15 mai, 2017 - 17:08 • Ângela Roque
Veja também:
Ismael Teixeira é padre, professor e acompanha equipas de casais e de jovens de Nossa Senhora. É também atleta numa das modalidades mais difíceis, o triatlo. No último Verão tornou-se conhecido como IronPriest, depois de ter feito o Ironman, uma prova que inclui quatro quilómetros a nadar, 180 de bicicleta e 42 a correr. A visita do Papa levou-o até Fátima de bicicleta e a correr.
Em entrevista à Renascença, Ismael Teixeira analisa os desafios que considera que o Papa deixou aos católicos, em geral, e aos sacerdotes, em particular. Conta como o desporto também lhe tem dado “muito trabalho” como padre e como também aí tem conseguido falar de Deus e trazer mais gente à Igreja. E não esconde a paixão pelo Benfica, que, no sábado à noite, também o levou a festejar o título no Marquês.
A entrevista foi transmitida no espaço das 12h00 na Renascença, que à segunda-feira dá destaque aos temas sociais e relacionados com a vida da Igreja.
No 12 e 13 de Maio, foi em peregrinação a Fátima, de bicicleta e a correr. Já não sabe andar de outra forma?
Só faltou nadar. E, com alguma chuvinha que ainda caiu, quase deu para nadar.
Foram 144 quilómetros...
Sim, é essa a distância do percurso que fazemos em bicicleta de estrada. Tentei conciliar a minha fé de padre e de homem com este meu treino que é o santíssimo triatlo, como é já mundialmente conhecido. Mas aproveitei para acompanhar 3 grupos que me pediram que eu, como IronPriest, fosse o padrinho desses grupos. Um grupo a andar, que fez uma distância mais curta a andar, e um grupo que ia a correr sem parar, "non stop", que ia do Parque das Nações a Fátima, e o outro grupo que ia de bicicleta comigo, no dia 12. Então, dia 11 fui correr abençoar esse grupo que se propôs a este ultra desafio da fé, que é assim que lhe chamo, de ir sem parar de Lisboa a Fátima, em mais ou menos 24 horas. Era essa a previsão, depois foi mais um bocadinho, mas conseguiram, só houve três que não, fisicamente foi impossível, mas a maioria do grupo conseguiu chegar lá, Portanto, a minha forma de lhes dar a bênção foi correr com eles 10 quilómetros, no início, e depois estar em Fátima a recebê-los. No dia a seguir fui de bicicleta com mais um grupo, e ao terminar a bicicleta fui tentar fazer o percurso a correr atrás do papamóvel, o tempo de pude, e partilhei isso também no meu espaço pessoal do Facebook.
O padre Ismael tem atraído, desta forma muita gente, mesmo quem não é crente, mas que gosta de conviver e falar consigo e de ouvir o que lhes tem a dizer como padre, não é?
Sim. Tenho encontrado nesta minha presença no desporto e na minha prática desportiva, também no meu amor ao desporto, uma óptima ponte para estar com as pessoas que estão no desporto. Eu costumo dizer que o desporto me tem dado também muito trabalho como padre, porque daí, dessa minha presença no desporto, eu tenho trazido muita gente à Igreja, que me pedem que os acompanhe. Sublinho, por exemplo, que nesta ultramaratona da fé Lisboa-Fátima, "non stop" a correr em 24 horas, o principal responsável desse grupo dos ultramaratonistas, o Luis, se vai baptizar agora em Julho. É sinal, no fundo, dessa amizade, desse aprofundamento das razões da fé que depois resulta nisso, em mais cristãos, em mais baptismos, em mais casamentos, e portanto eu vejo o desporto também como um púlpito para mim na Igreja, como um lugar onde anuncio aquilo em que acredito, a alegria que eu tenho de anunciar o Evangelho e de ser sacerdote da Igreja e de ser um discípulo de Cristo.
E ir também esclarecendo coisas relacionadas com a fé?
Sim, aproveitar para purificar e formar, que esse é o nosso papel de sacerdotes. Não confundir, mas purificar e formar as pessoas.
Esse foi um dos desafios deixados pelo Papa em Fátima, nomeadamente durante a celebração da bênção das velas, quando falou da forma como os católicos devem relacionar-se com Maria. Disse que “Maria não é maior que Cristo", nem “santinha de favores". Da sua experiência como sacerdote, há um problema na forma como se encara a relação com Maria?
