05 out, 2016 - 11:20 • Filipe d'Avillez
Qual é a sensação de terminar uma prova como o Ironman?
É uma sensação boa, é a sensação que todos experimentamos quando temos um sonho ou um projecto e conseguimos cumprir. Uma sensação de grande alegria, que resultou em muitas lágrimas, lágrimas de alegria, depois de ter passado aquela meta que para mim, antes, era uma barreira quase inalcançável. E o sonho tornou-se realidade e isso criou em mim, naquele momento, uma grande alegria.
Permitiu-me descobrir que tinha forças que desconhecia, e que me ajudaram a transcender-me. Tinha um plano e consegui ir mais longe do que esse plano, ou seja, superar-me, transcender-me.
Quando diz transcender-se, não só no plano físico...
Posso dizer que experimentei uma certa transcendência, fisicamente, mas graças também à mão de Deus, à ajuda que Deus me deu, porque de facto, fisicamente, não estava no meu melhor, tinha estado com uma lesão no mês anterior à prova e portanto houve ali alguma coisa que me ajudou a transcender e a superar até os tempos a que me tinha proposto. Houve uma espécie de muro que fui capaz de transpor, graças à força que Ele me deu.
Houve muita gente que o acompanhou, isto teve um impacto num círculo grande de pessoas?
Sim, tem sido muito bom ver a reacção das pessoas, a alegria com que receberam esta notícia, este meu feito desportivo. Criou nas pessoas uma reacção muito positiva e isso leva-me a concluir que é uma missão a continuar.
As pessoas incentivam-me a continuar, a ver o desporto como lugar de missão e onde levo de facto os valores que celebro dentro da Igreja, na comunidade cristã. A minha licra dizia Ironpriest, com as cores do nosso país, que a Compressport, minha patrocinadora, me fez, e tinha também a cruz, com um lema, “Deus é amor, tudo para Deus” em inglês. É isso que anda sempre nas costas do meu equipamento. E as pessoas vêem isso com alegria.
Entre os outros concorrentes, alguém comentou?
Sim, vários concorrentes viram que eu era um atleta de certa forma especial, pela forma como equipava, o que tinha escrito nas costas, e aperceberam-se que eu era sacerdote. Vários me pediram que rezasse por eles, durante o tempo da partida. Há cerca de 45 minutos em que vêm os medos e vários pediram-me para rezar por eles, porque perceberam que eu era sacerdote e que devia estar ali cheio de fé e com a ajuda de Deus, e estava.
Reforça a sua ideia de que esta sua actividade desportiva, que é fora do comum para um sacerdote, também tem uma vertente de evangelização.
Sinto cada vez mais isso. Este projecto cumprido faz-me sentir ainda mais isso, que a minha presença como sacerdote no mundo do desporto é uma forma também de pastoral. Vejo o desporto como lugar de pastoral, onde posso levar também aquilo que anuncio no púlpito, dentro da Igreja. O desporto dá-me trabalho porque exige que me esforce, que treine, e também me traz trabalho como padre. Muita gente que me conhece como padre no desporto, vem à Igreja, celebrar o amor de Deus comigo, e pedem-me que os case, que lhes baptize os filhos, os acompanhe num funeral de um familiar, que vá visitar um familiar ao hospital... E isto é gente com quem estabeleço contacto e ligação através da minha presença no desporto.
Vai haver uma conferência nos próximos dias no Vaticano, precisamente sobre o papel do desporto como forma de união das pessoas, e o lugar da religião no desporto. Que comentário lhe merece?
É um evento que vem no fundo dar-me razão quando digo que o desporto é claramente um lugar de pastoral ou de formação, um lugar onde a Igreja também deve estar e levar também os valores, a alegria do Evangelho. O desporto é claramente uma escola de valores, como é também o Evangelho, a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O lema deste evento é muito interessante: “Desafie-se no jogo da vida como se faz no jogo do desporto”. De facto, do desporto tiram-se muitos ensinamentos para a vida e é um instrumento óptimo de formação para toda a vida, mas sobretudo para os mais jovens. É uma óptima ponte que temos de diálogo com eles e sinto claramente como lugar de virtude, de treino, onde esses valores que aprendemos na Igreja também são vividos e experimentados.
Sei que gostaria que houvesse um departamento no Patriarcado de Lisboa mais focado no acompanhamento pastoral do desporto. Tem havido algum avanço?
A ideia ganha mais força ainda. Cada vez acho que faz mais sentido que isso se concretize. Como sacerdote estou disposto a colaborar no Patriarcado também neste novo lugar de pastoral. Da próxima vez que falar com os senhores bispos deixarei esta proposta, para que passe de mera proposta a algo concretizado. Gostava muito.