05 fev, 2018 - 11:33 • Ângela Roque
A Associação de Médicos Católicos Portugueses considera “inaceitável” a proposta de lei a favor da legalização da eutanásia em Portugal, apresentada pelo Bloco de Esquerda no último sábado, 3 de Fevereiro. Em declarações à Renascença o presidente da AMCP diz que duvida das boas intenções de um diploma, que quer pôr os médicos a decidir sobre a morte dos doentes.
“Que isto seja dito de forma clara - a eutanásia não pode ser considerada um ato clínico, já que não se destina a aliviar ou curar uma doença, mas sim a pôr termo à vida do paciente. Portanto a eutanásia e o suicídio assistido não são tratamentos médicos”, sublinha o psiquiatra, acrescentando que “a participação directa ou indirecta dos médicos num suicídio assistido, porque é disso que se trata, é completamente contrária à prática médica e à tradição hipocrática da medicina”.
Para o presidente da AMCP, nem o Bloco nem os restantes partidos têm “legitimidade ética” para fazer uma aprovar uma lei que vai criar, assim, uma “desconfiança generalizada” entre médico e doente, porque “aquele que nos deve tratar não pode subitamente capitular e passar para o outro lado, ajudando ao suicídio. Há aqui uma linha que é intransponível no nosso entender”.
“O Bloco de Esquerda falou na necessidade de um consenso alargado, mas eu estou convencido que a maior parte dos médicos se opõe a esta proposta”, diz ainda Pedro Afonso nestas declarações à Renascença, lembrando que “cinco ex-bastonários da Ordem dos Médicos assinaram uma carta manifestando-se contra a aprovação da lei da eutanásia”.
Como psiquiatra preocupa-o saber que nos vários países onde a lei existe, a eutanásia tem sido progressivamente alargada e já é aplicada, por exemplo, em casos de depressão. Não duvida, por isso, que se a lei avançar em Portugal abrirá “uma caixa de pandora, com consequências inimagináveis”.
“Serão as pessoas mais idosas e fragilizadas as que vão ficar mais expostas e ao livre arbítrio das comissões que serão criadas”. Porque “inicialmente é prometido que os critérios são muito rígidos, mas com o tempo a experiência diz-nos que esses critérios vão sendo alargados e que a eutanásia, que devia ser excepcional, passa a ser cada vez mais frequente”. É o que tem acontecido na Holanda, onde o número de casos tem aumentado de ano para ano. “A evolução é assustadora, o que comprova que esta medida não se aplica apenas a casos pontuais. Em 2015 a eutanásia correspondeu a 3,4 por cento de todas as mortes no país. Houve 4.829 casos de suicídio assistido”.
Outro risco que se corre, alerta o médico, é o da chamada “eutanásia passiva”, porque “abrindo a possibilidade da pessoa decidir sobre a sua morte também poderá ser o Estado com o tempo a fazê-lo. Como também tem acontecido noutros países, como a Holanda. Vai-se alargando a aplicação da lei a outras situações, e as pessoas podem ser privadas de tratamentos que são honorosos. Nós sabemos que a medicina está cada vez mais cara, e o Estado poderá arbitrariamente até decidir suspender os tratamentos mais caros. São riscos para os quais convém alertar as pessoas”.
Pedro Afonso não concorda com a possibilidade de levar o assunto a referendo, porque “há determinadas matérias que não são referendáveis. A vida não é referendável, da mesma forma que não faria sentido referendar a possível legalização da escravatura”, explica. Mas, importa esclarecer bem os portugueses sobre todos os riscos que correm e isso, diz, não está ser feito como devia. A Associação resolveu, por isso, tomar posição sobre a matéria, contrariando a ideia de que esta é uma lei progressista, até porque “a eutanásia já foi praticada noutras épocas em sociedades mais primitivas como na Grécia e na Roma Antiga, e foi por influência em grande parte do cristianismo que o respeito pela vida humana acabou por se impor”.
“Passa-se a ideia errada de que esta é lei progressista. Pelo contrário, significa um retrocesso”, afirma ainda o presidente da Associação de Médicos Católicos, para quem “uma sociedade justa é aquela que se deve preocupar em tratar dos seus elementos mais frágeis e vulneráveis, não capitular perante o sofrimento e a doença, sendo cúmplice de um suicídio, neste caso de um suicídio assistido. O progresso está em apoiar a vida e em garantir que essa vida seja vivida com dignidade e com cuidados médicos, neste caso com cuidado paliativos na fase terminal. É esse investimento que deve ser feito”.
[Notícia actualizada às 17h35]