Sim. Compete a todos os cristãos, mas especialmente a nós, sacerdotes, estarmos atentos a isso e fazermos aqui uma purificação dessa "mariolatria". No fundo, é assim que se lhe chama, teologicamente. E que as pessoas, que os católicos saibam todos que, de facto, amar Maria é saber que Maria está sempre a apontar para o principal, que é Cristo, que não é maior que Cristo. É a primeira discípula, no fundo, é o nosso modelo de vida cristã, a primeira a acreditar que Ele era o filho de Deus e a seguir-lhe os passos a seguir à Sua Páscoa e ressurreição, e o Papa Francisco foi extraordinário nisso, no que sublinhou, como que fazendo uma purificação também disso.
Como é que se faz isto sem chocar a sensibilidade e a fé das pessoas?
Como sacerdote, partilho algumas das minhas experiências que são sinal também disso, dessa mariolatria. Por exemplo, estou a celebrar a Eucaristia, estou no momento da consagração e entram pessoas que vez de olharem para o centro, que é Cristo, que é para quem Maria aponta sempre – “Fazei o que Ele vos disser, imitai-O” – se dirigem a Nossa Senhora e viram costas ao padre e ao altar. Outro exemplo, na simples marcação das intenções para a Eucaristia, há uma intenção a Nossa Senhora de Fátima, vem outra pessoa põe, ou quer pôr, uma intenção a Nossa Senhora da Conceição Nós, sacerdotes, podemos, com paciência e com jeito, dizer “é a mesma Nossa Senhora, estamos a falar da mesma mãe, não vale a pena estar a pôr outra intenção, não são rivais, é a mesma mãe”.
É essa mariolatria e essas devoções que é preciso ir esclarecendo, purificarmos, amarmos, sabermos purificar através da formação.
Na viagem de regresso a Roma, o Papa falou distanciamento dos católicos face a posições da Igreja, em relação aos temas da vida e da família: aborto, união entre pessoas do mesmo sexo, eutanásia. Por vezes, os católicos não assumem como sua a posição da Igreja. Há aqui, também, um desafio de formação?
Sim, há aqui um desafio a nós, como sacerdotes, que, no fundo, somos os principais "treinadores" dos cristãos, para que saibamos incentivar as pessoas a que vistam a camisola cristã e católica em toda a parte, em todas as áreas da vida. Não se se pode só ser católico quando dá jeito. Temos de ser católicos sempre e em toda a parte.
O Papa disse que falta consciência de “pertença total” à Igreja...
Exactamente, toda a vida, em todo o tempo e lugar eu devo ser católico e cristão, e mostrar os valores em que acredito, os valores que o Evangelho me ensina, mostrá-los com alegria, defender a vida, a família.
Houve também uma referência ao clericalismo. O Papa pediu aos padres para se afastarem do clericalismo. Como é que encara isso?
Eu gostei imenso desse recado, um dos últimos recados para nós, sacerdotes. É, claramente, uma chamada de atenção a nós, sacerdotes, para sermos mais despojados de tudo e vestirmos a camisola do nosso sacerdócio em tudo. Como eu tento fazer no desporto: sermos sacerdotes em toda a parte, esquecermos essa tentação que pode haver do carreirismo.
Algo que o Papa tem criticado muitas vezes...
Ele diz que é uma peste na Igreja. Portanto, sim, estarmos atentos a isso, e também nós pormos Cristo, o servo humilde, no centro da nossa vida e tentarmos ser como Ele nesta terra que atravessamos.
Vamos passar daqui a instantes à Bola Branca, na Renascença. Tendo em conta que o padre Ismael é atleta do Benfica e benfiquista, pergunto: também foi festejar o título ao Marquês?
É verdade. Fui, peguei na minha mota e lá passei pelo Marquês. Não moro muito longe, até. Celebro na Igreja do Largo do Rato e vivo em Santa Isabel, onde também celebro e faço equipa com o padre José Manuel Pereira de Almeida, que é o pároco.
No Benfica também assume a sua fé e transmite a mensagem aos atletas e aos adeptos?
Com certeza. Pedem-me orações e acreditam também no poder da oração do Ironpriest. Assumo a minha fé, claro. Sou sacerdote em toda a parte.
Uma tirada final, a acompanhar a chegada do Papa a Fátima