23 set, 2015 - 16:56 • Aura Miguel , nos EUA, e Filipe d’Avillez
O Papa Francisco elogiou esta quarta-feira a forma como os bispos americanos lidaram com o escândalo dos abusos de menores por parte de clérigos.
Num discurso aos bispos, na catedral de São Mateus, em Washington, Francisco abordou o tema, incluindo-o na listagem de aspectos que admira na Igreja americana.
“Estou consciente da coragem com que enfrentastes momentos obscuros do vosso percurso eclesial, sem temer autocríticas nem vos poupardes a humilhações e sacrifícios, sem ceder ao temor de vos despojardes de quanto é secundário, contanto que se recuperasse a credibilidade e a confiança requerida aos Ministros de Cristo”.
“Sei quanto vos pesou a ferida dos últimos anos e acompanhei o vosso generoso esforço para curar as vítimas – conscientes de que, curando, também nós ficamos curados – e para continuar a agir a fim de que tais crimes nunca mais se repitam”, afirmou.
A Igreja americana foi das mais duramente atingidas por esta crise, sobretudo porque a cultura de indemnizações levou ao pagamento de milhões de dólares às vítimas e inclusivamente à falência de várias dioceses.
Naquele que foi o maior discurso até ao momento desta viagem a Cuba e aos Estados Unidos, Francisco teceu uma série de considerações sobre o que espera dos bispos, como por exemplo a atenção e o cuidado pelos sacerdotes, para que não se deixem desencorajar ou transformar em burocratas.
Diálogo sem medo
Numa sociedade muito polarizada, não só no campo político, mas também internamente na Igreja, o Papa pediu um compromisso com as causas sociais mas sem linguagem ou atitudes conflituosas.
“O caminho a seguir é o diálogo entre vós, diálogo nos vossos presbitérios, diálogo com os leigos, diálogo com as famílias, diálogo com a sociedade. Não me cansarei jamais de vos encorajar a dialogar sem medo. Quanto mais rico for o património que tendes para partilhar desassombradamente, tanto mais eloquente há-de ser a humildade com que o deveis oferecer”, disse, concluindo que “a linguagem dura e belicosa da divisão não fica bem nos lábios do pastor, não tem direito de cidadania no seu coração e, embora de momento pareça garantir uma aparente hegemonia, só o fascínio duradouro da bondade e do amor é que permanece verdadeiramente convincente”.
Contudo, explica Francisco, há certos assuntos em relação aos quais os bispos simplesmente não podem ficar calados: “A vítima inocente do aborto, as crianças que morrem de fome ou debaixo das bombas, os imigrantes que acabam afogados em busca de um amanhã, as pessoas idosas ou os doentes que olhamos sem interesse, as vítimas do terrorismo, das guerras, da violência e do narcotráfico, o meio ambiente devastado por uma relação predatória do homem com a natureza”, elencou.
“Em tudo isto está sempre em jogo o dom de Deus, do qual somos administradores nobres mas não patrões. Por conseguinte, não é lícito iludir ou silenciar. De importância não menor é o anúncio do Evangelho da família que, na iminente Jornada Mundial das Famílias, em Filadélfia, terei ocasião de proclamar com força juntamente convosco e a Igreja inteira.”
Identificação com os imigrantes
Durante o seu discurso, Francisco referiu-se a si mesmo como americano estabelecendo assim uma identificação com os bispos a quem se dirigia, chegando mesmo a comparar a história e a geografia dos EUA com as da Argentina.
Mas o Papa deixou para o final deste texto um apelo sentido a favor do acolhimento dos imigrantes da América latina que procuram diariamente entrar nos Estados Unidos, em busca de uma vida melhor.
“Neste momento, tendes esta longa vaga de imigração latina que investe muitas das vossas dioceses. Não só como Bispo de Roma, mas também como pastor vindo do Sul, sinto a necessidade de vos agradecer e encorajar. Talvez não vos seja fácil ler a sua alma; talvez vos sintais desafiados pela sua diversidade. Sabei, no entanto, que também possuem recursos para partilhar. Por isso, acolhei-os sem medo.”
“Oferecei-lhes o calor do amor de Cristo e decifrareis o mistério do seu coração. Estou certo de que, mais uma vez, estas pessoas enriquecerão a América e a sua Igreja”, concluiu Francisco.