16 jan, 2018 - 21:00
As feridas que a Igreja carrega são precisamente aquilo que a liberta, disse esta terça-feira o Papa Francisco, num encontro com os religiosos e religiosas do Chile, onde se encontra em visita apostólica.
Perto do início do seu longo discurso, o Papa voltou a referir-se ao escândalo dos abusos sexuais na Igreja, depois de na manhã desta terça-feira ter pedido perdão por esta situação no seu discurso de boas vindas, perante as autoridades civis e políticas do país.
Desta feita, falando aos representantes da Igreja, Francisco voltou a referir a dor dos abusados, mas também a dos padres ou religiosos inocentes que têm de viver com o peso dos pecados cometidos por outros.
“Sei da dor causada pelos casos de abuso contra menores e sigo com atenção aquilo que estais a fazer para superar este grave e doloroso malefício. Dor pelo dano e sofrimento das vítimas e suas famílias, que viram traída a confiança que depunham nos ministros da Igreja. Dor pelo sofrimento das comunidades eclesiais, e dor também por vós, irmãos, que, além do desgaste pela entrega, experimentastes o dano que provoca a suspeita e a contestação, que pode ter insinuado – em alguns ou muitos – a dúvida, o medo e a desconfiança.”
“Convido-vos a pedir a Deus que nos dê a lucidez de chamar a realidade pelo seu nome, a coragem de pedir perdão e a capacidade de aprender a escutar o que Ele nos está a dizer”, disse o Papa.
Mas Francisco foi mais longe e disse mesmo que estas feridas que afectam a Igreja, ou chagas, podem ser benéficas para a instituição, dando como exemplo o próprio Jesus.
“Jesus Cristo não Se apresenta, aos seus, sem chagas; foi precisamente a partir das suas chagas que Tomé pôde confessar a fé. Estamos convidados a não dissimular nem esconder as nossas chagas. Uma Igreja com as chagas é capaz de compreender as chagas do mundo actual e de assumi-las, sofrê-las, acompanhá-las e procurar saná-las", disse.
“Uma Igreja com as chagas não se coloca no centro, não se considera perfeita, mas coloca no centro o único que pode sanar as feridas e que se chama Jesus Cristo. A consciência de ter chagas, liberta-nos. É verdade; liberta-nos de nos tornarmos auto-referenciais, de nos considerarmos superiores”, insistiu.
“Em Jesus, as nossas chagas ficam ressuscitadas. Tornam-nos solidários; ajudam-nos a derrubar os muros que nos encerram numa atitude elitista, incitando-nos a construir pontes e ir ao encontro de tantos sedentos do mesmo amor misericordioso que só Cristo nos pode dar.”
O Papa recordou aos religiosos que o escutavam que os fiéis não precisam que eles sejam perfeitos. “O povo de Deus não espera nem precisa de super-heróis, espera pastores, pessoas consagradas, que conheçam a compaixão, que saibam estender uma mão, que saibam parar junto de quem está caído.”
“Selfies” sim, mas não vocacionais
Desde a sua eleição, Francisco tornou-se famoso por se deixar fotografar com facilidade e são muitas as ocasiões em que posou junto a fiéis para tirar “selfies”.
Mas esta noite, falando aos religiosos, o Papa traçou um limite para esta moda fotográfica. “É verdade que somos chamados individualmente, mas sempre para ser parte de um grupo maior. Não existe a ‘selfie vocacional’. A vocação exige que a foto te seja tirada por outrem”, disse Francisco, “que lhe havemos de fazer?”
O discurso do Papa aos religiosos e religiosas foi um dos últimos eventos de um dia muito preenchido, que começou com os discursos de boas-vindas e prosseguiu com missa campal. Depois do almoço, o Papa visitou um centro penitencial, onde falou às reclusas.
As actividades de segunda-feira prosseguem com um encontro com os bispos do Chile e, para terminar, um encontro com os jesuítas naquele país. Na quarta-feira o Papa viaja para Temuco, ainda no Chile, onde celebra missa às 13h30, hora de Lisboa.
Antes de regressar a Roma, Francisco vai ainda ao Peru.
Renascença no Chile e Peru com o Papa Francisco. Apoio: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa