26 out, 2016 - 08:40 • Filipe d'Avillez
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Bastaria que os Estados Unidos e a Rússia chegassem a acordo e o Estado Islâmico seria derrotado num mês, considera o patriarca da Igreja Greco-Católica Melquita, que tem sede em Damasco.
Tal como muitos dos cristãos no seu país, Gregório III revela-se crítico da política americana de apoiar os grupos que se opõem ao regime de Bashar al-Assad e de se recusar a colaborar com o regime para enfrentar os jihadistas.
“Se eu estiver em perigo e você me vier ajudar, pode fazê-lo sem o meu consentimento? Sem os meus conselhos? Sem a minha colaboração? Por favor, América, venham combater, mas ao lado da Síria e da Rússia”, afirma o patriarca, de 82 anos, em entrevista à Renascença.
A chave para a paz está nas mãos destas duas potências, considera Gregório, uma vez que a Europa já não conta para a equação. “Deixemo-nos de politiquices, falemos de forma simples, como pessoas simples. A Rússia e a América devem juntar-se. Juntar-se. A União Europeia já não é importante, é pena, mas é a verdade. Mas se os EUA e a Rússia se juntassem à Síria, o Estado Islâmico não durava um mês, não tenho dúvidas”.
O Patriarca insiste que não é defensor de Assad, mas sim da Síria e que tem dúvidas sobre o que os rebeldes poderiam trazer de bom ou de novo para o país. “O que é que alguém pode trazer à Síria que seja diferente do que já tínhamos? Não era muito bom, não era muito mau, mas bastava-nos. Quem poderá construir algo de novo? A chamada oposição é da mesma escola que os que estão agora no poder, por isso não podem trazer nada de novo”.
“Não sou pelo Assad nem pelo regime, sou pela Síria. A Síria é uma sociedade chave no Médio Oriente, onde os cristãos são um minoria mas vivem numa sociedade coesa”, sublinha.
Fé no meio da tempestade
Nesta entrevista à Renascença, feita à margem de uma visita a Portugal para participar como convidado especial no encontro dos bispos católicos de rito oriental da Europa, organizado pela Conselho das Conferências Episcopais da Europa, Gregório elenca as muitas iniciativas que as igrejas cristãs têm levado a cabo, em conjunto, para tentar melhorar a situação da população, a braços com uma guerra civil que dura há cinco anos e destruiu grande parte das infra-estruturas do país.
A sua própria catedral, em Damasco, foi atingida já por cinco vezes por "rockets" lançados a partir de posições rebeldes fora da cidade – a última vez foi na própria manhã da entrevista – mas o que verdadeiramente o surpreende é a fé e a esperança que continua a encontrar entre os fiéis.
“É tudo uma enorme tragédia, mas ainda assim temos tanta esperança! Nem se acredita como as pessoas enchem as igrejas, sobretudo na Quaresma. Todos os dias as igrejas estão repletas. Temos homens, mulheres, jovens a encher as nossas igrejas com actividades pastorais e sociais. Não compreendo com é que as pessoas reagem assim. Não obstante o medo e a emigração, é uma situação complexa de esperança, poder, generosidade, fidelidade e confiança no Senhor e no futuro”.
A situação no terreno também tem estado a melhorar, garante. Antigamente, para chegar de Damasco ao Líbano era preciso atravessar 12 postos de controlo. Desta vez foram apenas quatro.
Escudos humanos em Alepo
A batalha por Alepo tem levado a duras críticas à Rússia, com os países ocidentais a acusar a Rússia de violações dos direitos humanos nos bombardeamentos da parte da cidade que é ocupada pelos rebeldes. Mas Gregório III culpa os opositores ao regime, que usam os civis como escudos humanos. “Tem sido essa a sua estratégia durante toda a guerra! A começar por Homs, passando por Maaloula e pela minha própria terra, Daraya. Por isso é que morrem tantos civis. Não os deixam sair. Mantêm-nos lá para evitar que o regime os bombardeie. Agora pede-se um cessar-fogo, mas e depois?”
E dá um exemplo mais próximo de si. “Aconteceu o mesmo com a casa dos meus pais. Veio uma família de fora e arrendou uma casa próxima. Mas usou-a para armazenar armas. O Governo bombardeou a casa e a casa dos meus pais também foi destruída. Acontece o mesmo com igrejas, usadas como sedes pelos rebeldes ou como depósitos de armas. Os rebeldes trouxeram esta guerra para dentro das casas das pessoas. É essa a sua estratégia. Depois na Europa, parece que são cegos, dizem que o Governo está a atingir estas estruturas. Claro que sim, mas porquê? O mesmo está acontecer em Alepo.”
Enquanto a guerra não termina, contudo, são muitos os que continuam a tentar fugir, procurando uma vida melhor na Europa, um destino seguro e próximo, à distância apenas de uma viagem de barco que para muitos, porém, se revela mortal.
Gregório III insiste, contudo, que a Europa não está preparada para acolher tantos refugiados, o que coloca uma ameaça à segurança internacional maior até do que a guerra no seu país. “A emigração é para nós uma questão muito importante e problemática. É problemática para os cristãos na Europa e para os muçulmanos na Europa. Os emigrantes não encontram uma Europa cristã, mas uma região globalizada, laicizada e em larga medida ateia. A Europa não está preparada para receber um tsunami de migrantes, sejam cristãos ou muçulmanos.”
“Como lidar com estes muçulmanos e cristãos que chegam com as suas próprias identidades? O islão tem uma abordagem diferente daquela dos cristãos europeus. É um perigo enorme, um perigo maior e mais grave do que toda a guerra na Síria”, insiste.
Por isso, Gregório III propôs na reunião dos bispos em Fátima que o próximo encontro dos representantes das conferências episcopais da Europa seja dedicado precisamente a este assunto.
A Igreja Greco-Católica Melquita é uma das mais de 20 Igrejas de Rito Oriental que se governam de forma autónoma mas estão em comunhão com Roma e com o Papa. Enquanto Patriarca, Gregório III lidera directamente cerca de 1,6 milhões de cristãos, que vivem sobretudo na Síria e no Líbano com algumas comunidades de diáspora espalhadas pelo mundo.