a ela voltemos, para nela aprender e evitar cometer erros que foram cometidos no passado”, disse.
“Há uma data fundadora da Democracia, é o 25 de Abril, que assume perante o povo português o compromisso de honra de lhe devolver a soberania e a liberdade, de fazer com que os portugueses façam aquilo que entendem para viver o seu presente e desenhar o seu futuro.”
“Houve, como toda a gente sabe, sobretudo os mais velhos, aquela perturbação terrível a que chamaram PREC e, houve, obviamente, ameaças significativas à intenção original do 25 de Abril, que era a intenção democrática. O 25 de Novembro reassumiu esse compromisso original”, sintetizou o antigo Presidente da República.