27 mar, 2017 - 23:04 • Ângela Roque
“A Coragem de Fazer a diferença” foi o tema do primeiro encontro da ACEGE Next que decorreu no último sábado na Fundação Oriente, em Lisboa.
A iniciativa juntou centena e meia de jovens profissionais de diversas áreas que partilham preocupações comuns: estão desiludidos com as condições em que hoje se trabalha, e com as dificuldades que há em conciliar as carreiras com a vida pessoal e familiar. Segundo um Estudo divulgado no encontro são as questões laborais (stress e razões económicas) que impedem muitos jovens de querer ser pais ou, se já são, de pensar em ter mais filhos.
Luis Lobo Xavier tem 34 anos, é casado e pai de um filho. Licenciado em direito e em economia, trabalha na Fundação Gulbenkian desde 2014, faz parte da direcção da Associação Cristã de Empresários e Gestores e é um dos responsáveis pela ACEGE Next. Em entrevista à Renascença conta como surgiu esta ideia, e que outras iniciativas estão já previstas.
Porque é que sentiram necessidade de criar este núcleo dentro da ACEGE?
A ACEGE sentiu a determinada altura que, de facto, queria ter um papel junto das novas gerações de profissionais, e apercebeu-se que estas novas gerações tinham desafios profissionais e pessoais muito diferentes das gerações velhas, e estou a falar da conciliação da vida pessoal e profissional com filhos pequenos, várias questões que têm a ver com justiça inter-geracional no mercado de trabalho e possibilidades de progressão, mantendo os valores católicos. Enfim, o mundo profissional mudou, e portanto era preciso uma nova abordagem para as novas gerações.
Portanto, esta iniciativa dirige-se a quem está a chegar ao mercado de trabalho e a quem começou a trabalhar há pouco tempo, é isso?
Exactamente. Nós temos aqui uma faixa etária indicativa entre os 20 e os 40 anos, no fundo são as pessoas que estão agora a começar o mercado de trabalho e a começar a vida.
E é só para os associados da ACEGE, ou é uma iniciativa aberta a profissionais de outros sectores?
É uma iniciativa aberta a todos os profissionais, podem ser médicos, advogados, pessoas que trabalhem com outras pessoas numa organização e que tenham desafios parecidos. Estes desafios, no fundo, são transversais a uma série de profissões, portanto é uma iniciativa aberta a todos, inclusivamente também a não católicos. A ACEGE é uma associação cristã, mas estamos abertos a todas as pessoas que se revejam nestes valores e acharem que aqueles temas são importantes.
De facto a dimensão da fé é uma das questões que querem abordar. Como é que propõem fazer isso?
Isto é uma dimensão com aplicação prática. Por exemplo um dos temas que discutimos no encontro de sábado teve a ver com a coerência e unidade de vida. Como é que eu posso evoluir profissionalmente mantendo os meus valores cristãos? Claro que são valores que muitas outras pessoas também podem partilhar, valores da verdade e da esperança, mas como é que eu, mantendo estes valores, posso evoluir profissionalmente? Isto são problemas com que as pessoas se debatem e o encontro de sábado serviu também para dar bastantes pistas sobre isto.
Os empresários e gestores cristãos têm uma responsabilidade acrescida na forma como exercem a sua actividade?
Têm. Claro que se nós olharmos para o nosso trabalho e actividade apenas como um meio de sustento ou como algo que é uma obrigação, é pouco. O trabalho é o sítio onde passamos mais tempo acordados, e nós temos uma responsabilidade de missão e uma responsabilidade pelas pessoas com quem trabalhamos, e portanto há aqui algo mais do que ser apenas um trabalho, é também um campo de missão.
Este primeiro encontro da ACEGE Next teve lugar no último sábado. Como é que correu, correspondeu às expectativas?
Acho que sim, tivemos a sala cheia. Nós tínhamos três objectivos, o primeiro era juntar um grupo de pessoas que partilhasse estas preocupações e estes desafios, e de facto juntámos quase 150 pessoas na Fundação Oriente e conseguimos, este era o segundo objectivo, debater e aprofundar esses temas. Tivemos vários oradores que nos ajudaram a lançar algumas pistas sobre estas questões, nomeadamente a conciliação da vida pessoal e profissional, que modelo é que podemos ter para conseguirmos ser não só bons profissionais, mas também bons pais, boas mães, e mesmo os solteiros, ter uma boa vida pessoal.
