09 jan, 2016 - 10:20 • Filipe d'Avillez , Joana Bourgard (imagem)
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Ao contrário do que os leigos possam pensar, a liturgia não é uma coisa estanque e permite até bastante variedade, explica o padre Vítor Gonçalves, da paróquia de São Domingos, na baixa de Lisboa.
“A liturgia é uma realidade viva. De facto, podemos dizer que ela tem algumas normas, por assim dizer, mas penso que a primeira é o bom senso. E tem os seus livros, que são acima de tudo uma ajuda para a diversidade, até, com que as coisas podem ser vividas. Este subsídio que é apresentado, com as múltiplas possibilidades de relevar, nas celebrações habituais, nas celebrações de domingo, mas em todas as outras, a dimensão da misericórdia, abre espaço a bastante criatividade, e criatividade legítima”, explica.
O guião do Vaticano, publicado em livro em Portugal pela Paulus, apresenta três leituras que podem ser usadas durante o ano para realçar a dimensão da misericórdia de Deus. “A primeira é a história do pai e dos dois filhos [filho pródigo], onde o caminho do filho para a casa do pai é aguardado com uma expectativa tão grande pelo pai que, quando o vê a vir ao longe, corre ao encontro dele. Então vemos aqui que há sempre, na liturgia, dois caminhos. É o nosso caminho e é o caminho de Deus também connosco, na nossa direcção. E o que há é um encontro, é sempre a celebração de um encontro.”
“Vemos um outro texto, o do Bom Samaritano, onde também há um caminho e alguém que fica caído à beira. E há alguém que passa e inesperadamente, porque pertencia a uma classe social que eram os samaritanos, que não era muito bem vista, por razões históricas pelos judeus, é o único que pára, interrompe o caminho, para ajudar aquele desconhecido, e faz-lhe todo o bem que está ao seu alcance fazer. É muito bonito e é também a imagem que surge no logótipo do ano da misericórdia, Cristo a tomar sobre os ombros aquele que está caído.”
“O terceiro texto, curiosamente não havendo uma dimensão de caminho, supõe, da atitude daquela mulher pecadora que na casa de Simão lava os pés de Jesus com as suas lágrimas, um caminho espantoso. Um caminho de humildade, um caminho de amor”, explica o padre Vítor Gonçalves.
“Portanto, aquilo que à partida, à primeira vista, interpela mais nesta dimensão da liturgia do ano da misericórdia, é como vamos celebrar os diferentes caminhos da Igreja que tem uma missão de ir ao encontro de todos, os diferentes caminhos de cada um de nós nesse encontro com o pai e também o cuidar dos irmãos.”
O guião não foca apenas questões de leituras e de orações. As recomendações do Vaticano vão também no sentido de se realçar certas áreas da Igreja durante este ano, a começar pelas portas santas, evidentemente, onde elas existem, mas também os baptistérios e os altares.
Para que tudo isto seja posto em prática, contudo, é necessário uma disponibilidade do celebrante e também dos fiéis, demasiadamente habituados a assistir às missas e celebrações de forma inactiva. “A razão pela qual achamos que é sempre a mesma coisa é porque os presidentes, os agentes da celebração litúrgica, acabam por repetir muito, por exemplo, a mesma oração eucarística, ou porque se tem pressa e há poucos sacerdotes e é preciso ir para outro lugar. Mas há uma riqueza extraordinária.”
“Depois há também uma outra coisa. É que somos herdeiros do Latim, em que quando o padre diz qualquer coisa nós desligamos e nem reparamos que o prefácio de hoje é diferente do prefácio da semana passada. Que a oração eucarística de hoje é diferente. Há um certo automatismo na nossa participação na celebração”, diz o padre.