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Entrevista

"Na Síria não usamos a palavra 'fácil', nem 'tranquilo'"

06 out, 2015 - 16:43 • Filipe d'Avillez

O provincial dos salesianos para o Médio Oriente diz que o seu sonho é que os cristãos se mantenham na região. Mas, perante as ameaças, não pode dizer-lhes para não emigrarem.

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É responsável por perto de 100 salesianos, de 18 nacionalidades e presentes em cerca de uma dezena de países no Médio Oriente. Juntos, servem milhares de pessoas, sobretudo jovens e na maioria muçulmanos, apesar de todas as dificuldades que enfrentam no dia-a-dia.

O padre Munir el Rai – que prefere o título árabe “abuna” – esteve em Portugal na semana passada e partilhou com a Renascença as dificuldades e os desafios da sua missão, sobretudo na Síria, o país onde nasceu e que tem visto ser destruído ao longo dos últimos quatro anos.

Disse uma vez que os salesianos estavam preparados para serem martirizados por permanecer na Síria. Já perderam algum salesiano durante esta guerra civil?

É verdade, os salesianos presentes na Síria arriscam o martírio. Estamos sempre disponíveis até a dar a vida. Houve vários momentos graves, de grande perigo, mas graças a Deus estão todos seguros.

Nenhuma das casas dos salesianos está em áreas controladas pelo Estado Islâmico?

Não. São zonas que até agora têm estado nas mãos do Governo, zonas bastante tranquilas, mas "tranquilo" na Síria deixou de existir, porque o perigo é iminente e o improviso pode sempre acontecer.

Como é que faz para visitar Alepo ou Damasco, por exemplo? É fácil entrar e sair de lá?

Depende do momento. Há alturas em que é impossível, a situação é muito grave e é difícil a passagem. Há alturas menos difíceis, mas não usamos a palavra "fácil", nem "tranquilo". Não se usa. Usamos situação gravíssima ou menos grave. São estes os termos.

As viagens são cansativas e duras e podem surgir problemas inesperados. Várias pessoas já foram raptadas e mortas, incluindo dois padres raptados, e dois bispos também. Pode acontecer o inesperado. Mas é preciso muito cuidado e quando viajamos é com muita simplicidade, com muito cuidado, tentando confiar-nos ao Senhor.

A Europa está agora a debater a questão dos refugiados, muitos dos quais vêm da Síria. Como sírio, como descreve a resposta europeia a este problema?

A questão dos refugiados é muito complicada e muito difícil. É justo recordar que há muitos refugiados também na Turquia, Líbano, Jordânia, também no Egipto. Estamos a falar de milhões. Muitos deles vivem em campos de refugiados e sofrem. Este é um ponto a recordar e sublinhar, porque se fala do problema como se só afectasse a Europa.

Desde o início da guerra que alguns começaram a vir para a Europa. Muitas pessoas, ao longo dos anos da guerra, vieram para a Europa. Estranhamente – e é isso que questionamos – só agora é que são notícia de primeira página e só os da Europa.

É certo que a Europa está a tentar ajudar estes refugiados, mas não existe um plano bem organizado nem adequado. É preciso um plano para que possam ao menos deixar de arriscar a vida porque tantos morrem durante a viagem. Muitos são deixados aos traficantes, muitos sofreram verdadeiramente, por isso devemos agradecer à Europa este acolhimento, esta vontade de acolher, mas neste momento falta um plano bem estudado, bem organizado, para poder acolher e acompanhar.

São duas coisas diferentes. Acompanhar, de forma sistemática e com dignidade, seria uma coisa importante.

Temos visto cristãos a abandonar o Médio Oriente em maior proporção que muçulmanos e fala-se no perigo de o Médio Oriente ficar sem cristãos nos próximos anos. Ouvimos alguns patriarcas a dizer que em vez de ajudar os cristãos a sair devíamos estar a ajudá-los a permanecer. Isto é realista?

Enquanto pastores das igrejas orientais, o nosso sonho, aquilo que desejamos e queremos e pelo qual trabalhámos toda a vida, é que os cristãos permaneçam no Médio Oriente. Isto é o mais importante, fundamental para nós.

Mas falando com as pessoas, sobretudo com os jovens, depois de anos de guerra e de destruição e havendo um alto risco de vida, não podemos dizer-lhes para permanecer. Obviamente eles dizem que querem tentar salvar pelo menos as suas vidas, por isso procuramos uma solução.

Tentamos ajudar, sustentar espiritualmente, moralmente, materialmente, procurando sustentá-los nos países vizinhos, mas muitos decidem ir, de modo definitivo, para mais longe. Esta forte imigração é a principal questão com que nos confrontamos no cristianismo oriental.

Os cristãos estarão algum dia em segurança no Médio Oriente ou no mundo islâmico em geral?

No Médio Oriente tanto cristãos como não-cristãos têm sofrido com a guerra. Também muitos muçulmanos morreram. Bebés, jovens, mulheres, homens, todos pagaram o preço da guerra. Vivemos momentos felizes e belos no Médio Oriente, mas também momentos de sofrimento. Por isso, acredito que podemos voltar a ter momentos bonitos também.

Os cristãos no Médio Oriente estão divididos entre diferentes ritos, com diferentes patriarcas. Não seria melhor ter uma voz forte para falar pelos cristãos no Médio Oriente, em vez de muitas vozes mais fracas?

Esta diversidade não é uma fraqueza, é uma riqueza. Por isso, eu não digo que estamos divididos: somos de muitos ritos, mas unidos no caminho cristão.

O Papa Francisco falou de um ecumenismo de sangue. Sentem isso, que o sofrimento aproximou os cristãos?

Sim. O sofrimento e o conflito uniram-nos mais.

Acredita que haverá paz na Síria ou não vê qualquer solução para breve?

Como sou bom sírio, bom cristão e bom salesiano, creio na paz. Chegará certamente o tempo da paz.

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