O nosso terceiro objectivo, que eu penso que também foi conseguido, era que este encontro fosse um momento inspirador, ou seja, eu espero que as pessoas que estiveram no encontro e as que assistiram em casa, porque o encontro foi transmitido em directo, em streaming, espero que essas pessoas tenham ido trabalhar hoje de uma maneira diferente, porque um dos nossos objectivos é transmitir uma mensagem positiva e inspiradora que consiga fazer as pessoas darem um bocadinho o salto de uma realidade que muitas vezes é difícil. Todos sabemos que para as pessoas mais jovens o mercado de trabalho é difícil, há muito desemprego e precariedade, mas ter aqui uma mensagem positiva e inspiradora que nos faça olhar para isto de uma forma construtiva e também que nos ajude a querer ir à procura de soluções que nos ajudem a construir um modelo empresarial mais sustentável e justo para todos.
Muitas dessas preocupações foram reveladas no inquérito que realizaram e que, ao que sei, esteve na base desta iniciativa da ACEGE Next. O estudo foi apresentado neste encontro de sábado. Quais foram as principais conclusões desse estudo?
Este inquérito serviu para confirmar se as preocupações que nós achávamos que eram as destes jovens eram mesmo essas. Foram inquiridos 400 jovens de todo o país, licenciados, com pelo menos um ano de experiência profissional, entre os 20 e os 40 anos. Para lhe dizer duas dessas preocupações que de facto nos marcaram: a primeira está relacionada com esta questão da conciliação da vida pessoal e profissional, apenas 30% destes jovens têm filhos. Isto não é novidade para ninguém, todos sabemos que a taxa de natalidade é baixa em Portugal, mas um terço assumiu que passava pouco tempo com os filhos, que lhes dedicava pouco tempo. Também 30 por cento disse que gostaria de ter mais filhos, e teria mais filhos não fossem questões relacionadas com o trabalho, o stress, a competição no trabalho, as questões económicas. Isto mostra que há aqui bastante caminho a fazer.
Outro ponto também que nos marcou foi a questão de mais de metade destes jovens terem dito que as suas competências não eram aproveitadas em ambiente profissional, portanto sentimos que há aqui também muito que se pode explorar.
Há alguma desilusão nas novas gerações?
Há alguma desilusão e o sentimento de que estão muito pior que as gerações anteriores. Também perguntámos isso, e estas novas gerações sentem que estão muito melhor em termos de educação e qualificação, mas depois, quando isso se traduz em oportunidades de progressão ou alguma justiça salarial, a maior parte diz que está muito pior do que a geração anterior, portanto sentimos também esta desilusão.
Depois deste primeiro encontro o que é que se segue, que outras iniciativas têm já previstas?
Nós temos três tipos de iniciativas, a primeira são os grupos “Cristo na Empresa”, que juntam 10 jovens profissionais com duas pessoas mais experientes.
Esses grupo já existem no âmbito da ACEGE.
Já existem, mas vamos direccioná-los também para estes jovens profissionais adicionando dois profissionais mais experientes, na casa dos 50, 60 anos, que possam dar um acompanhamento e uma mentoria que são importantes. Nestes grupos os jovens profissionais podem partilhar e discutir estas preocupações em grupos mais pequenos podendo, cada um, pôr em comum estas preocupações e ajudarem-se uns aos outros, com os testemunhos uns dos outros.
A segunda iniciativa serão grupos de trabalho que vamos fazer para aprofundar algumas destas questões. Sentimos que são precisas algumas propostas concretas a nível das empresas ou do Estado, por exemplo na questões das licenças de parentalidade, uma série de temas que já são discutidos a nível político, mas que é importante também discutirmos com as pessoas que, de facto. Estão a passar por isto, e sentimos que temos também um bocadinho esta missão de apresentar e aprofundar os temas e poder apresentar propostas mais concretas.
E a terceira coisa que queremos fazer é uma comunidade digital. O mundo hoje em dia é digital, é impossível estar fora disso, e é a forma de chegarmos também a uma série de pessoas, até espalhadas pelo país, com partilha de textos, vídeos, de mensagens inspiradoras. Acho que é a forma de juntarmos todas as pessoas que estão preocupadas com estes temas e nem sempre têm disponibilidade – cá está, se tenho um trabalho que é exigente, se depois tenho a minha família e os meus filhos para cuidar, não tenho assim tanto tempo para estar em reuniões, encontros e tudo isto, mas tenho uma comunidade digital a que posso aceder à distância pelo meu telemóvel.
Quem quiser juntar-se a esta iniciativa o que é que pode fazer?
A forma mais simples é esta forma digital. No site da ACEGE existe um espaço da ACEGE Next, onde iremos divulgar as nossas iniciativas. É a forma de dar o primeiro passo para chegar a nós, e a ligação fica feita.
Estas preocupações dos jovens profissionais… Temos vindo a sentir muita adesão a isto e muito interesse por parte das pessoas, portanto esperamos corresponder a estes pedidos de discussão destes temas que são importantes.
A entrevista a Luis Lobo Xavier foi transmitida no espaço das 12h na Renascença, em que às segundas-feiras destacamos temas sociais e relacionados com a vida da Igreja.