Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Reportagem

​Nas ruas de Setúbal, recorda-se D. Manuel Martins. “Viveu para o povo e com o povo”

25 set, 2017 - 15:23 • Cristina Nascimento

Bispo emérito esteve à frente da diocese de Setúbal entre 1975 e 1998. Há quase 20 anos que deixou a diocese, mas os setubalenses não esquecem o bispo que "dizia muitas verdades".

A+ / A-

O dia ainda está a amanhecer e poucos são os que já andam a pé pelas ruas mais antigas de Setúbal. Nas décadas de 1980 e 90, no antigo Bairro da Fonte Nova, pleno bairro de pescadores, era por ali que morava D. Manuel Martins, falecido este domingo, aos 90 anos.

“Andava sempre pelas ruas”, recorda Luís Simões, 78 anos, nascido e criado em Setúbal. “Era uma pessoa muito boa e era muito conhecido aqui”, acrescenta. Para este setubalense madrugador, aquele que foi o primeiro bispo desta diocese deixou marcas que o tempo não consegue apagar. D. Manuel Martins foi ordenado bispo de Setúbal em 1975 e ali esteve até 1998.

É também assim que o recorda Maria Judite Ferreira, moradora na zona há 38 anos. “Muitas vezes vim aqui ter com o bispo. Era uma pessoa simpática, dada e humilde”, recorda, junto ao edifício da Cáritas de Setúbal, na rua onde D. Manuel Martins morou.

“Havia ali uma casinha pequena, muito simples, assim como ele”, diz Domingos de Sousa, actual presidente da Cáritas local. Os seus caminhos com D. Manuel Martins cruzaram-se desde 1970, na altura vigário-geral da diocese do Porto. Depois, voltaram a trabalhar de forma mais próxima em Setúbal, onde Domingos de Sousa testemunhou a proximidade que mantinha com as pessoas.

“Ele viveu para o povo, ele vivia com o povo. Era muito sensível aos problemas das pessoas”, recorda.

José Gualdino, 63 anos, trabalha há sete anos, na Cáritas de Setúbal. Nunca conheceu pessoalmente D. Manuel Martins, mas recorda com vivacidade o papel do bispo “que dizia muitas verdades”.

“Ficou-me na memória uma das coisas que ele expôs de forma muito clara: a fome que havia em Setúbal. Muita gente não queria denunciar essa situação e ele fê-lo, com muita convicção”, remata.

Corria a década de 80 e o Fundo Monetário Internacional estava (outra vez) em Portugal. A crise atingiu fortemente o distrito de Setúbal e foi D. Manuel Martins que denunciou os graves problemas de então.

Até ao fim da sua vida, o "bispo vermelho", como chegou a ser conhecido, falou sobre os problemas do país, sem papas na língua.

Numa das salas da Cáritas de Setúbal onde nos recebe, Domingos de Sousa recorda uma das últimas conversas que teve com D. Manuel Martins, antes de este deixar a diocese.

“Estivemos a conversar longo tempo e D. Manuel disse uma coisa muito interessante: ‘Domingos, estou aqui há 22 anos na diocese, vai fazer 23. Acho que é tempo de me afastar porque a partir de agora corro o risco de estragar o que fiz e a última imagem é a que fica’. Olhei para ele e disse: ‘Isso está muito bem pensado, mas não se aplica à sua pessoa’”, conta.

Domingos de Sousa não tem dúvidas que o primeiro bispo de Setúbal deixou o cargo “demasiado cedo”, mas reconhece que o bispo emérito já estava a precisar de descansar. “Foi um trabalho muito intenso e muito duro, numa altura de grandes dificuldades em Setúbal. Ele soube estar à altura desse tempo e dessa época”, remata.

D. Manuel Martins, o bispo dos marginalizados
D. Manuel Martins, o bispo dos marginalizados
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+