05 fev, 2016 - 11:24 • Filipe d'Avillez , Aura Miguel
O Papa Francisco e o patriarca Kirill de Moscovo vão encontrar-se em Cuba, no dia 12 de Fevereiro. O anúncio do encontro histórico foi feito esta sexta-feira de manhã e já foi confirmado pelo Vaticano. Trata-se da primeira vez que um Papa e um patriarca de Moscovo se encontram oficialmente.
Será um encontro relâmpago, com o Papa a parar durante poucas horas em Cuba antes de seguir para uma visita pastoral ao México. Segundo a Igreja Ortodoxa da Rússia, o tema central do encontro será o drama dos cristãos perseguidos no Médio Oriente, embora também esteja prometida a assinatura de uma declaração conjunta sobre o futuro do diálogo entre as duas igrejas. Segundo o director da Sala de Imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi, foram dois anos de negociações intensas para conseguir alcançar este encontro.
Apesar das muitas coisas que ainda separam católicos de ortodoxos, há também várias preocupações em comum. Tanto Roma como Moscovo acompanham com preocupação a instabilidade no Médio Oriente e a perseguição a que os cristãos têm sido sujeitos.
Os cristãos do Médio Oriente dividem-se entre católicos e ortodoxos e a Igreja Russa tem apoiado a intervenção militar de Moscovo no conflito sírio, invocando precisamente a necessidade de proteger as comunidades cristãs dos ataques de fundamentalistas islâmicos.
A Igreja Ortodoxa Russa é a mais significativa das igrejas ortodoxas de tradição bizantina, que inclui a maioria das Igrejas do leste da Europa e também de algumas outras partes do mundo, sendo a segunda maior comunhão cristã do mundo, com cerca de 300 milhões de fiéis. Dois terços desses são russos.
A primazia de honra na comunhão ortodoxa é o patriarca ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu, com quem tanto o Papa Francisco como os seus antecessores se encontraram várias vezes. Mas a Igreja Russa tem sido muito resistente a encontros ecuménicos. João Paulo II e Bento XVI manifestaram o desejo de visitar a Rússia, mas tal sempre foi recusado pelos responsáveis religiosos naquele país.
Porquê Cuba?
Aparentemente, a escolha de Cuba será apenas pela coincidência de Kirill se encontrar no país em visita pastoral na mesma altura em que o Papa Francisco se dirige ao México.
Contudo, Roma e Moscovo já confirmaram que este encontro é o resultado de dois anos de negociações, pelo que não haverá lugar a coincidências no planeamento.
Perante as recusas constantes da Rússia a uma visita papal, a possibilidade de um encontro em terreno neutro já tinha sido avançado, chegando-se a ponderar Viena, cujo bispo ortodoxo, Hilarion, era o responsável pelas relações com a Igreja Católica.
Contudo, Moscovo terá dito que preferia que um eventual encontro tivesse lugar fora da Europa.
A Rússia já tem uma ligação historicamente forte com Cuba e o Papa Francisco, não só por ser latino-americano mas também pelo seu papel nas negociações do fim do bloqueio de Washington a Havana, também.
Nos últimos anos não só Francisco foi a Havana, como Raul Castro visitou Roma, tendo chegado a dizer que por influência do Papa estava mais próximo de regressar à sua fé católica, sublinhando, quando o disse, que não estava a brincar.
Entretanto Raul Castro foi também a Moscovo e é por isso altamente provável que a hipótese deste encontro esteja a ser discutida desde então e que a visita pastoral de Kirill tenha sido marcada para estas datas propositadamente.
Esperanças ecuménicas
O encontro de duas das mais importantes figuras do cristianismo mundial surge também a poucos meses de um conselho dos líderes de todas as Igrejas ortodoxas oficialmente reconhecidas, que vai decorrer em Junho.
O descongelamento das relações entre Roma e Moscovo, nas vésperas desse conselho, poderá ter uma grande influência para o resto da Comunhão Ortodoxa e permitir dar significativos passos rumo à aproximação.
A Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa estão separados desde 1054, altura em que o Papa e o então patriarca de Constantinopla se excomungaram mutuamente. Em causa estavam algumas questões teológicas, mas sobretudo geopolíticas, numa altura em que o Império Romano do Ocidente já tinha acabado e o poder imperial estava sedeado em Constantinopla.
Enquanto a Ocidente a autoridade do Papa se consolidou, as igrejas ortodoxas desenvolveram um modelo de autocefalia, mantendo-se em comunhão umas com as outras, mas independentes em termos de autoridade, com o patriarca de Constantinopla a ser reconhecido como um “primus inter pares” dos patriarcas.
Os ortodoxos têm dificuldade em reconhecer o papel de autoridade do Papa e, no caso específico da Rússia, queixam-se de proselitismo por parte de Roma em terrenos que consideram como historicamente seus, incluindo a Ucrânia, onde existe uma igreja de rito oriental mas fiel a Roma. Essa Igreja, conhecida como a Igreja Greco-Católica da Ucrânia, bem como outras igrejas católicas de rito oriental que ficaram do lado comunista da cortina de ferro, foi muito duramente perseguida pelas autoridades soviéticas. Na altura foi oficialmente extinta e integrada na Igreja Ortodoxa Russa, que era controlada pelo regime. Só nos anos 90 é que os católicos orientais foram novamente reconhecidos, mas muitas das suas propriedades mantiveram-se nas mãos dos ortodoxos.
Existem por isso feridas em ambos os lados, que dificultam a reatar de relações, mas em Janeiro deste ano, no final da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, o Papa Francisco fez um pedido de desculpas a todos os cristãos que tenham sido ofendidos ou mal-tratados pelos católicos ao longo dos séculos, manifestando a sua esperança de que os ressentimentos possam ser ultrapassados.
[Notícia actualizada às 14h25]