02 nov, 2016 - 20:42 • Filipe d'Avillez
A Europa e os europeus devem ajudar os refugiados nos países do Médio Oriente em que estes se encontram, evitando assim que eles venham para a Europa e que, consequentemente, desapareçam comunidades milenares na região.
Joseph Soueif nasceu no Líbano, mas é arcebispo dos cristãos maronitas do Chipre, uma comunidade católica milenar, de rito oriental, que tem as suas raízes também no Líbano. Para além das suas responsabilidades pastorais, Soueif faz parte da direcção da Cáritas Internacional e está envolvido na ajuda humanitária aos refugiados.
Nesta entrevista, feita à margem do encontro de bispos católicos de Rito Oriental na Europa, que decorreu em Fátima no final de Outubro, o arcebispo explica também como é que o Líbano tem evitado envolver-se na guerra civil da Síria e fala da importância de os cristãos continuarem a viver entre os seus vizinhos muçulmanos e de outras religiões, como testemunho de que é possível o convívio interconfessional.
Faz parte da direcção da Cáritas Internacional, ajudando os refugiados no Líbano que fugiram das crises no Médio Oriente. Quais são os vossos principais desafios?
Em primeiro lugar está a emergência humanitária. As pessoas precisam de ajuda. O Inverno aproxima-se e antes de cada Inverno há um grande esforço, porque estamos a falar de milhares e milhares de pessoas a viver em tendas. Estamos a falar de educação, bancos alimentares, as consequências sociais e psicológicas daquilo que as pessoas estão a viver. Há uma grande necessidade não só do trabalho da Cáritas, mas de toda a gente, cada pessoa e cada comunidade que possa fazer alguma coisa.
Não dá para imaginar a dimensão. Estou a falar do Líbano, mas também da Jordânia e da Turquia, da Europa e também dentro da Síria e do Iraque. É preciso um esforço gigantesco de solidariedade humanitária para ajudar estas pessoas.
Aqui na Europa, claro, era excelente se cada pessoa, cada sociedade, cada país e organização pudesse ajudar. Mas é preciso também um maior esforço no campo da solidariedade, porque os problemas aqui são enormes. É preciso integração, não assimilação, mas uma integração saudável nas novas sociedades, que permita preservar as suas identidades. Por isso é todo um processo, mas com ideias claras e boas estratégias podia-se fazer a diferença.
Falou de dois milhões de refugiados no Líbano, que é um país pequeno. A Jordânia e a Turquia têm milhões também, mas no Ocidente vemos governos e pessoas a entrar em pânico perante a perspectiva de alguns milhares…
Ajudem o Líbano! Ajudem a Jordânia e a Turquia, todos os países da região, sobretudo os pequenos! O Líbano tem quatro milhões de pessoas e mais dois milhões de refugiados. Isto já causou problemas nas comunidades locais. O país precisa de ajuda, ajuda verdadeira, e não promessas. Não por causa do país em si, mas por causa dos povos que estão a viver numa situação crítica. É isso que peço.
Ajudar o Líbano, a Turquia e a Jordânia, por exemplo, é também uma forma de evitar que estas pessoas tentem chegar à Europa?
Quanto mais ajudarmos os sírios agora, ou os iraquianos, nas áreas circundantes, maior é a probabilidade de regressarem aos seus países. E isso é bom, porque não é fácil para eles deixarem tudo. Já têm de viver com as consequências dos bombardeamentos, da guerra… A comunidade internacional tem de trabalhar para criar não só um corredor humanitário, mas espaços nos países de origem onde as pessoas possam viver em segurança.
Está a falar de uma zona de segurança… Há grupos que têm pedido o estabelecimento de uma zona autónoma na região da Planície de Nínive, no Iraque, onde os cristãos possam ser defendidos, ou defender-se. É uma ideia viável?
Quando se está em perigo, o mais importante é evitar o perigo e procurar um local seguro. Agora, quanto a um arranjo político, isso é uma questão muito delicada, porque estaríamos a falar de um plano geopolítico e espero que não seja preciso chegar a esse ponto. Estaríamos a mudar toda a situação social, religiosa e demográfica.
Sim, temos dificuldades, mas temos de trabalhar para que esses cristãos – e não só – possam voltar para as suas aldeias, cidades e lugares de origem, porque este tipo de sociedade mista, inter-religiosa e multicultural é uma verdadeira mensagem, um modelo de como pessoas de diferentes denominações podem, e devem, viver juntas. E porque não? Para termos uma sociedade mais segura é necessário criar esta cultura de aceitação dos outros e das diferenças.
Os cristãos do Médio Oriente tiveram séculos deste tipo de experiência. Porquê parar agora? Porque não seguir nesta direcção? Isso seria benéfico não só para eles como para todo o mundo.
Com tudo o que se passa na Síria, como é que o Líbano tem conseguido evitar envolver-se na guerra?
É uma pergunta muito complicada e muito difícil, porque, do ponto de vista lógico, olhando para as fronteiras e conhecendo a geografia dos países, seria de imaginar que mal a guerra começasse na Síria o Líbano ficaria envolvido.
Mas graças a Deus isso não aconteceu, por duas razões. Em primeiro lugar, o Líbano é um espaço onde os sírios que estão a sofrer por causa da guerra podem respirar um pouco. Tornou-se o aeroporto de base para todos os sírios que querem viajar e para o dia-a-dia das pessoas.
Em segundo lugar, 17 anos de guerra civil foi o suficiente para os libaneses evitarem envolver-se noutra guerra. Claro que temos alguns problemas, aqui e ali, porque a situação não é normal. Temos cerca de dois milhões de refugiados sírios, temos zonas na fronteira que estão tensas, mas, no geral, quero acreditar que os libaneses aprenderam – pelo menos espero que tenham aprendido – com a sua própria guerra. A guerra não resolve problemas, gera mais guerra.
A vida diária e política do Líbano depende muito de um equilíbrio entre as diferentes comunidades religiosas. O Hezbollah desempenha um papel muito importante. Quando o Hezbollah voltar da Síria, possivelmente mais forte e influente, isso pode criar desequilíbrios no Líbano?
O multiconfessionalíssimo das várias religiões e famílias culturais no Líbano, que vivem juntas há séculos, é uma bênção. A história do nosso país é esta. Sempre enfrentámos grandes problemas mas este multiculturalismo tem-nos ajudado a criar este equilíbrio.
Quanto ao envolvimento de grupos libaneses (e são vários, não é só um), eu preferia que nenhum se envolvesse em conflitos fora do país, mas acontece, é um facto.
Mas acho que cada grupo, família ou religião no Líbano compreende perfeitamente que o que se passa fora do Líbano é uma coisa, o que se passa dentro é outra.