31 out, 2017 - 16:16 • Ângela Roque
“Informado da ‘Caminhada pela Vida’ simultânea nas cidades de Aveiro, Lisboa e Porto, o Papa Francisco envia a sua saudação aos participantes na iniciativa, nascida da consciência cristã nacional moralmente sensível à promoção e defesa da vida, contra a cultura do descarte, guiada por uma lógica económica que exclui e por vezes mata”. Assim se inicia a mensagem enviada através da Nunciatura Apostólica em Lisboa.
Na carta, assinada pelo cardeal Pietro Parolin, o Papa manifesta o desejo de que “apareçam sempre mais homens e mulheres de boa vontade que abracem corajosamente a verdade e valor que cada ser humano tem para Deus, sustentando tal verdade com factos e razões científicas e morais num dramático apelo à razão, para se voltar ao respeito de cada vida humana”, da concepção à morte natural, “na batalha contra o aborto, eutanásia e demais atentados à vida humana”.
Em entrevista à Renascença António Pinheiro Torres, da Federação Portuguesa pela Vida, e um dos organizadores da Caminhada, agradece o incentivo do Papa, e espera que no próximo sábado sejam muitos os portugueses em geral, e os cristãos em particular, a mostrar nas ruas que não aceitam as propostas dos partidos sobre a eutanásia.
Como é que receberam esta mensagem do Papa?
Do ponto de vista pessoal comove-nos. O Papa Francisco já nos tinha enviado mensagens em duas edições anteriores. Fazê-lo, uma vez mais, dá à iniciativa uma relevância que nos conforta. Destaco sobretudo esta referência que o Papa faz à ‘cultura do descarte’, porque essa é de facto a questão central do debate da eutanásia. Que cuidado queremos nós ter com os doentes, com aqueles que sofrem e com todas as pessoas que se encontram em situações limite da sua própria vida? Deixamo-los para trás? Descuidamo-las? Ou queremos dar-lhes uma resposta? Por outro lado faz uma chamada de atenção à necessidade de um apelo dramático à razão, para se voltar ao respeito por cada vida humana. Não se trata tanto de uma posição religiosa, nem se reduz a isso, mas sobretudo termos os factos e as razões científicas que fundamentam uma posição de defesa da vida humana. Parece-me que estes dois pontos são fundamentais e iremos lembrá-los ao longo da Caminhada pela Vida do próximo sábado.
A Caminhada decorre numa altura em que o parlamento se prepara para legislar sobre a eutanásia. Esta é uma oportunidade para quem está contra o dizer?
De facto esses dois momentos coincidem, o momento político e legislativo por um lado, e por outro esta descida à rua das pessoas que pensam - e são muitas na sociedade portuguesa - que importa defender a vida, desde a concepção à morte natural. Temos um debate que é crucial na sociedade portuguesa e esta é a altura de dizermos qual é a nossa posição. E não só no sentido de dizer sim, ou não, às propostas de lei, mas também de testemunhar a beleza de cuidarmos dos nossos doentes, das pessoas que sofrem, de todos aqueles que se encontram numa fase já mais adiantada da sua vida. Esse testemunho é também o que se vê nas ruas, a passagem das famílias, de pessoas mais doentes ou mais saudáveis, mais novas ou mais velhas, com a alegria de quem percebe que a resposta aos problemas que são o foco desta discussão não está nos projectos lei que estão no parlamento.
Esta questão diz respeito a todos?
Claro, não diz só respeito às pessoas mais velhas nem às mais doentes, diz respeito a toda a gente, como vemos pelas experiências da Bélgica ou da Holanda, onde há crianças que são eutanasiadas. Por isso este é o momento de não nos limitarmos a observar, mas de tomar posição.
Os cristãos têm uma responsabilidade acrescida nesta matéria?
Os cristãos e todos aqueles que pura e simplesmente acreditam na beleza e na dignidade da vida humana. Mas é bom que tenha utilizado a palavra ‘cristãos’, porque isso é mais largo do que dizer apenas ‘católicos’. Existem muitos cristãos de outras confissões, às vezes esquecemo-nos disso, mas isto diz respeito a todos, porque nós vivemos no mundo e vivendo no mundo somos chamados a pronunciar-nos sobre aquilo que se passa no mundo. Estão convocados para a Caminhada pela Vida do próximo dia 4 de Novembro.
Ir para a rua, participar nesta Caminhada, também é contribuir para o debate sobre estas questões?
É, porque quando um deputado aprecia uma determinada proposta de lei tem em consideração não apenas aquele que é o seu sentimento pessoal sobre o assunto, ou a orientação que é dada pelo partido a que pertence, mas também o sentir da população. Falo pela minha experiência política, porque também fui deputado entre 2002 e 2005, e sei que para quem está no parlamento é muito importante ver o que é que se passa a nível de mobilização popular, e que isso também tem influência sobre as suas decisões. Por isso é importante que as pessoas demonstrem o que pensam, manifestem a rejeição destes projectos de lei. E nós cremos que essa rejeição é muito grande na sociedade portuguesa. Que exijam que o Serviço Nacional de Saúde saiba responder aos cuidados que as pessoas necessitam, não apenas os cuidados paliativos mas também os cuidados continuados, e que haja uma rede social que permita às famílias viverem com os seus doentes. Portanto, este é o momento não apenas de dizer 'não' a uma lei, mas também de exigir que do Estado haja respostas para quem precisa. Porque os doentes, e sobretudo os doentes mais idosos, são dos mais abandonados. E aqui voltamos àquela questão das periferias, de que fala o Papa Francisco, e voltamos também à pergunta anterior sobre a necessidade que há de nos manifestarmos.
Esta questão tem sido suficientemente debatida a nível nacional?
A experiência que nós temos é que existe uma grande ignorância e confusão à volta do que está relacionado com a eutanásia, desde o chamado 'testamento vital', as disposições antecipadas da vontade, sobre os tratamentos a que desejamos ou não ser submetidos se um dia precisarmos, como se existe ou não possibilidade de minorar o sofrimento, ou mesmo fazer desaparecer esse sofrimento. Porque hoje em dia o tratamento da dor é uma área da medicina que está muito avançada, e nós vemos que há muita coisa que ainda é desconhecida, portanto desse ponto de vista há uma grande necessidade de esclarecimento sobre as respostas ao sofrimento e à doença. E não deve haver confusão de conceitos. Há necessidade de conhecer quais são as respostas que o Estado está disponível para dar.
Depois dos apelos à participação feitos pelo Cardeal Patriarca de Lisboa e pelo bispo de Aveiro, e desta mensagem do Papa, esperam muita gente na Caminhada pela Vida?
Sobre a participação é sempre uma incógnita, mas o que para mim é o ponto mais importante é lembrar que este é o momento de falar, é o momento de nos pronunciarmos, de demonstrar qual é a nossa vontade sobre o assunto, e de testemunhar a beleza de não matar uma pessoa como resposta ao seu sofrimento, mas sim cuidá-la e ajudá-la na sua vida. E tem força manifestarmos isso na rua.
Pela primeira vez a Caminhada vai decorrer em três cidades em simultâneo, Lisboa, Porto e Aveiro, porque nós percebemos que por vezes é difícil para as pessoas deslocarem-se só a Lisboa. Assim podem participar numa manifestação que tenha lugar mais perto delas, e a mobilização também é feita pelas associações que existem naquelas zonas e que também querem juntar-se para que este seja um grande momento nacional de rejeição destas propostas sobre eutanásia que não dão resposta aos problemas da pessoas, só propõem acabar com a vida.