19 jan, 2018 - 16:34 • Aura Miguel , Filipe d'Avillez
O Papa Francisco regressou ao tema da defesa do planeta, esta sexta-feira, num discurso proferido diante de quatro mil indígenas, em plena floresta amazónica.
Francisco sublinhou os perigos que a natureza enfrenta, elencando as ameaças, incluindo “a nova ideologia extractiva e a forte pressão de grandes interesses económicos cuja avidez se centra no petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agro-industriais” e a “perversão de certas políticas que promovem a ‘conservação’ da natureza sem ter em conta o ser humano”, concluindo que é necessário “romper com o paradigma histórico que considera a Amazónia como uma despensa inesgotável dos Estados, sem ter em conta os seus habitantes”.
Mas o Papa foi mais longe, apontando a ameaça não só à natureza mas à própria cultura e estilo de vida dos indígenas, também ameaçada. “Se, para alguns, vós sois considerados um obstáculo ou um ‘estorvo’, a verdade é que, com a vossa vida, sois um grito lançado à consciência de um estilo de vida que não consegue medir os custos do mesmo.”
“Vós sois memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da casa comum”, afirmou Francisco, para quem “provavelmente nunca os povos amazónicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora”.
O Papa insistiu muito na questão do envolvimento dos próprios indígenas nos processos de tomada de decisão que os afectam, bem como o direito de alguns povos optarem pelo isolamento e o dever da restante sociedade de os defender. “Todos os esforços que fizermos para melhorar a vida dos povos amazónicos será sempre pouco”, disse, no seu discurso.
Igreja com rosto indígena
O Papa Francisco não se coibiu de abordar também um assunto que para muitos é polémico. Não há falta de quem diga que o próprio cristianismo é uma imposição estrangeira aos povos indígenas e que estas devem regressar às suas tradições pré-cristãs para defender a sua identidade.
Francisco recordou, contudo, os inúmeros missionários e missionárias que “se comprometeram com os vossos povos e defenderam as vossas culturas! Fizeram-no inspirados no Evangelho” e falou da inculturação, nome dado à adaptação da prática cristã a diferentes realidades geográficas e étnicas, pedindo aos presentes que não sucumbam “às tentativas em ato para desarraigar a fé católica dos vossos povos”.
“Cada cultura e cada cosmovisão que recebe o Evangelho enriquecem a Igreja com a visão de uma nova faceta do rosto de Cristo. A Igreja não é alheia aos vossos problemas e à vossa vida, não quer ser estranha ao vosso modo de viver e de vos organizardes.”
A Igreja na amazónia deve ser uma igreja amazónica, disse. “Precisamos que os povos indígenas plasmem culturalmente as Igrejas locais amazónicas. Ajudai os vossos bispos, os missionários e as missionárias a fazerem-se um só convosco e assim, dialogando com todos, podeis plasmar uma Igreja com rosto amazónico e uma Igreja com rosto indígena.”
Papa condena esterilizações
O Papa aproveitou também este discurso para fazer uma dura crítica a políticas de esterilização forçada e outras formas de abuso sobre os povos indígenas.
Falando sobre a prevalência de doenças nesta região, o Papa diz que “pedimos aos Estados que se implementem políticas de saúde interculturais, que tenham em conta a realidade e a cosmovisão dos povos, formando profissionais da sua própria etnia que saibam enfrentar a doença a partir da sua própria cosmovisão.”
“Mais uma vez, como expressei na [encíclica] 'Laudato Si'’, é necessário levantar a voz contra a pressão que fazem organismos internacionais em certos países para promover políticas de esterilização. Estas encarniçam-se de forma mais incisiva sobre as populações aborígenes.”
“Sabemos que se continua a promover nelas a esterilização das mulheres, às vezes sem conhecimento delas próprias”, acusou Francisco.
Renascença no Chile e Peru com o Papa Francisco. Apoio: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa