14 set, 2015 - 09:00 • Aura Miguel , no Vaticano
O Papa Francisco está preocupado com a forma como a Igreja Católica está no mundo. Na entrevista exclusiva que deu à Renascença, o Papa diz que “uma Igreja que não sai mantém Jesus preso, aprisionado”.
Sobre o Sínodo da Família, marcado para Outubro, o Papa sublinha que “as pessoas que vivem uma segunda união não estão excomungadas e têm de ser integradas na vida da Igreja”.
O Papa Francisco receia que a Igreja se feche em si e não seja missionária. Diz mesmo, que “entre uma Igreja doente e uma Igreja acidentada”, prefere “uma acidentada”.
Para o Papa, se a Igreja se fecha em si própria, perde capacidade de acção e fica reduzida aos ritos e normas. Na entrevista à Renascença, Francisco recorre mesmo a uma analogia para se explicar: “Se uma pessoa tem em sua casa uma divisão, um quarto, fechado durante muito tempo, surge a humidade, o mofo e o mau cheiro”.
Para Francisco, o mesmo acontece à Igreja: “Se uma igreja, uma paróquia, uma diocese, um instituto, vive fechada em si mesmo, adoece (acontece o mesmo com o quarto fechado) e ficamos com uma Igreja raquítica, com normas rígidas, sem criatividade, segura, mais que segura, assegurada por uma companhia de seguros, mas não segura!”
Apesar dos riscos, o Santo Padre prefere o foco da Igreja no outro.
O Papa Francisco estende a necessidade de uma Igreja no meio do mundo a uma outra necessidade que, na sua opinião, é complementar: a da escuta interior de Jesus. Recorrendo-se do livro do Apocalipse, Francisco diz: “Há uma coisa linda de Jesus, creio que no segundo capítulo (no final do primeiro ou no segundo), em que está a falar a uma Igreja e diz: “Estou à porta e chamo” - Jesus está a bater – “Se me abres a porta, entro e vou comer contigo”. Mas eu pergunto: quantas vezes, na Igreja, Jesus bate à porta, mas do lado de dentro, para que O deixemos sair a anunciar o reino? Por vezes, apropriamo-nos de Jesus só para nós, e esquecemo-nos que uma Igreja que não está em saída, uma Igreja que não sai, mantém Jesus preso, aprisionado.”
Na entrevista à Renascença, o Papa Francisco refere que esta é uma das razões que o levaram a convocar o Jubileu da Misericórdia, dizendo que “espera que muita gente sinta a Igreja como mãe. Porque pode acontecer à Igreja o mesmo que aconteceu à Europa, não é? Ficar demasiadamente avó, em vez de mãe, incapaz de gerar vida”, refere o Papa Francisco.
Quem vive segunda união não está excomungado
Na entrevista à Renascença, o Papa Francisco sublinhou a necessidade de se encontrar uma solução para as famílias que neste momento vivem numa situação contrária às indicações da Igreja.
Citando o Papa Emérito Bento XVI, Francisco afirma que no Sínodo sobre a Família, de Outubro, “vai-se falar de todas as possibilidades de ajudar estas famílias. Que uma coisa fique clara – e que o Papa Bento deixou bem esclarecido: as pessoas que vivem uma segunda união não estão excomungadas e têm de ser integradas na vida da Igreja. Isso ficou claríssimo”.
Francisco adianta que há vários passos que podem ser dados como o “aproximarem-se da missa, da catequese, na educação dos filhos, nas obras de caridade... Há mil coisas, não é?”
Neste sentido de aproximação, o Papa Francisco explicitou na entrevista à Renascença o porquê da simplificação dos processos de nulidade de casamento na Igreja Católica, que decidiu no âmbito do Jubileu da Misericórdia. Para o Papa, trata-se de “simplificar... facilitar a fé às pessoas. E que a Igreja seja mãe”.
Para Francisco, há uma necessidade de “agilizar os processos nas mãos do bispo. Um juiz, um defensor do vínculo, só uma sentença, porque até agora havia duas sentenças. Não, agora, é só uma. Se não houver apelo, já está. Se houver apelo, vai para o metropolita, mas agilizar. E também a gratuidade dos processos”, explica.
“É importante que a catequese não seja teórica”
No âmbito da visita “ad limina” dos bispos portugueses ao Vaticano, o Papa pediu propostas convincentes para os jovens portugueses.
Na entrevista à Renascença, o Papa Francisco concretiza o seu pensamento e fala da necessidade de uma nova catequese. “É importante que a catequese não seja puramente teórica. Isso não serve. A catequese é dar-lhes doutrina para a vida e, portanto, tem de incluir três linguagens, três idiomas: o idioma da cabeça, o idioma do coração e o idioma das mãos”.
O Papa defende que a catequese deve assumir estas linguagens para “que o jovem pense e saiba qual é a fé, mas que, por sua vez, sinta com o seu coração o que é a fé e, por sua vez, faça coisas. Se falta à catequese uma destas três línguas, destes três idiomas, não avança”, resume.
Argumenta que “a metodologia catequética, às vezes, não é completa”, pelo que defende que é necessário “procurar uma metodologia da catequese que junte as três coisas: as verdades que se devem crer, o que se deve sentir e o que se faz, o que se deve fazer, tudo junto”.
O Papa Francisco defende o respeito pelos tempos dos jovens, através de um acompanhamento “oportuno e prudente”. Para o Papa, “um jovem é inquieto. Não quer que o incomodem e, nesse sentido, pode-se dizer que ‘o vestido da primeira comunhão não lhes serve’. As crianças, pelo contrário, quando vão comungar, gostam do vestido da primeira comunhão. É uma ilusão. Os jovens têm outras ilusões que, muitas vezes, são muito boas, mas há que respeitar, porque eles mesmos não se entendem, porque estão a mudar, estão a crescer, estão à procura, não é? Por isso, é preciso deixar o jovem crescer, há que o acompanhar, respeitar e falar-lhe muito paternalmente”.