12 set, 2017 - 07:55 • Ângela Roque
A Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) vai fazer 70 anos em Dezembro, mas, esta semana ,assinala outro aniversário: os 50 anos da sua consagração a Nossa Senhora de Fátima. Foi a 14 de Setembro de 1967.
A data vai ser assinalada com uma grande peregrinação internacional que começa esta terça-feira e será presidida pelo cardeal Mauro Piacenza. A ocasião vai trazer ao santuário português colaboradores dos cinco continentes, incluindo responsáveis hierárquicos da Igreja que vão testemunhar como hoje é difícil ser cristão em locais como o Níger, as Filipinas ou a Ucrânia.
Em entrevista à Renascença Catarina Martins, responsável pela AIS em Portugal, fala da importância da Fundação no apoio pastoral e humanitário que assegura, e do programa desta peregrinação que vai decorrer até sexta-feira em Fátima.
70 anos depois o papel da AIS no mundo continua a ser importante?
Eu penso muitas vezes que mais do que nunca esta instituição faz sentido. Claro que também fazia muito sentido há 70 anos, quando foi criada, no pós-guerra, com todas as necessidades que havia, mas hoje, olhando para o que se está a passar na comunidade cristã, acho que mais do que nunca faz sentido existir uma instituição como esta, que através dos seus amigos e benfeitores consegue estar e dar esperança a quem está a passar por dificuldades terríveis. E não estou só a pensar neste momento no Médio Oriente, que de facto nos últimos tempos tem passado por tantas dificuldades.
E é um dos locais onde a AIS mais tem sido chamada a ajudar.
Sem dúvida, porque se corre o risco de ver desaparecer a comunidade cristã do médio oriente, e portanto temos esta obrigação de ajudar para que se mantenham vivas as nossas raízes nesta zona do mundo. Nós temos estado a alimentar cerca de 11 mil famílias todos os meses, já há três anos que aquelas famílias perderam tudo, e nós temos estado ininterruptamente a ajudá-las.
Estamos a falar nomeadamente do Iraque, onde muitos cristãos tiveram de sair das zonas onde viviam...
E ficaram sem nada. Estão a viver em campos de refugiados, em casas provisórias, à espera de voltar, e nós temos estado a ajudar estas famílias a manterem-se nos campos, porque não há trabalho, e não há forma deles conseguirem subsistir sozinhos, por si só. Portanto é nossa obrigação ajudar esta Igreja que está a passar por estas dificuldades.
E estão também a ajudar no regresso, porque há quem já esteja a regressar às cidades de origem.
Será o objectivo da nossa campanha de Natal. Mas, sim, já estamos neste momento a ajudar, e já reconstruimos 40 casas.
Há muitos cristãos que querem regressar às suas casas, às suas vilas e aldeias onde os seus pais, avós e bisavós viveram, mas aqueles que querem voltar precisam de ser ajudados. Terá de ser um grande trabalho conjunto, não só da AIS. Os nosso cálculos dizem que para reconstruir só as casas dos cristãos são precisos 250 milhões de dólares. Não é um trabalho para uma só instituição, não conseguimos, mas estamos a dar um sinal claro, queremos e vamos continuar a ajudar. E é ajudar na reconstrução das casas e ao mesmo tempo continuar a alimentar estas famílias. Depois o próprio governo de Bagdad também tem que criar novamente as infraestruturas que ficaram danificadas, nomeadamente escolas, hospitais, centros de saúde, é preciso reconstruir e reparar isso tudo, e portanto vão ser muitos anos de muito trabalho. Por isso eu digo muitas vezes que esta instituição neste momento faz muito mais sentido do que fazia há muitos anos, porque de facto a situação de muitos cristãos no mundo é tão dramática.
Mais do que nunca hoje precisamos de ter uma instituição assumidamente católica, como é a nossa, que depende da Santa Sé e do Papa, e que trabalha para ajudar estes cristãos. Falei no Médio Oriente, mas poderia falar também nas necessidades que há na Igreja da África, que tem muitas vocações, mas é muito, muito pobre e precisa de ajuda. E a população não tem capacidade para ajudar a Igreja, porque precisa ela própria de sobreviver. Portanto, o nosso trabalho passa também por estar aí, junto dos padres e irmãs, que são maravilhosos, corajosos, que continuam no terreno apesar de todas as dificuldades. São verdadeiros heróis, como costumamos sublinhar quando fazemos as nossas notícias e relatórios. Muitos teriam possibilidade de vir para as suas comunidades na Europa e ter uma vida mais serena, mas não, optam por estar ali e querem estar ali junto do povo a sofrer as mesmas dificuldades.
Que balanço é possível fazer destes 70 anos da AIS?
Estes 70 anos foram de muito trabalho, e os últimos anos em particular foram muito densos, pesados, muito dramáticos, com todos os casos que quase diariamente nos chegam e que não conseguimos chegar a todos. Acredito que os próximos anos vão continuar a ser anos de muito trabalho, porque a nossa perspectiva infelizmente é que a situação no mundo continue a degradar-se, esta situação da liberdade religiosa, de podermos professar livremente a nossa fé onde quer que seja. Mas tenho esperança que sejam anos que dêem muitos frutos e que consigamos continuar a ajudar cada vez mais.
