28 nov, 2017 - 10:56 • Aura Miguel , Filipe d'Avillez
O Papa Francisco encontrou-se esta terça-feira com os líderes políticos do Myanmar, na capital Nepiedó. Apesar de o problema dos rohingya estar a mais de 300 quilómetros de distância, o assunto esteve presente em ambos os discursos, do Papa e da conselheira do Estado – posição equiparável à de primeira-ministra – Aung Suu Kyi.
Francisco disse aos seus anfitriões que a sua grande prioridade deve ser “curar as feridas” existentes no país.
A primeira a usar da palavra foi Aung Suu Kyi, durante longos anos o rosto da oposição ao regime militar, e que agora ocupa o principal cargo político do país, embora o poder de facto continue nas mãos das Forças Armadas.
A prémio Nobel da Paz, que tem sido criticada por causa da situação de repressão sobre a minoria muçulmana do estado de Rakhine, referiu-se especificamente à questão, embora sem referir a palavra “rohingya”, uma vez que o regime rejeita o termo, considerando que os muçulmanos são bengalis, da mesma etnia que o povo do Bangladesh.
“Entre os muitos desafios que o nosso governo tem enfrentado, a situação em Rakhine tem capturado as atenções do mundo. Enquanto lidamos com assuntos sociais, económicos e políticos de longa data, que minaram a confiança e compreensão, harmonia e cooperação entre diferentes comunidades no Rakhine, o apoio do nosso povo e dos nossos bons amigos, que só desejam o nosso sucesso, tem sido inestimável”, disse Aung Suu Kyi.
A líder birmanesa referiu-se depois à mensagem do Papa para o dia Mundial da Paz de 2017, em que aponta as bem-aventuranças como “programa e desafo para líderes políticos e religiosos” na construção da paz. “Sua Santidade, os dons da compaixão e encorajamento que nos traz serão estimados e levaremos a peito as suas palavras na mensagem pelo Dia Mundial da Paz”, disse.
Francisco agradeceu as palavras da conselheira do Estado e referiu-se ao que considera ser a verdadeira riqueza do Myanmar. “O Myanmar foi abençoado com o dom de uma beleza extraordinária e numerosos recursos naturais, mas o maior tesouro dele é, sem dúvida, o seu povo, que sofreu muito e continua a sofrer por causa de conflitos civis e hostilidades que duraram muito tempo e criaram profundas divisões.”
“A cura destas feridas não pode deixar de ser uma prioridade política e espiritual fundamental”, disse o Papa, “o árduo processo de construção da paz e reconciliação nacional só pode avançar através do compromisso com a justiça e do respeito pelos direitos humanos”.
Ao contrário de Aung Suu Kyi, Francisco não se referiu nunca directamente ao problema em Rakhine, mas sublinhou a importância do respeito pelos diferentes grupos étnicos. “O futuro do Myanmar deve ser a paz, uma paz fundada no respeito pela dignidade e os direitos de cada membro da sociedade, no respeito por cada grupo étnico e sua identidade, no respeito pelo Estado de Direito e uma ordem democrática que permita a cada um dos indivíduos e a todos os grupos – sem excluir nenhum – oferecer a sua legítima contribuição para o bem comum.”
Religiões pela paz
O Myanmar (antiga Birmânia) é de esmagadora maioria budista, mas há minorias muçulmanas – como os rohingya – e cristãs, incluindo uma pequena percentagem de católicos, quase todos descendentes de portugueses. Aung Suu Kyi referiu-se a estes dizendo ao Papa que “os filhos da sua Igreja neste país são também filhos do Myanmar, amados e estimados”, e recordou que ela mesmo estudou num colégio católico em Rangum, “o que me leva a pensar que tenho direito a uma bênção especial sua”, brincou.
O Papa Francisco disse no seu discurso que as religiões têm um papel importante a desempenhar na construção da paz. “As diferenças religiosas não devem ser fonte de divisão e difidência, mas sim uma força em prol da unidade, do perdão, da tolerância e da sábia construção da nação.”
“As religiões podem desempenhar um papel significativo na cura das feridas emocionais, espirituais e psicológicas daqueles que sofreram nos anos de conflito. Impregnando-se de tais valores profundamente enraizados, elas podem ajudar a extirpar as causas do conflito, construir pontes de diálogo, procurar a justiça e ser uma voz profética para as pessoas que sofrem”, concluiu.
Termina assim o programa oficial do Papa em Nepiedó, uma cidade que foi inaugurada apenas em 2006, tendo sido construída de raiz para ser a nova capital do país. Francisco regressa a Rangum, a principal cidade do Myanmar. Na quinta-feira parte para o Bangladesh, de onde regressa no sábado para Roma.
A Renascença com o Papa em Myanmar e no Bangladesh. Apoio: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.