Quando falamos dessa ajuda que é prestada pela Fundação falamos da atenção que é dada às necessidades da Igreja, no apoio aos seminaristas e ao clero local, mas também às necessidades básicas que a AIS está a assegurar em muitos locais na alimentação, na medicação...
Sim. O nosso trabalho é um trabalho pastoral, e portanto estamos sempre ligados à Igreja, a ajudar na formação, na sobrevivência do clero e das irmãs, isto é o nosso trabalho. Mas não poderíamos ficar indiferentes a tudo o que está a acontecer, e quando nós olhamos e chega um padre ou uma irmã que nos diz que tem uma comunidade imensa que se refugiou nas suas casas, e que não tem o que dar de comer, não podemos ficar indiferentes e deixar de ajudar. Esta parte da ajuda, alimentação, medicamentos, roupa, electricidade, água, são bens que nos últimos anos nos têm pedido muito, e por isso tem sido um trabalho que é um trabalho pastoral, de apoio à Igreja que depois multiplica essa ajuda pela comunidade que está à sua volta, mas tem sido também uma grande ajuda humanitária, porque não poderia ser de outra forma.
Mudámos um pouco a nossa postura, o nosso trabalho, devido à realidade que se sobrepôs à nossa própria forma de trabalhar. Nos próximos anos poderemos ter que mudar mais e fazer outros projectos que não estávamos habituados.
2017 é um ano especial para a AIS com duas efemérides importantes.
Sim, este tem sido muito especial, porque nós aqui em Portugal, para além de assinalarmos os 100 anos das aparições em Fátima, também temos estas duas efemérides muito importantes para nós, enquanto instituição, o início da obra, há 70 anos atrás, no Natal de 1947, e agora na próxima quinta-feira, 14 de Setembro, faz 50 anos que o nosso fundador esteve aqui em Fátima e consagrou o nosso trabalho a Nossa Senhora de Fátima. Nós aqui em Portugal todos os anos vamos a Fátima nesta altura, renovar esta consagração, mas este ano é uma data especial, são os 50 anos, e então decidimos fazer esta grande peregrinação internacional.
Esperam quantos peregrinos?
Serão mais de mil benfeitores e amigos da AIS de todo o mundo, principalmente da Europa, que estarão aqui connosco e vamos juntos celebrar esta data, pedir à nossa Mãe, em Fátima, que continue a abençoar o nosso trabalho, para continuarmos fiéis à nossa missão de ajudar os outros e esta Igreja que está perseguida e necessitada no mundo. É isto que queremos.
Também virão alguns responsáveis da Igreja nesses vários países?
Exactamente. Procurámos que um representante de cada continentes nos venha dar a conhecer o que é ser hoje cristão em determinado país, e vamos ter pessoas desde a Ucrânia, Venezuela, Cuba, Níger, Papua Nova-Guiné, Filipinas, Nalguns destes países a situação não é de perseguição aos cristãos, mas vivem outras dificuldades porque são uma comunidade pequena, desprotegida e muito pobre, sem acesso à educação, sem acesso aos bens essenciais, portanto a ideia é virem-nos falar da realidade de hoje, 2017, como é ser cristão em vários pontos do mundo.
Virá também um sacerdote da Síria…
Sim. Não poderíamos deixar de ter aqui alguém a representar esta Igreja do Médio Oriente, em concreto será a da Síria, que é de facto uma Igreja sofrida, que vai já no sétimo ano de guerra, com tudo o que trouxe, toda a perseguição e estes fundamentalismos que estão presentes no dia a dia. Será um padre que está em Alepo, a cidade mártir, como ficou conhecida nos meios de comunicação social, que virá dar-nos o seu testemunho de como é que a comunidade cristã continua a viver apesar de todas as dificuldades, de se sentirem abandonados e não terem praticamente nada porque a cidade está totalmente destruída.
Quando e onde é que estes testemunhos vão poder ser ouvidos?
O sacerdote de Alepo vai dar o seu testemunho dia 13, às 18h, durante o Concerto Mariano que a essa hora terá lugar no auditório Paulo VI. Os testemunhos dos restantes convidados podem ser ouvidos dia 14, às 15h, na Basílica da Santíssima Trindade. Será uma tarde de oração e testemunho, aberta a quem se queira juntar, serão todos bem vindos.
A peregrinação vai decorrer entre 12 e 15 de Setembro, ou seja, por toda semana.
Sim. A peregrinação vai ser presidida pelo cardeal Mauro Piacenza, que é o nosso presidente internacional. Será ele a presidir às cerimónias do 12 e 13 e depois continuará connosco, estará no concerto de dia 13 e na tarde de oração de dia 14, presidindo à eucaristia de encerramento dia 15. O Concerto Mariano de quarta-feira, às 18h00, é uma oferta aos nossos benfeitores e também vai ser um momento para estarmos unidos em oração e, através da música, darmos voz a esta Igreja que sofre e continuarmos o nosso trabalho de estar junto dos que mais precisam para, como dizia o nosso fundador, continuarmos esta ‘aventura de amor’ ao próximo.